Enganado foi aquele que acreditou que Homecoming: A Film By Beyoncé, o documentário sobre o show de Beyoncé no Coachella de 2018 que estreou no último dia 17 de abril na Netflix, seria um filme para humanizar a cantora. A humana por trás do ícone. Não é só isso. O longa é escrito, dirigido e produzido por ela e isso deixa muito claro a autoconsciência de sua própria imagem, do legado de décadas. Homecoming, então, acaba sendo sobre a excelência de ser humana e também uma das maiores personalidades do mundo, de como Beyoncé é o resultado da História e abre portas para tantos outros.
O documentário alterna entre dois momentos no tempo, as imagens do show e as imagens do processo do mesmo. A cantora se apresentaria no famoso festival em 2017, mas a gravidez surpresa de gêmeos mudou todos os planos e o espetáculo teve que ser adiado para o ano seguinte. Desde o começo havia uma grande expectativa em relação ao evento, Beyoncé seria a primeira mulher negra a ser headliner do festival, dois anos após ela lançar o já memorável Lemonade, álbum visual em que ela expõe suas aflições sendo uma mulher negra, buscando em suas origens a fonte de sua força.
O show que até a artista subir no palco estava envolto em rumores e surpresas, durou horas e pôde ser assistido ao vivo pela transmissão oficial do festival no YouTube e imediatamente tomou conta da mídia, naquela semana só se falava da experiência completa que foi entregue. Completa mesmo, pois o documentário se aproveita dos respiros entre as performances para mostrar o processo criativo do grande dia, e fica claro a preocupação da cantora em suprir as necessidades de tudo que seria feito naquela noite. Além de ser um show historicamente importantíssimo, ele seria transmitido ao vivo, ele seria filmado para o documentário, ou seja, ele precisava ser cinematográfico, e o som seria utilizado para um álbum ao vivo – esse que foi lançado de surpresa, com 40 faixas, ao mesmo tempo que o documentário saiu na Netflix.
É muita coisa, e ela parece ter pensado em cada detalhe. Se você der play em Homecoming e fechar seus olhos, a experiência será tão boa quanto, até mesmo quando a cantora utiliza de voz over para dar contexto às imagens de bastidores. Mas ao abrir os olhos, percebe-se que Beyoncé e seu co-diretor Ed Burke queriam muito mais do que um show ao vivo, as câmeras são onipresentes no palco, na banda, no elenco de dançarinos, na cantora, na plateia, mas não apenas registrando, mas ajudando a contar uma história. O palco enquadra, a luz compõe, é impressionante como um dos desejos da artista que é revelado durante o documentário funciona, em certo momento ela diz que quer que o público sinta a energia daquele palco, que a câmera capte as bases tremendo, o trabalho duro.
E que trabalho de mestre, todos os artistas escolhidos a dedo pela cantora parecem ter crescido juntos com tamanha entrega e sincronia, é como uma família, e eles acabam sendo o grande triunfo do documentário. O show rodava na internet há um ano, o que o filme traria de novo? É quando percebemos que enquanto faz história, Beyoncé esfrega ela na nossa cara. O termo homecoming em inglês, no caso, significaria a reunião de ex-alunos, o longa utiliza de frases vindas de contextos universitários para exaltar a importância da educação para a população negra dos Estados Unidos, assim como das universidades para essas pessoas. O elenco do show é de jovens que de alguma forma têm um passado com o meio universitário, é a celebração da excelência desses jovens. É Beyoncé mostrando às duas décadas de Coachella que quem perdeu em não dar espaço a essas pessoas foi o festival, pois nada como o Beychella – nome dado ao show – havia sido feito antes, e acho que todo mundo com o mínimo de sensatez deva concordar que será difícil superar.
Em um momento Beyoncé agradece por todas as mulheres que abriram as portas antes dela, logo antes de ver que uma fã da plateia está vestida como ela. O quão importante é existir Beyoncé? Em primeira instância me preocupou que o filme fosse encabeçado apenas por ela e narrado por ela da perspectiva dela, quantas camadas isso poderia proporcionar? Não sejamos ingênuos de acreditar que isso não impede o filme de ir muito além, mas é importante que seja assim. É Beyoncé compreendendo o poder do passado e o poder da educação negra, da arte negra em sua imagem, e controlando isso de sua forma. Ela sabe quem ela é e o que ela representa, que seja ela então quem conta sua história. Existe a cultura pop depois de Lemonade, e existe também a cultura pop depois do Beychella e seu homecoming, assim como foi Pantera Negra. Há um caminho bonito a ser seguido.
Homecoming: A Film By Beyoncé é um documentário limitado e dura mais do que o necessário, mas injeta vida a cada bloco. Ao mesmo tempo que expõe em inúmeros ângulos um dos atos artísticos mais importantes do século, Beyoncé se mostra resultado de muitos, se mostra mãe e esposa, estudante da vida assim como todos nós. Humana também, mas muito além. E mais importante do que isso, Beyoncé deixa claro a vários jovens que portas servem para serem abertas, ou melhor, quebradas com golpe de salto 15.
–
Texto de autoria de Felipe Freitas.