Netflix estreia com uma nova série entre suas tantas, porém traz aqui um dos mais relevantes materiais que já se propôs a produzir. A série Master of None é estrelada por Aziz Ansari (Parks and Recreation), além do roteiro e produção em conjunto com Alan Yang, também de Parks and Recreation. Apesar de não ter a aura glamourosa de um House of Cards, Master of None tem a missão ambiciosa de servir de espelho para a “geração millenal”, conhecida como a geração dos sonhos, das paixões, e também aquela que muito idealiza, mas pouco realiza.
A estrutura do seriado segue-se ao longo dos 10 episódios mostrando um tema diferente em casa um deles, versando sobre carreira, relacionamentos, racismo, machismo. Não há nada de filosoficamente novo aqui, e seus temas percorrem a mente de muitas pessoas. Mas a ideia é justamente falar de coisas das quais sabemos, mas fingimos não entender. É uma série sobre aquilo que 1984 (Michael Radford) chama de Doublethink, ou “Duplipensar” em tradução livre. O conceito alcunhado por George Orwell fala sobre a capacidade de manter duas crenças contraditórias na mente ao mesmo tempo, e acreditar em ambas. Dev, personagem de Aziz, é um cara legal que se preocupa com amigos e em compreender o mundo, mas esta empatia toda não o impede de agir em desacordo com aquilo que ele e todos sabem que se deve fazer. Resta então a desconstrução desta duplicidade, sob o risco de arcar com o ônus de enfim tomar uma decisão sobre sua vida.
Quebrar com essa apatia coletiva, porém, é um esforço solitário de desconstrução e reconstrução. Não há como seguir uma paixão se não compreende o que te move, não compreende seus propósitos e decisões. Aziz faz toda essa explanação sem que em nenhum momento soe pessimista. Justo ao contrário: sua visão é de que não encontrará todas as respostas, mas sem que haja desconforto nisso, e da maneira mais otimista possível Dev busca aos poucos dar significado aos seus gestos.
Para lidar com tantos temas, cada episódio dedica-se a um por vez, e o roteiro utiliza-se de pequenas alegorias para demonstrar de forma íntima e cotidiana como o mundo se transforma ao nosso redor, como quando Dev demonstra extrema dedicação e empenho em buscar o melhor burrito da Nova York, mas não é capaz de dedicar-se proporcionalmente a tomar demais decisões. No episódio intitulado Ladies and Gentlemen, o roteiro demonstra com ironia e seriedade a forma como meninos envolvem-se em seus pequenos problemas e explanam tristemente sobre estes, ao mesmo tempo em que as meninas enfrentam a misoginia cotidiana sem serem adequadamente ouvidas.
Em um texto e atmosfera que remete a séries como Louie (Com Louie C.K) e a textos de Woody Allen, Master of None busca ser o mais próximo possível de seu público ao referenciar elementos de cultura quase irrelevantes para alcançar a memória afetiva do telespectador para que audiência e personagens formem uma espécie de consciência coletiva. Exemplo disto está na fixação pelo filme Infidelidade ao participar de um triângulo amoroso, ou a declaração de participação na paixão universal por Bededict Cumberbach.
Seus demais personagens mostram-se igualmente bem escritos, como Arnold (Eric Wareheim), um amoroso gigante que traz os laços de ternura que Dev muitas vezes evita; ou seu interesse amoroso Rachel (Noël Wells), numa versão de Zooey Deschanel, dado seu carisma. Mesmo os personagens coadjuvantes têm seu destaque, como os pais de Dev (Pais de Aziz, que não são atores) no episódio que trata da forma como se deu a transformação de uma geração sofrida e imigrante para idosos calados e carentes de afeto, enquanto seus filhos demonstram-se pessoas desapegadas e distraídas. E também como o privilégio de poder afastar as decisões para depois faz com que as pessoas percam o controle sobre suas decisões, agindo apenas quando diante do prazo final em um mar Mestres do Nada.
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Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.
É o Louie das minorias… SE você pensar 1 bilhão de pessoas como minoria. Curryoso.