Ao lado de André Vianco e Eduardo Spohr, Raphael Draccon completa a tríade de autores brasileiros de ficção especulativa mais bem-sucedidos dos últimos tempos. Enquanto o primeiro ficou notório pela auto-publicação de Os Sete, vendendo-o diretamente às livrarias no ano de 2000, e o segundo utilizando as redes sociais e a força do podcast do Jovem Nerd, Raphael aqui utilizou-se do caminho convencional, sendo publicado inicialmente por uma grande editora como a Planeta e posteriormente pela gigante portuguesa Leya, a mesma casa do adorado George Martin aqui no Brasil com o seu Guerra dos Tronos.
Curta sinopse: Nova Éter é um mundo protegido por avatares do semi-deus Criador em forma de fadas. Neste mundo ocorreu um dos mais importantes episódios do passado, conhecido como a “Caçada”, quando caçaram as bruxas liderados por Primo Branford – que acabou se tornando rei, o maior deles. Por 20 anos reina a paz, até que situações esquisitas começam a acontecer: a avó de uma menina é devorada por um lobo em uma floresta, e dois irmãos são atacados por uma bruxa enquanto estavam em uma casa que parecia ser de doces.
Familiarizados com alguma coisa? Pois é. A utilização dos personagens e situações dos contos de fadas clássicos é ao mesm0 tempo o maior mérito e o maior problema do livro, não em relação ao enredo ou aos personagens, mas sim em propor uma releitura diferente de todas já feitas, criando assim os seus próprios cânones. Neste primeiro livro da trilogia, Raphael se utiliza de alguns personagens clássicos que, misturados à trama política criada, deixam a narrativa livre para fazer o que deseja. Quem é fã da visão infantil dos contos de fadas, por exemplo, deverá achar estranho Chapeuzinho Vermelho, João e Maria falando gírias dos adolescentes contemporâneos ou se envolvendo em outras situações esquisitas.
Outra grande contribuição é o narrador do livro, que volta e meia conversa com o leitor, comentando várias partes da história. Por exemplo, na página 296: “Estava na hora de todas voltarem para casa, ainda mais porque em breve iria soar o toque de recolher, e isso era motivo suficiente para se dirigirem o mais rápido possível para seus lares. Certo, você e eu sabemos que o toque de recolher havia sido antecipado, mas elas não conseguiriam ouvi-lo de onde estavam“.
Em outras partes ele até chega a cortar a trama de forma brusca, mas não menos interessante, como na página 113: “Viajaremos agora. Também iremos mexer no tempo e no espaço, pois, se narramos uma história em um local etéreo que só existe porque semideuses pensam nele, também o fazemos no passado, em eventos de sagas que já aconteceram até o momento. […] Confie em mim, vamos, venha. E um, e dois. E três.”
No entanto, o narrador chega também a antecipar perigos de forma desnecessária, acabando com uma possível revelação surpreendente – por exemplo, na página 332: “Estava muito longe do Rei que imaginava se tornar, mas, sem saber, seu sofrimento estava purificando-o do Rei que deveria um dia ser. E que estivesse errado sobre aquela maldita sensação a lhe dizer que esse dia não parecia tardar a chegar.”
Por outro lado, Raphael consegue comentar brilhantemente algumas das situações, como na página 309, após mãe e filha serem abordadas por dois soldados no meio da floresta: “E os soldados se olharam e pareceram concordar em silêncio. Ariane ainda não havia entendido o que estava para acontecer a ela e a mãe. Era pura e inocente demais para isso ainda.“
Outro fato a ser comentado é o ritmo da narrativa. Às vezes ganha-se um fôlego enorme em algumas partes, como no ato 3, tornando-a eletrizante até o final do livro e fazendo o leitor querer ler o resto da trilogia logo; mas em outras engessa, podendo fazer perder boa parte do interesse do público, como no final do ato 1 e inicio do ato 2.
Por último, o clima juvenil na maior parte do livro pode incomodar certos leitores mais velhos, mas deve agradar aos mais jovens. Alguns dos diálogos chegam a ser bobos em certas partes, além da descrição das cenas. No entanto, a seriedade em ambos os casos também acontece, mais para o fim do livro, chegando perto do ato 3.
Ponto para a Editora Leya por simplesmente dar uma chance ao autor nacional de fantasia, tornando o box Dragões de Éter um dos mais desejados no Submarino, e que já vendeu mais de 100 mil cópias.
Vale a leitura? Sim, se você quiser conhecer os autores nacionais de fantasia mais vendidos. Ainda mais agora que Draccon se tornou editor da Fantasy – Casa da Palavra, selo da Editora Leya específico para literatura especulativa.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.