“Melhor morrer pela espada do que pelo chicote de um mestre” – Spartacus.
No fim das contas, sempre se tratou disso, por mais triste que seja. Não existem spoilers quando se trata da História, então já sabíamos como acabaria a saga do gladiador que liderou uma revolta contra a poderosa República de Roma. A graça sem dúvida estava na viagem, não no destino. E, após três temporadas e meia, a jornada chegou ao fim. Spartacus – War of the Damned concluiu em grande estilo a produção do canal Starz iniciada em 2010.
O anúncio de que esta terceira temporada seria a última veio logo após o final da segunda. Assim, ao longo dos dez episódios finais, a sensação foi bem diferente em relação ao ano anterior, que teve alguns momentos de enrolação. Desta vez pareceu que estavam indo rápido demais, que alguns pontos poderiam ser melhor explorados, talvez prolongando a série por pelo menos mais uma temporada. Simples desejo de fã, talvez. Mas é fato que coisas como a liderança de Spartacus sobre um povo, não apenas um bando de guerreiros, ou até o personagem Caesar, tinham potencial pra render muito mais.
A trama começou meses após a morte de Claudius Glaber. Conforme a fama de Spartacus cresce, mais e mais escravos fogem para se juntar aos rebeldes, que já somam mais de 30 mil pessoas. O fato de muitos serem mulheres e crianças torna cada vez mais difícil se mover com rapidez, conseguir abrigo e alimento. Pra não citar o fato de que “alimentar bocas que não são capazes de lutar” é apenas um dos fatores a gerar conflitos entre as lideranças do grupo. Em Roma, Spartacus já é visto como a uma ameaça séria, não apenas um incômodo. Após várias milícias serem derrotadas, o senado designa o poderoso, mas pouco amado, Marcus Crassus, o “homem mais rico da República”, para acabar com a rebelião. Ao seu lado, um jovem de família nobre e que já conta com grande reputação como guerreiro: Julius Caesar.
A exemplo do que foi feito em Vengeance, tivemos de novo uma temporada dividida em dois momentos, com uma espécie de mid-season finale no quinto episódio. A primeira metade dedicou-se a apresentar os antagonistas romanos da vez, além de mostrar os rebeldes tentando se estabelecer em uma cidade, entre desavenças administrativas e dilemas morais sobre como tratar os cidadãos aprisionados. Já do meio para o fim, intensificou-se o duelo estratégico entre Spartacus e Crassus, com os ex-escravos gradativamente tomando consciência do inevitável, e buscando uma redefinição de “vitória” para fazer tudo aquilo valer a pena (e dar alguma consolação ao espectador).
Nesse aspecto, todos os méritos do mundo para Liam McIntyre. Desta vez ele se mostrou perfeitamente seguro no papel de Spartacus, dominou todas as cenas e tornou muito mais crível a faceta de grande líder que se iniciou na temporada passada. O herói se deparou com as dificuldades internas de um governo, muitas vezes mais traiçoeiras que uma guerra. E, desde o início e cada vez mais, foi ponderado ao priorizar a segurança de seu povo ao invés de se atirar cegamente às batalhas. Isso o colocou em rota de colisão com Crixus. O Gaulês Invicto oscilou entre irmão e rival ferrenho de Spartacus, meio que numa homenagem à trajetória dele ao longo de toda a saga. Personagem mais presente na série (mais até que o protagonista, se contarmos o prequel), Crixus representou muito bem até o fim o espírito de um verdadeiro gladiador. Sempre ao lado dele, Naevia parou de chorar o tempo todo e teve uma atuação um pouco melhor, consolidada como guerreira.
