“Mas a gente tem que sair de uma prisão de cada vez.”
Quando a busca pelos pais torna-se uma odisseia rumo ao absoluto desconhecido, tudo é possível aos olhos de uma jovem garota que só quer ter seu pai e sua mãe de volta. Após perdê-los ao caçar uma borboleta em uma densa floresta, a baixinha Raven descobre com toda a sua esperteza (e inconsequência), mesmo sem saber, que vive o privilégio da infância de poder caminhar em um mundo colorido, cheio de surpresas divertidas e amigos inesperados para lhe ajudarem a solucionar todos os enigmas da vida adulta. Uma “adultecência” esta que, para ela, nem é tão complexa assim, pelo contrário: para Raven, quanto mais desafios ela desvenda pelo caminho até seus pais, mais vale a pena encarar as surpresas (e as reflexões) da grande aventura, a frente.
Logo no começo, entramos todos com Raven numa caverna escura onde reside um perigo mortal, um urso! Dimas é o elemento surpreendente que a protege, em toda a sua imaturidade infantil, de frutas venenosas, a esquenta para dormir, e nunca desiste de sua nova amiga – mesmo nos momentos mais frustrantes da jornada. Sua amizade se reforça a medida que mais problemas aparecem, e a zona de conforto de Dimas fica cada vez mais para trás. Dimas fica sendo o Totoro de Raven, a criatura fiel que torna-se o contraponto da perspectiva da menina: enquanto para ela tudo é um parque de diversão (também graças a sua inteligência relâmpago), o urso vê as regras do mundo adulto sob uma palavra, apenas: ridículo! Também por isso, Bear é um convite a uma visão mais graciosa das regras que regem nossa realidade, cheia de senhas, armadilhas, falsos amigos e responsabilidades que nos distanciam da nossa essência, aquela que traímos com o passar dos anos.
Ao procurarem por um oráculo para eles lhes dizer aonde estão os pais de Raven (é curioso notar como Dimas nunca a culpa por se perder da família, mas ajuda a garota sem nunca julgá-la por ser erro, talvez por perceber a inocência por trás do equívoco), o profeta se revela apenas um jovem fanático por Harry Potter, sendo misteriosamente capturado por dois homens desenhados em preto-e-branco, e num traço bem diferente da identidade visual da graphic novel, por serem o rigor encarnado do tempo, e a frieza do dinheiro. No reino dos homens engravatados, há espaço de sobra para a corrupção, e falta para o sonho. Raven não entende isso, é claro. Dimas enxerga tudo, mas não ousa explicar nada. Mas o que representam um urso e uma garota a vagar, por ai, juntos como pão e manteiga, ou dois típicos irmãos que a vida trata de juntar?
Para a autora Bianca Pinheiro, essa amizade à prova de tudo é o que a vida tem de melhor, afinal, são os nossos laços que nos tornam o que são, nos salvando, nos inspirando muitas vezes a ver com o coração em tempos que precisam tanto disso, e nos empolgando a nunca desistir de encontrar o que precisamos: uma família, uma verdade, um sonho, um afago. O primeiro volume da saga Bear, da editora Nemo, vem com uma parte gráfica caprichada aprimorando, com sua impecável qualidade estética e páginas de tamanho grande, a experiência de nos envolver com gosto nos rumos dessa aventura repleta de coadjuvantes inesquecíveis, como um Rei obsessivo por charadas em um mundo já complexo, o bastante. Sempre há pessoas para dificultarem as coisas. Como diria Dimas: ridículo. Bear conta com uma trama encantadora e muito mais significativa do que aparenta, sendo assim uma belíssima obra para toda a família. Em especial, claro, aos mais jovens que sempre veem além dos mais velhos.
Compre: Bear – Volume 1.