Em tempos de espetacularização da política e das religiões, quando tudo é um evento, e suas figuras mais célebres, verdadeiros artistas com prazo para desaparecerem, e quando eleitores e fiéis viraram fãs que aplaudem tudo que o ídolo de estimação faz, um livro como Em Nome de Quem? é uma lanterna em forma de informação, adentrando em uma caverna cuja escuridão é cada vez mais sedutora. Alimentada por homens astutos e com um implícito projeto de poder (explícito para eles, e para o leitor do livro de Andrea Dip), a publicação de 2018 da editora Civilização Brasileira vai muito além de investigar os planos e as estratégias da Bancada Evangélica para a doutrinação do povo brasileiro, indo ao encontro da verdadeira natureza do poder.
Para quem acompanha Game of Thrones, por trás dos elementos fantásticos que envolvem a saga épica dos livros, e da multimilionária série da HBO, é fácil identificar as verdadeiras inspirações de George Martin para a criação de um verdadeiro jogo de poder onde nada é inegociável. Tudo e todos tem um preço, seja na ficção, seja na realidade, e a humanidade sempre habitou este tabuleiro de valores jamais negado pelos nossos governantes. Parece ser inevitável para nós a busca pela supremacia, e em idos menos autoritários que antes, ou que se tem a ilusão disso, como hoje, a sua conquista através da manipulação e da persuasão ideológica parece ser o caminho mais limpo e garantido de sucesso aos falsos profetas, soltos por ai.
Em Nome de Quem? não possui apenas seu título como indagação, mas expande suas perguntas e respostas mantendo uma postura analítica e prazerosa de leitura, mergulhando com um afinco jornalístico impecável, e com um olhar realmente denunciativo, no potencial que a religião sempre teve de doutrinar uma sociedade – ou pelo menos uma boa parte dela. Dip faz questionar o inquestionável para muitos, e, corajosa, vasculha as estruturas sociais e políticas mais profundas desse país, e que tornam possível a gigantesca e gananciosa escalada de poder evangélico no Brasil do século XXI. O que movimenta uma mentira, e a sua desfaçatez, é a fé cega nela (“Gasta-se muito com a educação nesse país!”, afirmou o Presidente da República afiliado a esse projeto de poder), e o que a ampara é o totalitarismo vendido como salvação.
Tática tão antiga, quanto valiosa. Nesse jogo dos tronos “cristão” brasileiro, faz parte usar da ignorância educacional e cultural do povo para sustentar a criação de uma Frente Parlamentar Evangélica cuja a principal marca é o retrocesso, a intolerância com todos que não são iguais a eles. O ingresso a política seria então a legitimação principal desse desejo por relevância que muitos desses pastores-políticos carregam, cientes das inúmeras técnicas disponíveis para chegarem “lá”. Vale tudo nessa guerra passivo-agressiva pelo controle e relevância nacionais, seja a partir da auto vitimização (“uma cultura perseguida e aflita e que, por isso, alimenta uma postura cada vez mais expansiva e agressiva dos pastores”), ou de mentiras que lobotomizam seus fãs (a demonização da ideologia de gênero, por ex.).
Um livro fácil e injustamente acusado de esquerdista por seus detratores mais fanáticos, cuja intolerância política reflete a desses líderes religiosos que se infiltram na moral civil da maioria, contendo por exemplo uma entrevista esclarecedora de Guilherme Boulos, líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), logo nos seus momentos finais. Com outros inúmeros depoimentos de ícones do jogo político brasileiro, como um todo, Em Nome de Quem? busca criar nossa opinião a respeito de seus temas polêmicos, fornecendo dados alarmantes para o bem-estar das liberdades da sociedade brasileira (ainda não ciente da elaboração de técnicas de manipulação nas quais é submetida), e o indesejado avanço desse país rumo as características de uma nação de primeiro mundo. Eis uma publicação que deve ser reconhecida por seu caráter elucidativo e que resgata, em tempos de jornalismo parcial, o que faz de uma investigação algo digno de atenção.
Compre: Em Nome de Quem? – Andrea Dip.