“Olha como eles veneram a natureza, quem faria isso em Nova York?”
Primeiro que O Tigre Branco não foi indicado ao Oscar (e entrou no mapa), à toa. O primeiro mundo só finge olhar pro terceiro, quando seus filmes vêm embalados por uma ótima parte técnica, como foi o caso de Cidade de Deus ou Timbuktu, ou ainda, quando um cineasta deles (Danny Boyle) lança o seu olhar não imperialista aos subdesenvolvidos – Quem Quer Ser um Milionário?. Tendo várias semelhanças estéticas e narrativas ao sucesso de 2008 (8 Oscars, na época), O Tigre Branco é o produto perfeito da Netflix para o selo “reconhecemos sua existência, podem se sentar à mesa” que o Oscar vem tentando imprimir, na última década. De ótimas intenções vale a festa, e de fato, eis uma grande oportunidade para o filme de Ramin Bahrani ser valorizado e discutido também pelo que é: uma fábula americanizada do capitalismo em plena Índia, tão desigual quanto o Brasil, aos olhos do jovem e promissor Balram.
Balram aprendeu, desde pequeno na escola, e no “hospital” ao lado do pai, o fedor da miséria. Das promessas eleitorais vazias, a dor da fome. O sofrimento e a limitação, para o bem e para o mal, fez Balram buscar o dinheiro com uma ambição vingativa à pobreza que nasceu, e claro, ver sempre nos Estados Unidos um exemplo brilhante de país – Eldorado dos lobos. Assim, enquanto Jordan Belfort venderia até a mãe para conseguir uma promoção em Wall Street, Balram possuía valores familiares que o dinheiro não conseguiu comprar, pelo menos não tão fácil, assim. Ainda que benevolente e humilde, aos poucos Balram troca de time na luta de classes ao virar o motorista de um magnata indiano. Ao invés de focar nos excessos e no estudo da ganância, toda a irreverência e a comédia de O Tigre Branco convivem em perfeito equilíbrio junto ao drama de um alpinista social, tentando subir sem sujar suas mãos.
Mas é claro que Balram falha, nisso. Se até metade da história, temos uma fábula de possibilidades, o crime e a ganância pós-ambição geram um conto de impossibilidades. Isso porque, num comentário crítico a respeito da globalização muito bem adaptada do livro homônimo, de 2008, é impossível para o capitalismo predatório não corromper o sagrado. Se antes Balram venerava as árvores da Índia, o tempo descalço com sua família, e os deuses de sua cultura, agora um iPhone vale muito mais que tudo isso. Como cantou Beth Carvalho e Nelson Sargento, “mudaram toda a sua estrutura, te impuseram outra cultura, e você nem percebeu”. Balram percebeu sim, mas seu medo da miséria foi mais forte. O Tigre Branco acerta em não torná-lo uma vítima do seu meio-ambiente, mas sim em um lutador, um sonhador, que faz o necessário para vencer na vida, e sangrar para sobreviver entre os lobos corruptos. Ele quer ser um deles…
Há um motivo para os inocentes serem assim, inocentes, protegidos do poder que atrai os piores e destrói os melhores pelo egoísmo, pelo viés das exclusões. Sem trilhar o caminho do vitimismo ou da rebeldia dos oprimidos, o cineasta Ramin Bahrani retrata a ironia do destino ao explorar com naturalidade e precisão um Ícaro indiano, que apostou tudo em seu voo, mas que ao tocar no Sol, enxerga o perigo dos apoios que escolheu até lá – chegando talvez num ponto de “tudo ou nada”. Difícil mesmo é imaginar outro ator senão Adarsh Gourav como Balram, à vontade no papel de quem tem todos os sonhos do mundo, e é atormentado por eles mesmos, descobrindo antes dos 30 que nem o dinheiro, nem a América, fazem da vida uma experiência justa. Um legítimo conto do terceiro mundo, cuja sinceridade sobre o custo (não apenas financeiro) da liberdade do cidadão comum, faz com que os do primeiro também consigam admirá-lo, graças a seu forte apelo emocional, e sem fronteiras.