Expandindo a cronologia oficial da Marvel Comics, o estúdio sempre imaginou vertentes possíveis em universo paralelos, possibilidades que modificariam acontecimentos e outras narrativas explorando ao máximo as personagens. A linha “O Fim” intenta apresentar a última história de cada herói. Famosos personagens da Casa como Wolverine, Quarteto Fantástico e Hulk estrearam tais recriações, uma espécie de salto cronológico para um futuro provável. Algumas dessas narrativas fugiram da marca nominal do fim devido a um tratamento diferenciado como chamativo aos leitores, caso de Potestade, a estranha história final de Homem-Aranha, a recente Fim Dos Dias sobre a morte de Demolidor e também esta, A Escolha, sobre Capitão América.
Desde sua criação na década de 40, a personagem passou por mais de uma geração de leitores representando um herói com valores do estilo de vida americano. A personagem foi inserida no contexto real da Segunda Guerra Mundial, tornando-se uma espécie de símbolo da liberdade. Nos últimos tempos – precisamente desde a chegada de Brian Michael Bendis na revista dos Vingadores e de Ed Brubaker na mensal (vide resenha Capitão América – Tempo Esgotado) do personagem – Steve Rogers se expandiu para uma defesa maior da liberdade além da doutrina americana. A modificação foi uma das causas da saga Guerra Civil quando o herói entrou em conflito com o Homem de Ferro visto como um conservador a favor do registro de super-heróis. Desde esta história, a filosofia do Capitão América parece romper com qualquer sistema de leis para defender acima de tudo a justiça e outras virtudes inerentes ao bem, independentemente de qualquer conceito político. O Capitão América se manteria como símbolo mesmo sem Steve Rogers.
Capitão América: A Escolha apresenta um possível fim definitivo da personagem se apoiando na morte física de Steve Rogers após o soro do super-soldado perder os efeitos gradativamente. O corpo de Rogers envelheceu lentamente e surge a necessidade de procurar alguém para assumir o manto do Capitão. O enfoque é baseado na força de uma figura símbolo e na busca por alguém que sustente os mesmo ideais.
Assinando o roteiro da trama está o escritor David Morrell, responsável pelo livro Rambo – First Blood, romance sobre o peso da guerra diante de um homem, transformado nas telas em um eficiente filme de ação com Sylvester Stallone. Nesta trama, o escritor retorna ao escopo da Guerra para acompanhar um soldado no Afeganistão que, em momentos de tensão e adrenalina, tem visões com o Capitão América, que lhe concede palavras de apoio para manter a coragem.
O pano de fundo da guerra produz o aspecto realista da obra, inserindo uma guerra real e um soldado comum para destacar suas virtudes. Narrado pelo próprio soldado, observamos o conflito interno de um homem convocado para invadir outro país sem saber ao certo o sentido da guerra e se sua intervenção ajuda, de fato, a população. Assim, os ideais nobres de um ser heroico, sobrepujando o medo, ajudando seus companheiro em batalha, são os motivos que fazem o Capitão desejar que aquele homem assuma seu manto.
Morell não estabelece uma crítica direta a intervenção americana, preferindo focar no sentimento desse indivíduo específico para que seus anseios e medos provoquem a reflexão. Demonstrando que fora do conceito heroico fundamentado pelos quadrinhos, existem naturais heróis na sociedade e que ambos carregariam as mesmas virtudes. A vertente narrativa foge dos quadrinhos tradicionais, explorando, a partir de um personagem consagrado, um conceito simbólico de heróis anônimos. A guerra como tema é suscetível para carregar indagações sobre este heroísmo, mas o roteiro é hábil em demonstrar que o enfoque é proposital, um exemplo da parte para demonstrar o todo em uma mensagem maior.
Trata-se de uma história reflexiva que simboliza simultaneamente a força de um único homem – demonstrando a eficiência de Rogers como um símbolo de coragem – ao mesmo tempo em que concede o heroísmo a qualquer cidadão com estas mesmas virtudes, potencializando, assim, os heróis presentes no cotidiano. Ao evitar uma história heroica tradicional, A Escolha se destaca como interessante representação de como um personagem é capaz de ser uma figura motivadora dentro e fora de seu universo. Ainda que não seja brilhante, a primeira incursão do autor nas narrativas quadrinescas demonstra uma interessante vertente, um tanto inédita nas diversas recriações que sempre demonstram-se nada originais.