Afinal de contas, o que é imortal, morre no final? Para Kieron Gillen, Jamie McKelvie e Matthew Wilson, a resposta para essa redundante pergunta é: sim. A equipe criativa, responsável pela elogiada fase dos Jovens Vingadores no início dessa década, se reuniu novamente sob a guarida da Image Comics, em 2014, para publicarem The Wicked + The Divine, herdeira espiritual de um título anterior do trio, Phonogram, também publicado pela editora sensação da cena autoral do quadrinho norte-americano contemporâneo.
A trama de WicDiv mistura, tal qual sua antecessora, a cultura pop com mitologias das mais variadas, entregando uma sinopse no mínimo empolgante: doze deuses reencarnam nos corpos de jovens adultos do mundo todo, lhes dando poderes, carisma, adoração popular e todo tipo de prazeres pelos quais muitos dariam a vida para ter. Contudo, tudo tem seu custo, e tais bênçãos cobram seus preços de forma inexorável, uma vez que estes que são agraciados pelo destino acabam morrendo dentro de dois anos. 730 dias para se viver intensamente, sabendo de seu fatídico destino. Ser imortal, afinal, não significa viver para sempre.
Amados, odiados, com poderes inimagináveis e responsabilidades ínfimas, as deidades despertam em pleno século XXI, fazendo dos jovens escolhidos verdadeiros ícones da efemeridade millenial, inevitáveis bastiões dos prazeres dionisíacos em um mundo apolíneo, como é a sociedade contemporânea. No meio desse festival de glorificação da futilidade e do hedonismo, somos apresentados a Laura. Uma adolescente comum, mortal e fissurada com os deuses-celebridade do panteão. Sob sua perspectiva nos deparamos com todo o glamour e maravilha que envolve personagens como Amaterasu, Baal, Sekhmet e, principalmente, Lúcifer.
Como ninguém mexe com o diabo e sai impune, Laura se vê envolvida em uma conspiração que envolve misteriosos assassinatos, desconfianças mútuas e um equilíbrio prestes a ser desfeito, tal qual um barril de pólvora perto de estourar. O primeiro arco, intitulado “o ato faustiano” nos leva pelos meandros do panteão através dos olhos de Laura, partilhando de suas impressões e anseios, enquanto somos apresentados aos jovens deuses, retratados à imagem e semelhança de ícones da música mundial como David Bowie, Madonna, Florence Welch, Kanye West, Prince e Rihanna.
O trabalho de Gillen, McKelvie e Wilson carrega organicidade, fruto de uma equipe que funciona com a precisão de um relógio suíço e com o entrosamento apurado, de forma que um complementa o trabalho do outro. WicDiv não seria tão brilhante se tirássemos o texto econômico e dinâmico de Gillen, ou se deixássemos de fora a arte limpa e fluida de McKelvie, tampouco teria o mesmo brilhantismo e senso de identidade se não contássemos com as cores de Wilson.
Em The Wicked + The Divine somos apresentados a uma narrativa frenética e pulsante, que nos faz devorar página a página em busca de mais pistas para os misteriosos eventos que circundam esse ressurgimento dos deuses em pleno século XXI e sua globalização glorificada através do culto às celebridades e ao egocentrismo das mídias sociais como ferramentas de autoafirmação e identificação coletiva ao redor do mundo.
Tal qual Fausto, Laura pouco a pouco se vê enveredada em uma espécie de pacto que a leva por uma jornada de amores, intrigas e perigos em meio ao clubinho dos deuses na Terra. O primeiro encadernado tem um ritmo frenético e deixa o leitor ávido por mais pistas dos mistérios escondidos por trás de toda essa pompa e circunstância que cerca os deuses que caminham entre os homens.
Lançado no Brasil pelo selo Geektopia, da editora Novo Século, The Wicked + The Divine entrega um começo promissor para uma narrativa intrincada e intuitiva, que conta com sua belíssima arte como porta de entrada para uma trama que reflete em grande medida os prazeres e as dores da juventude atual. Contando com 160 páginas e uma belíssima capa dura, a série já teve três encadernados publicados por aqui até o momento, reunindo as 17 primeiras edições da série, que lá fora já conta com 43 edições e 6 especiais.
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