Os Carrascos Também Morrem é um longa-metragem do lendário diretor austro-húngaro Fritz Lang, famoso por conduzir Dr Mabuse, Metropolis e M, Vampiro de Dusseldorf,. Lançado em 1943, a obra fez parte do esforço hollywoodiano anti guerra, ocorrido com o conflito ainda sem resolução. A historia se passa em Praga, atual território tcheco e que na época era da Tchecoslováquia, e seu ponto de partida é a morte de um famoso torturador, Reinhard Heydrich, que era bastante temido pela sociedade, mesmo para os locais tomados pelo exercito nazista, e claro, odiado pela maioria, em um comentário bem pontual e inteligente do roteiro sobre os parâmetro de Maquiavel no livro O Príncipe.
Há dois fatores dignos de nota e que chamam a atenção do espectador. O primeiro, é que após o letreiro que explica toda a situação social e política daquela época, onde se registra claramente o incômodo que são os soviéticos para o exercito de Hitler e seu avanço no combate ao fascismo, e o segundo é a comoção da população com a morte de Heydrich, onde há comemorações bem efusivas, claro, longe dos olhos da autoridades e da Gestapo. É incrível como mesmo não aparecendo em uma cena sequer, se sente a presença do personagem.
Ainda no início da historia se percebe um uso de trilha sonora bem sensacionalista, às vezes até intrusiva, fator que faz manipular um bocado as emoções, o que é natural, dado que é um filme de estética e narrativa de uma Hollywood ainda embrionária, ainda sem o conceito de filmes tão populares quanto os blockbuster e que lançava mão demais de personagens estereotipados e de arquetipos, o que (novamente) não é um problema, pois o caráter do filme é tornar universal e comum a jornada de paranoia do filme. Personagens do triangulo amoroso entre Doutor Franticek Svoboda (Brian Donlevy), Masha Novotny (Anna Lee) e Jan Horak (Dennis O’Keefe) servem para humanizar o povo, em especial os que formam a resistência aos nazistas, bem como o pai de Masha, Professor Stephan Novotny (Walter Brennan) que é um homem da educação e que não à toa, é culpado por um crime conspiratório que não tem absolutamente culpa nenhuma.
A história que Bertold Brecht e Lang escreveram – cuja adaptação para roteiro foi de John Wexley – mostra uma família em frangalhos, graças a mentalidade punidora e castradora da policia nazista. Homens uniformizados, que cumprem ordens e parecem só ter o mal como norte de comportamento impingem ao povo uma sensação de prisão em sua própria pátria. A ocupação, autoritária e ideológica causava temor, mas não matava a vontade de libertação dos residentes do país.
A falta de tridimensionalidade do povo pode ser facilmente explicada pela pressão autoritária dos invasores alemães. Os membros das oligarquias vivem em suspenso, em uma realidade quase alternativa, onde eles estão anestesiados, onde não há direito a ideologia ou a qualquer modo de pensar minimamente diferente da ideia estatal do que é certo, correto ou ordeiro, e isso é muito bem construído tanto nos diálogos e interações dos que investigam o assassinato do início do filme quanto os que querem fugir das acusações, além é claro de aludir a paralelos mais atuais, e bastante incômodos, fazendo obviamente temer pelo pior, em especial no espectador mais progressista, que teme que o levante reacionário hiper autoritário que tomou o mundo na última década faça repetir os momentos de intolerância dos anos quarenta do século XXI.
Há uma única exceção ao engessamento do comportamento humano e a lógica de modo de viver artificial, o astuto e carismático Inspetor Alouis Gruber , de Alexander Granach, um homem que mesmo diante do autoritarismo seus e dos colegas, segue como o mais humano, errático e bon vivant dos personagens, desafiando a lógica que muitos opositores ao Eixo tinham de que os nazistas eram monstros desumanos. É importante demarcar isso, até para que as gerações que não viveram esses dias sangrentos tenham noção de que foram pessoas de verdade que aderiram ao pensamento e comportamento nazista, assim como os apoiadores indiretos da causa, como a pequena burguesia, simbolizada pelo granfino Emil Czaka, executado por sua vez por um Gene Lockhart quase tão inspirado quanto Granach.
Durante as mais de duas horas de filme, há a repetição de um anúncio escrito propagandista curioso, Se serve a Hitler, serve a Alemanha, se serve a Alemanha, serve a Deus, e esse slogan denuncia o aspecto religioso que boa parte dos revisionistas – os mesmos que visam a desinformação do povo através de inverdades de cunho absurdo – acusam a Alemanha hitlerista tinha, e Fritz Lang, como bom “filho de sua pátria” (o cineasta viveu a maior parte da sua vida na Alemanha) torna explicito o quão perigoso pode ser o apelo ao discurso religioso e lugar comum, reafirmando que quando essa fala é dita, na maioria das vezes, se esconde uma armadilha ideológica excludente e que contradiz inclusive esses preceitos religiosos, que a priori, pregam tolerância e amor ao próprio, e não a perseguição a quem discorda da suposta maioria.
Os Carrascos Também Morrem é irônico, lento e muito tenso. A música cantarolada pela resistência, de refrão No Surrender é arrepiante em cada uma de suas performances, mesmo quando tem um cunho didático e teatral, e a abordagem que Lang emprega beira o poético, em especial no final, quando mostra os momentos derradeiros de doutor Novotny. O destino de Szacka também é exemplar, e mesmo em segundo plano, tem um papel fundamental de escrutinar como o apoio burguês/ liberal a regimes fascistas funcionam, dando um ponto final justificado, que incorre claro em um moralismo, mas que funciona narrativamente, tão bem calculado matematicamente dentro do drama, que faz lembrar a mentalidade teatral de William Shakespeare. Há muita coragem no esforço de Lang em realizar um filme como esse nessa época, mas não é surpresa dados os filmes que ele fez dos anos 30 até 43, principalmente por explicitar o fracasso nazista e o assumir das autoridades nesse sentido, claro, acompanhado de No Surrender, nos créditos finais, que demarcam bem a principal das mensagens do filme.