Ainda entre os rebeldes, Agron e Nasir foram os mais fiéis tenentes de Spartacus. Pena que, além disso, o arco dos dois concentrou-se num tedioso triângulo amoroso. Finalmente, Gannicus, o Senhor Fodão. No início, ele continuava lutando por lutar, em memória de Oenomaus e recusando-se a assumir uma responsabilidade maior. Sua descoberta do amor verdadeiro foi o caminho pra sua aceitação plena dos ideais de Spartacus. Entretanto, faltou um grande momento para ele na temporada. Em meio aos demais personagens e eventos, sua participação ficou um tanto apagada. O Deus da Arena certamente merecia mais.
No núcleo romano, a primeira coisa a se destacar é que Ilithyia e Lucretia fizeram falta. A série perdeu tanto em tramoias e conspirações quanto em personagens femininas marcantes (Laeta quase chegou lá). Por outro lado, Crassus foi um ótimo inimigo: já em sua apresentação mostrou que Spartacus não teria vida fácil. Treinando com um famoso ex-gladiador (e garantindo o momento mais épico da temporada quando colocou o treinamento em prática), ele mostrou seu diferencial em relação aos outros romanos: arrogante, sim, muito, mas não estúpido. Respeitando o adversário, procurando compreendê-lo, para assim poder vencê-lo. Seu filho e segundo em comando, Tiberius, começou como um merdinha e evoluiu pra um vilão detestável. Como ponto negativo, grande parte do desenvolvimento dos dois se apoiou na escrava Kore, numa trama arrastada e sem graça na maior parte do tempo.
Por fim, Caesar. Sua presença foi uma liberdade criativa dos produtores, pois não há qualquer registro de que ele tenha se envolvido na caça a Spartacus. Antes da temporada começar, surgiu um boato (até agora não confirmado) de que havia a ideia de um spin off estrelado por ele. O personagem até iniciou tendo destaque e sendo bem trabalhado, com sua infiltração no grupo rebelde. Inclusive, sua cena com a romana violentada sugeriu uma intenção de torná-lo mais heroico, ou pelo menos alguém não totalmente maligno. Mas isso acabou sendo deixado de lado, e Caesar foi se apagando até virar um mero coadjuvante de Crassus e seu filho. Até mesmo a tentativa de criar uma rivalidade sua com Gannicus acabou não sendo tão bem explorada.
Se no desenvolvimento de personagens a série deixou um pouco a desejar, nada pode ser questionado em relação à ação e efeitos visuais. Já acostumados a não contar mais com arenas (ainda assim rolou uma bela homenagem a isso no penúltimo episódio), os produtores se empenharam em fazer combates cada vez melhores e mais grandiosos, culminando na incrível batalha campal mostrada no capítulo final. Quando se fez necessário mostrar os NÚMEROS envolvidos, a produção surpreendeu e foi muito além do que se espera na televisão.
Num mundo onde tantos seriados começam legais e se desgastam ao se prolongar além do necessário (alô, Supernatural), um fim prematuro, ainda que em alta qualidade, é uma vitória com gosto amargo. Será uma pena se não houver um spin-off ou mesmo outra série similar (o que parece ainda mais improvável). Consistente em sua proposta, bem escrito, empolgante e visualmente espetacular, mas ainda assim subestimado e vítima de muito preconceito, Spartacus ficará marcado como um dos produtos mais diferenciados já vistos no meio televisivo.
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Texto de autoria de Jackson Good.
Pensei que leria um texto mais empolgante… nyehhh….
Sinto que o Cinéfilo de verão se intimidou com a opinião de seus colegas de podcast…. uma pena…
Empolgante em que sentido? Tipo “nossa, tal cena foi FODERASTICAMENTE massa, véio!!!”? hahahahaha, seria chover no molhado…
E o caralho que eu vou me “intimidar”, primeiro que nao to nem aí, depois eles não vão passar nem perto de ler isso, hahahahah
Achei muito bacana a última temporada de Spartacus. Talvez precisasse de mais alguns episódios para explorar melhor alguns personagens, mas no geral o resultado foi bem positivo.
E o final tem uma belíssima homenagem ao saudoso Andy Whifield: I… AM… SPARTACUS!!!