Antes de qualquer coisa, preciso dizer que, desde Desventuras em Série, não consigo ser imparcial com as obras de Lemony Snicket. Desde o primeiro daqueles treze livros, o considero um dos meus autores favoritos. Portanto, se você desejar ler um relato de um fã sobre um livro que contém todos os elementos típicos desse autor, sinta-se à vontade para continuar. Caso deseje encontrar uma resenha imparcial em que todos os fatos são analisados de maneira fria em todos os seus aspectos, não recomendo que continue lendo essa resenha. Pois, como disse, não consigo ser completamente racional quando estamos falando de Snicket.
Sua narrativa é – como esperado – muito parecida com aquela presente em Desventuras em Série, por mais que dessa vez a história seja contada em primeira pessoa. É evidente a presença de seu sarcasmo ao criar personagens cuja estupidez evidente seja fruto de um ego mal controlado que, aparentemente, é muito típico de todos os adultos presentes no universo de Lemony. Ainda que o ponto de vista de um garoto de treze anos seja evidentemente infantil (da mesma forma que em Desventuras), seu raciocinio é completamente lógico e racional, enquanto o dos adultos que o rodeiam sempre parece limitado por uma sobriedade que, do ponto de vista do personagem, é simplesmente incoerente.
– Eu falei pra não dizer nada – Sussurrou Theodora, bem quando a porta se abriu. Era um homem com roupão de banho e chinelos. Ele deu um enorme bocejo. Parecia pretender ficar vestido daquele jeito por um bom tempo.
– Sim? – ele disse, quando terminou de bocejar.
– Senhor Mallahan? – Perguntou Theodora.
– Sou eu.
– O senhor não me conhece – ela disse, forçando um tom amigável. – Eu e meu marido estamos aqui em lua de mel, e somos loucos por faróis. Será que poderíamos entrar e conversar por alguns minutos?
Mallahan coçou a cabeça. Pensei em esconder as mãos nas costas, porque não estava usando uma aliança, mas me ocorreu que havia muitos outros motivos para alguém não acreditar que um garoto de quase treze anos se casara com uma mulher da idade de Theodora, então acabei deixando as mãos onde estavam.
Os acontecimentos se desenrolam a partir da premissa de que o personagem, querendo ou não (e por ser apenas um garoto), deve obedecer àqueles que estão “acima” de sua posição. Portanto, não é incomum encontrá-lo em inúmeras situações em que ele não gostaria de estar, mas em que não tem escolha quanto a cumprir a ordem que lhe é dada. Ainda assim, quando surgem momentos de pura autonomia – e lógica – desse mesmo personagem, é que vemos um pedaço da mágica que é a narrativa dessa história. Pois, por mais infantil que o desenrolar da trama seja, é ao mesmo tempo tão cruel e sinistra que deixa aquela sensação de que é uma literatura muito importante tanto para adultos quanto para crianças, independente do quão simples e explicativa seja a maneira como a história é contada.
– Você é apenas um aprendiz em experiência – disse Theodora, severa. – E você vai fazer tudo que a sua tutora disser. Agora, saia daqui. Mal consigo olhar pra você.
– Mas Theodora…
– Saia! – Ela gritou e enfiou a cabeça na cama revirada. Seus ombros começaram a tremer por baixo da cabeleira. (…) Era a segunda pessoa que eu salvava no mesmo dia das garras do Tiro Furado, e nenhuma tinha me agradecido. Embora não bebesse café, eu compreendia o que Ellington tinha falado sobre a necessidade de coisas que nos restauram.
Como é o primeiro volume de “Só Perguntas Erradas”, o que acontece é típico de Lemony e, por mais que responda a algumas perguntas que ficaram pendentes em Desventuras em Série, cria novas dúvidas sobre o que vai acontecer a seguir. Eu poderia aqui começar devaneios sobre todas as pontas soltas que estou certo que serão resolvidas com o tempo, mas não desejo fazer as perguntas erradas, por mais que soem certas enquanto eu as diga (para que só depois eu conclua que eram erradas).
Dito isso, recomendo a todos que procuram uma leitura leve e empolgante, mas receio que devo afirmar que é uma leitura agradável para aqueles que vão até o final sem ter preconceito contra uma literatura que, a principio, aparenta ser inteiramente infantil (e, preciso dizer, aleatória e um pouco absurda), mas que de forma alguma procura subestimar seu leitor. É um livro direto e, do meu ponto de vista, conta com uma história repleta de astúcia e sarcasmo. Poderia dizer que muitas vezes é do feitio do autor soar como se estivesse criticando a maneira de agir dos adultos e da sociedade em geral, mas não quero entrar em assuntos polêmicos. Portanto, para finalizar, direi apenas o seguinte:
Antes de decidir ler este livro, faça as seguintes perguntas a você mesmo:
1. Quero saber o que se passa em uma cidade à beira-mar que não está mais na beira do mar?
2. Estou interessado em conhecer a história do roubo de um objeto que não foi roubado?
3. Isso tudo é realmente da minha conta? Por quê? Quem sou eu, afinal?
4. Quem está parado bem atrás de mim?!
–
Texto de autoria de Thiago Suniga.