As andanças pelos Estados Unidos que culminaram na morte do jovem aventureiro Christopher Johnson McCandless no Alaska, despertou de forma enigmática o interesse de muitas pessoas, entre elas o jornalista Jon Krakauer e o cineasta Sean Penn, instigados pelas circunstâncias envolvidas na tragédia.
O primeiro foi responsável pelo livro de não ficção Na Natureza Selvagem, publicado em 1996, e o segundo pelo filme ficcional de mesmo nome lançado em 2007 (leia nossa crítica aqui e ouça o podcast que eu participei e editei para o CineMasmorra aqui). Ambos tiveram sucesso nos meios literário e cinematográfico, e hoje em dia é difícil dissociar as duas obras, que acabaram se completando.
Sinopse: um corpo em decomposição foi encontrado dentro de um ônibus por caçadores de alces em uma região selvagem do Alaska, e descobriu-se pertencer a um rapaz rico, bom aluno e excelente atleta. Jon Krakauer refez a trajetória do jovem e conversou com pessoas diversas ligadas direta ou indiretamente a ele, além de apresentar outros casos similares de aventureiros com o mesmo fim e relatar suas experiências como alpinista em situações extremas.
Krakauer, fascinado pela tragédia de Christopher, conseguiu transformar um artigo da revista Outside que cobriu o caso, na época feita a pedido de seu editor como dito logo no começo do livro, em um relato muito mais completo e esmiuçado de sua aventura. E é essa a impressão que se tem ao se ler o livro, “Na Natureza Selvagem” (Companhia das Letras, 213 páginas, tradução Pedro Maia Soares, 1ª edição 1998), soa como uma grande reportagem.
O autor visitou durante um ano os principais lugares que McCandless percorreu, pesquisou sobre a geografia, biologia e botânica do Alaska, teve acesso ao seu diário, a muitas das cartas que o jovem enviou e conversou com muitas pessoas. Professores com doutorado, caçadores de alce, alasquianos aventureiros, autoridades policiais, parentes distantes de outras vítimas, além dos familiares e amigos de Christopher foram alguns dos objetos de entrevistas usados para se tentar compreender os motivos, até hoje não claros, que levaram o jovem a abandonar uma vida promissora em um lar rico e virar um vagabundo caroneiro que passou a viajar o país até o Alaska.
Algumas das perguntas feitas por Krakauer ao longo da narrativa eram respondidas por pesquisas feitas pelo mesmo, como a revelação de quem pertencia o corpo, a causa da morte, a possibilidade de sobrevivência naquela região do Alaska, e o mais importante: como uma parte de sua personalidade moldou-se através de seus ídolos literários Tolstói e Thoreau e o motivo que levou Christopher a se isolar da família. Uma curiosidade, revela-se muito da semelhança entre ele e o seu avô materno (p. 118 e 119).
A narrativa não é linear, varia entre a descoberta do corpo de Chris e as suas andanças, com o restante. Os nomes dos capítulos remetem a lugares, sejam ligados a trajetória do jovem, onde ocorreram conversas com amigos e familiares, as outras tragédias citadas, assim como a aventura do autor como alpinista. Sempre abaixo de cada título há passagens grifadas por McCandless dos livros que leu ou trechos de outras obras destacadas pelo autor, até mesmo as cartas que Chris enviou para pessoas diversas, que ilustram o que será abordado.
“Na Natureza Selvagem” ganha muita força nos capítulos 8 e 9, quando apresenta a narrativa de outros aventureiros românticos e idealistas que tiveram fins trágicos, como Gene Rosselini, John Mallon Waterman, Carl McCunn e Everett Ruess. Nos capítulos 14 e 15, o relato pessoal de Jon Krakauer quando escalou com sucesso o Polegar do Diabo (Devil’s Thumb ou Daalkunaxhkhu no dialeto Tlingit como mostra este blog) no final dos anos 70, serve para apresentar ao leitor a sobrevivência em uma situação extrema, mostrando como é fácil nestes casos o pré-julgamento feito por pessoas pouco informadas e a difícil tarefa de se tentar compreender a mente de uma pessoa nestas condições.
Alguns leitores podem se incomodar com algumas partes onde se perde o cunho impessoal jornalístico e se transforma em comentários com livre interpretação de Krakauer. Apesar de marcante, eis um exemplo:
“A 14 de março, Franz deixou McCandless no acostamento da Interestadual 70, perto de Grand Junction, e voltou para o sul da Califórnia. McCandless estava entusiasmado por estar a caminho do Norte e aliviado também – aliviado por ter novamente escapado da ameaça iminente de intimidade humana, de amizade, e toda a complicada carga emocional que vem com isso. Ele fugira dos limites claustrofóbicos de sua família. Tivera sucesso em manter Jan Burres e Wayne Westerberg a certa distância, afastando-se de suas vidas antes que esperassem alguma coisa dele. E agora escapulira também sem dor da vida de Ron Franz” (p. 66).
Outro incômodo é a falta de imagens. Apesar de alguns mapas serem apresentados, o livro enriqueceria se fotografias de Christopher, sua família, os personagens que encontrou no caminho, além de alguns locais que ele visitou fossem mostrados.
Embora Jon Krakauer tenha sido um dos consultores do filme de Sean Penn, existem semelhanças e direrenças entre as duas obras. Certos depoimentos viraram cenas, como sua mãe Billie falando que sempre que viam algum caroneiro parecido com Chris, davam meia volta para olhar de novo e terem a certeza de que não era ele (p. 135), além dos personagens secundários que realmente marcaram a trajetória de McCandless, como Wayne Westerberg, Rayne e Jan Burres, a menina Tracy e Ron Franz.
No entanto, Christopher remou com uma canoa pelo rio Colorado sem problemas (p. 43), aceitou uma carona de Ron para San Diego (p. 64) e depois voltou para Cártago e ficou novamente com Wayne após abandonar o idoso (p. 67). Outras dramatizações não existem no livro, como a cena forte em que os pais de Chris brigam na frente dos filhos ou o problema vivido pelo casal hippie.
Uma das partes mais tocantes do livro é relatada por Carine McCandless após retornar com as cinzas do irmão do Alaska:
“Durante o vôo, Carine comeu, até a última migalha, tudo o que as aeromoças colocaram na frente dela, ‘embora fosse aquela coisa horrível que eles servem nos aviões. Eu não podia suportar a ideia de jogar comida fora desde que Chris morrera de inanição’” (p. 140).
“Na Natureza Selvagem” vale a pena? Se você for fã do filme, da trilha sonora composta pelo vocalista do Pearl Jam, Eddie Vedder, que ajuda a narrar a obra cinematográfica, é mais do que obrigatório a leitura e posterior consulta. Como disse antes, as obras junto da trilha sonora acabam se completando.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.
Acho interessante como o livro casou bem com o filme, de alguma forma toda a atmosfera do livro foi passada para as telas por Sean Pean e intensificada pela trilha de Eddie Vedder. Livro e filme obrigatórios! Tem um texto que li que complementa esse, que é bem bacana http://cabinecultural.com/2012/06/04/na-natureza-selvagem/