Derek Noakes é o dono de uma alma caridosa: trabalha em um asilo de idosos, prestando toda a sua atenção a senhoras e senhores que, em sua maioria, já não têm a quem recorrer. O grande diferencial do personagem em relação aos filantropos comuns é que ele é mentalmente afetado, o que gera uma porção de situações cômicas e agridoces. O seriado contém um formato de mockumentary, recurso já utilizado por Ricky Gervais em The Office, mas a intenção deste é diferenciada, semelhante à dicotômica, e talvez surpreendente, vida privada do produtor e protagonista da série, que a despeito de piadas polêmicas, colabora enormemente com causas sociais.
O conteúdo do seriado é muito ligado ao emocional. O asilo Broad Hill está passando por uma grave crise financeira e está à beira de fechar as portas em razão da falta de fundos. Entre as dificuldades relacionadas à fiscalização e o desejo dos executivos em cortar gastos – que já são irrisórios – há a já conhecida comédia de erros de Gervais, em que o constrangimento predomina sobre qualquer sinal de bom senso. Logo, Derek e Kev (David Earl), seu amigo sem-teto que o auxilia esporadicamente, tentam tacanhamente angariar possíveis assinaturas para salvar Broad Hill. Entre uma ofensa do mendigo e pedidos não envergonhados de Derek em utilizar os banheiros dos residentes, não logram êxito na tentativa de arrumar ajudantes, mas conseguem levar cães e gatos ao asilo, intentando alegrar os idosos.
Logo no piloto é mostrada uma gama de discussões interessantes. Em relação à participação do diferente em ações de cunho social, são elencadas questões emotivas, econômicas e administrativas de um modo hierárquico muito raro, mas muito justo. O discurso de Hannah (da excelente Kerry Godliman), primeiramente sobre o alarmante número de anciãos que falecem após a saída destes de casa, mostra que a urgência do seu trabalho e o de sua equipe é enorme; e, em segundo plano, demonstra que, apesar de todas as dificuldades, o serviço de guerrilha prossegue sereno e constante, ainda que as condições sejam cada vez mais precárias.
A maior parte das piadas do trio de amigos, Derek, Kev e Doug (Karl Pilkington), é de cunho escatológico, ainda que elas não sejam, em sua maioria, explicitamente visuais. Outra fonte de jocosidade é a condição mental e intelectual dos três, destacando-se a ingenuidade de Derek, a falta de tato de Doug e a desfaçatez de Kev. Ainda assim, o humor não ofusca as situações de maior seriedade em que a ganância prepondera em detrimento do bem estar alheio, quando, por exemplo, filhos visitam seus pais apenas em troca de heranças valiosas. A variação de comportamento entre os homens fica ainda mais evidente com a percepção que Derek possui, tanto em relação ao que significa o seu trabalho quanto a dor da perda de pessoas queridas. Sua capacidade de compadecimento pelo sofrimento alheio é maior do que o sentimento de muitos dos familiares dos anciãos, em alguns momentos, inclusive, ajudando os senhores a dar asas à imaginação, ainda juvenil.
O season finale guarda uma questão demais pessoal ao personagem título: o retorno da figura paterna após décadas de abandono. As lembranças doem no homem, que ainda tem a memória apegada à infância. Mas o que mais incomoda é pensar no quanto aquilo afetou sua mãe – isso reitera o principal elogio à conduta de Derek, que é a compaixão pelas outras pessoas em detrimento até do seu próprio bem. A capacidade de variar cenas dignas de choro e gargalhadas por meio do nonsense e da inadequação dos personagens é enorme, fazendo do programa algo arrebatador e equilibrado.
As confissões contidas na entrevista mostram que a rotina dos personagens principais é ordinária em suma, mas contém características singulares. Kev declara que ninguém gostaria de viver em seu lugar; já Doug é o dono das melhores tiradas e gatilho moral do asilo, o responsável por varrer para fora as presenças inconvenientes. As mensagens desse episódio são reflexivas, elevando o sentido da vida a algo maior que o preconizado por dogmas religiosos. A questão de atitude versus discurso. A reflexão proposta na série prioriza as relações humanas.
Além da estabilidade da direção, o roteiro de Gervais garante uma enorme pontualidade ao seriado e um comedido cunho emocional ao mostrar questões fundamentais à vida sob uma ótica singular. A sinceridade e docilidade são passadas de forma muito natural pelos personagens, mesmo por atores estreantes, como Karl Pilkington. A naturalidade de Derek a torna um objeto precioso em meio à comédia atual por trabalhar dramas reais de pessoas reais, usando algo inexorável, como o envelhecimento, para dialogar com o público, ao mesmo tempo em que mostra os espécimes que falam exatamente o que pensam.
Excelente crítica. Poucos falam sobre essa série, que é uma boa surpresa no meio de tanto “mais do mesmo” 🙂
Sou fã dos stand ups do Gervais, mas não curti The Office. Vou conferir essa mais pra frente…