“Fim? Nada chega ao fim, Adrian. Nada.”
Nada é sagrado na cultura pop. Nunca foi, e no século XXI ficou mais longe de ser. Esse é um dos principais motivos para que o roteirista Alan Moore (V de Vingança, Constantine) odeie com tanto fervor essa cultura que ajudou a aprimorar, nos anos 80, com seu trabalho revolucionário em inesquecíveis HQ’s. Contudo uma, em especial, ainda recebe grande atenção: Watchmen, desenhada por Dave Gibbons e considerada um dos melhores títulos literários do último século. Pedir para a DC não garimpar uma obra tão farta de conteúdo como essa, seria o mesmo que mandar um cão se conter e não devorar uma pilha de ossos fresquinhos a um metro de distância. E assim em 2012 foi criada a série Antes de Watchmen, aproveitando a fama do filme de 2009, no mais absoluto respeito e devoção as subtramas que conduziram até a fatídica morte do Comediante, numa noite quente em Nova York.
Nesta edição, conhecemos mais do Dr. Manhattan, indo além de sua nostalgia e seu desprezo pela raça humana – algo equivalente ao nosso desdém por larvas e amebas. Tão poderoso quanto Deus, eis um símbolo que une perfeitamente a ciência e a religião sem conflito algum entre os dois conceitos, tal qual fossem um só regendo o universo que existe, literalmente, na palma da mão azul de Manhattan. Em Antes de Watchmen: Dr. Manhattan, Moore talvez ficaria orgulhoso ao ver seu personagem sendo tratado com tanto interesse e especulação por J. Michael Straczynski, que discute conceitos de física quântica para abrir potenciais realidades a história do personagem. Em dado momento, Manhattan percebe que se pode ver o futuro, também pode percorrer o passado e criar uma nova dimensão. Uma em que seu Eu humano ainda existe, se casou, e seus amigos “super-heróis” ainda não entraram na sua vida. Manhattan finalmente aprenderia a controlar o destino, como um relojoeiro, de fato.
E se nunca tivéssemos aceito aquele emprego, ou aquele encontro? E se nunca tivéssemos feito a coisa certa? O Watchmen original já havia discutido isso, algo replicado agora sem a mesma força de antes. Aqui, o gosto de super exploração do material original é tão latente, quanto o forte brilho azulado do Deus que não usa cueca (afinal, ele não se importa com mais nada desde que deixou sua mortalidade para trás). Antes de Watchmen é uma daquelas séries que, por melhor que seja as intenções dos criadores, sempre dá a impressão de oportunista, de sanguessuga do que sobrou de uma obra-prima – como se fizessem um documentário sobre os rascunhos da Monalisa, ou uma série de um personagem secundário de Hamlet, de Shakespeare. Straczynski e Adam Hughes surfam nos eventos que serviram de base para Watchmen, a melhor história em quadrinhos já produzida, e reviraram eventos e detalhes com fome jornalística, e certa criatividade a injetar um novo frescor a trama focada no poderoso Manhattan, e sua eterna melancolia. Talvez se fossemos onipotentes, seriamos assim também.
Antes de Watchmen: Dr. Manhattan nunca quis ser nada além disso, mas uma homenagem válida ao imbatível, ao pináculo das narrativas da nona-arte que revolucionou o modo que encaramos os gibis, antes tidos como um mero e colorido escapismo infantil, nada mais que isso. Ao seguir (muito) de perto os passos memoráveis de Moore e Gibbons, e acrescentar a uma história já repleta de camadas e subtramas algumas novas características, como a infância de Jon Osterman e o diálogo utópico dele com Ozzymandias, a conversa que iria mudar o mundo para sempre, os novos talentos a cargo dessa história clássica da DC farejam o que ainda não tinha sido explorado nesse universo desencantado e inteligente de heróis e anti-heróis, onde o bem e o mal são uma coisa só, e sem jamais tentar superar a genialidade do que veio antes. Eles entenderam que se colocar sob o ombro de gigantes, as vezes, pode ser a melhor coisa. Sorte nossa. Nada é sagrado na cultura pop.
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