O início de Godzilla vs Kong é bem pensado, mostra a rotina tranquila de Kong despertando na Ilha da Caveira, agindo como um homem que se prepara para um dia de trabalho. Os cinco primeiros minutos servem de prólogo, para o inevitável choque entre os dois monstros de mais de 100 metros de altura, e estabelece a obviedade do quão fútil é o esforço dos homens em tentar controlar os desejos de ambos.
O roteiro até tenta dar alguma importância a narrativa dos humanos e o consequente bla bla bla oriundo disso. A Monarch, empresa que foi mostrada principalmente em Godzilla II: Rei dos Monstros retorna aqui, segue agindo para tentar manter os dois titãs distantes um do outro, mas o foco do filme claramente não é mostrar os homens tentando reassumir o topo da cadeia alimentar. O diretor Adam Wingard é bastante feliz em demonstrar que o importante é o embate entre os monstros cujo choque pode acabar com o mundo como conhecemos.
Visualmente o filme é impecável, Wingard segue na mesma pegada que Michael Dougherty fez em Godzilla 2, além disso, faz referências aos outros dois “filmes de origem”, usando bem as cores como foi em Kong: A Ilha da Caveira, e as super escalas que Gareth Edwards exerceu em Godzilla, para dar mais volume e poder as imponentes figuras que protagonizam seu filme. Em tempos onde a Liga da Justiça de Zack Snyder é extremamente popular mesmo com CGI tosco, esse crossover se apresenta como um autêntico blockbuster, sem receio de parecer um filme caro. É de se lamentar que todos os esforços visuais não possam ser apreciados em uma tela grande de cinema, pois essa era uma obra para apreciar em tela IMAX uma vez que todos os seus aspectos visuais são colossais.
A trama humana mais uma vez é desencontrada, com um dos poucos momentos inteligentes recaindo sobre a irônica valorização de teorias da conspiração. Em tempos de pandemia, é válido levantar essa questão, mesmo que boa parte da desconfiança e apreço por mentiras recaia sobre os mocinhos do filme, que por sua vez, são bastante esquecíveis mesmo com muito tempo de tela.
Wingard é melhor sucedido que Dougherty em fazer um filme onde só ação importa. As batalhas compensam demais a falta de substância narrativa, até por serem versáteis: há combate na água com cenários cristalinos, há lutas em lugares hiper coloridos e com criaturas de design diferenciado. Simplesmente um deleite para qualquer fã de filmes de alienígenas ou fitas antigas de ficção científica, que veem os clichês típicos dessas obras, mas com um apuro visual exorbitante.
A partir daqui o texto terá spoilers
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A parte mais complicada do roteiro mora na origem do Mechagodzilla e em como ele perde o controle. Muitos memes e piadas ocorreram na internet antes da estreia do filme, alguns tomando cenas do antigo King Kong vs Godzilla, brincando com Batman vs Superman e com os problemas envolvendo as coincidências dos personagens sobretudo no arco de Martha. O roteiro pega emprestado outro trecho de BvS, a gênese do Apocalipse que mata o Superman é semelhante demais ao modo como o monstro cibernético surge, inclusive no modo como ele foge de controle de seu criador. A diferença a favor dessa produção é que, ao menos nesse trecho, o filme não se leva a sério ao contrário da obra da DC Comics.
Mechagoodzilla traz mais temperos ao épico choque de titãs. O embate final se aproxima de meia hora de duração com poucas interrupções do confronto. A ideia de Wingard é mostrar que os humanos são pequenos diante desses predadores, que a natureza é soberana no planeta e encontra seus meios para reduzir o ser humano a um papel de humilhação que lhe é devido, para além de qualquer plano megalomaníaco de vilão de gibi antigo.
Godzilla vs Kong captura bem a aura do massa véio. É um filme de ação sem vergonha de sua identidade, que não tem grandes preocupações dramáticas e que erra justamente ao interromper as batalhas de kaijus para mostrar a interferência dos homens nos duelos. Produções norte-americanas normalmente pasteurizam a ideia dos filmes japoneses, e esse claramente é uma exceção, uma obra mais madura e melhor pensada que o Godzilla de Roland Emmerich obviamente. Um filme direto, sem firulas, com uma metragem que trabalha bem sua ação.