Gosick me foi vendido como um anime totalmente diferente dos shonen comuns. Lembro como se fosse hoje, as letras do título do post de algum blogzinho sobre animes diziam, em CAPS: “GOSICK: DEATH NOTE DE CALCINHA!!”. Na época, não me lembro de ter lido todo o post, mas como gostei muito de Death Note, esse título marcou minha memória.
Mas o que eu gosto de Death Note tanto assim que faria ver novamente em Gosick? Essa pergunta é muito fácil: Gosto da relação entre o criminoso e seu perseguidor, gosto de nunca saber quando os perigos enfrentados pelo personagem central fazem ou não parte do plano, gosto de como ele aposta em sua inteligência e arrisca sem medo de perder tudo que conquistou. Isso me surpreendeu em Death Note, e era justamente isso que eu esperava ver em Gosick. Não esperava violência e nem sangue, lutas violentas ou perseguições frenéticas como em Death Note, afinal o anime não era direcionado a mim, não era sua obrigação me agradar neste ponto. Impressionante como a linha título de um blog que eu nem me lembro mais o endereço me arrastou para dentro de Gosick, vendeu-me o anime tão bem que o começo arrastado do anime não me fez desistir. Vale dizer, ainda, que sou um fã de animação japonesa e assisto tudo até o final, independente de ser bom ou não. No caso de Gosick, fui adiante mais interessado do que decepcionado com o ritmo do desenho, esperando o momento “puta que pariu, velho, por essa eu não esperava!!”. Acho que estou me adiantando sobre as impressões do desenho, então vamos fazer uma pequena pausa para que eu possa contar o que anime tem a oferecer.
A trama de Gosick foca seus acontecimentos em torno de um jovem japonês chamado Kujou Kazuya. Kujou é o terceiro filho de um oficial do exército japonês e o anime começa com sua chegada ao reino fictício de Saubure (um pequeno país no centro da Europa) para realizar intercâmbio na famosa Academia Santa Margarida. A academia reúne muito alunos de diferentes lugares e possui uma forte ligação com histórias folclóricas (que fazem muitas referências ao folclore japonês). Uma dessas histórias conta que o visitante que chega à academia durante a primavera traz, consigo, a morte e a destruição. Por ter chegado à Saubure justamente no início da primavera, Kujou passa a ser conhecido como “Shinigami Negro” e é evitado por quase todos os alunos da escola. Em uma de suas caminhadas solitárias pelo terreno da academia, Kujou encontra uma jovem garota loira de cabelos muito compridos. Esta jovem garotinha chama-se Victorique e, não se sabe por que, é evitadas por todas as pessoas da cidade. Para boa parte dos alunos e funcionários da escola, Victorique sequer existia, sendo tomadas por todos como a “fada dourada da biblioteca” (mesmo nome de um personagem em um dos muitos contos que fazem parte do cotidiano dos habitantes da Saubure). Durante boa parte de sua vida, Victorique ficou restrita ao ambiente da biblioteca da academia, por este motivo possui um vasto conhecimento e consegue as respostas para praticamente qualquer desafio que lhe propõem. Seu humor é sempre ácido e ela não se relaciona muito bem com outros humanos, evitando-os a todo o custo e afastando praticamente todos o que tentam se aproximar dela. Por ser muito inteligente e adorar desafios, A Fada Dourada trabalha prestando consultoria ao detetive de polícia Grevil de Blois. Com a chegada de Kujou, estranhos assassinatos e outros crimes começam a acontecer nos arredores de Santa Margarida e o detetive precisa constantemente driblar o mau humor da loirinha para fazê-la ajudar nos casos, enquanto os três (Kujou, Grevil e Victorique) procuram estabelecer uma relação entre os crimes e desvendar o mistério por trás dos acontecimentos misteriosos que arrastam o país para uma iminente guerra.
A animação da série de mangás criada por Kazuki Sakuraba (Gosick foi o segundo trabalho da autora e o único que fez mais sucesso) ficou a cargo de Nanba Hitoshi (diretor de um OVA de Hajime no Ippo e algumas outras obras bem menores) e do estúdio Bones (Full Metal Alchemist, Soul Eater). O traço aproveitado do original ficou excelente, a coloração é muito bem feita. Victorique tem traços extremamente infantis e, por vezes, passa-se até mesmo por uma boneca, e neste ponto o estúdio acertou bastante no desenho. A animação é bem feita, visto que o roteiro não apresentava grandes dificuldades para ser adaptado. Ainda sobre o roteiro, devo dizer que não me agradou tanto quanto eu esperava, mas tem os seus momentos inteligentes. A comparação com Death Note é injusta e não deveria ter sido feita. Gosick possui um andamento infinitamente mais lento (com exceção de um ou outro episódio que tem uma cena acelerada) e as sacadas de Victorique saem muito mais de uma cartola mágica do que dedução lógica. Durante todo o anime, a loirinha tenta desmistificar o pensamento dos envolvidos nos casos, que tendem sempre a dizer que o que aconteceu foi alguma maldição ou magia. De fato, a única magia do anime está na linha de dedução impossível que Victorique traça em todos os casos. Durante todo o anime, ainda, você observa a Fada e o Shinigami enfrentando casos aleatórios, mas continua assistindo com a esperança de que, ao final dos 24 episódios, todos os crimes vão se cruzar em uma trama maior de algum supervilão, e isso não acontece como você espera. De fato, a única dúvida que anime deixa durante alguns episódios é se Victorique existe no mundo real ou é um produto da mente de Kujou. Neste e em alguns outros pequenos pontos da trama, Gosick consegue exalar um ar “Sherlockeano” e isto é o segundo melhor ponto a se destacar.
Gosick, ao contrário de Death Note, não é sobre os crimes ou sobre a caça aos criminosos. Ao final do desenho, fica muito claro que a animação fala sobre a interação de dois personagens. O temperamento forte e ácido que Victorique ostenta durante os primeiro episódios do anime vai sendo quebrado pela insistência de Kujou em protegê-la e ajudar nos casos. Como era de se esperar em um anime para menininhas, Gosick fala sobre o casal principal, e sua transformação de dois desconhecidos que convivem apenas para se alfinetarem em um casal que não admite sua relação mas que está profundamente ligado. Provavelmente, se tivessem feito a comparação de Victorique com o doutor Gregory House ao invés de confrontá-la com o personagem L de Death Note, teriam conseguido um resultado mais correto: Victorique é genial e tem conhecimento de sua genialidade. Durante inúmeras situações no desenho, assim como o personagem vivido por Hugh Laurie, a loira se irrita com a ignorância daqueles que estão ao seu redor. Seus sentimentos por Kujou e por Grevil ficam sempre atrás de uma parede espessa feita de ironia, sarcasmo e irritação, tal qual o médico que dá nome à série.
Se, na época, o título daquele post naquele blog fosse “Gosick: as Aventuras da Dra. House!” eu não criaria expectativas de ver mais um Death Note. Criar expectativas quando se vai começar a ver alguma série geralmente traz problemas para a avaliação ao final mas, neste caso, a comparação com a série da Fox apenas o prepara para o que virá na tela: Um anime que trabalha ao redor um tema (crimes e puzzles em Gosick, doenças em House M.D.) mas que se propõe a mostrar a relação entre personagens e como uma pessoa pode mudar seu comportamento, dependendo de como for tratada pelos que a cercam. Um ótimo anime sobre pessoas, um mediano drama policial.
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