Embora o cinema coreano seja conhecido por filmes de terror e uma violência bastante gráfica, Kim Ki-Duk tornou-se um de seus nomes mais conhecidos fazendo o que parecia o oposto. Filmes como Primavera, Verão, Outono, Inverno… Primavera e Casa Vazia são extremamente líricos e habitados por uma violência que é mais psicológica e subjetiva. No entanto, em seu mais novo filme, Kim Ki-Duk abandona a delicadeza e se aproxima do conterrâneo Park Chan-Wook.
O filme, ganhador do Leão de Ouro em Veneza, se centra em Gang-Do, um cobrador de dívidas extremamente violento e na mulher que aparece de repente afirmando ser a mãe que o abandonou.
No início, Gang-Do é quase um animal: ele come, dorme, se masturba e cumpre seu trabalho com uma crueldade que, descobriremos mais tarde, é desnecessária. Quando um dia, uma mulher afirma ser sua mãe, ele reage com violência e rancor, mas aos poucos percebemos que sua dor e raiva são imensos e esses sentimentos serão o motor do filme.
Dor, raiva e vingança são o que movem o filme de Kim Ki-Duk, mas tudo acontece em um nível visceral, quase primitivo. Há poucos diálogos, mas muito sangue e gritos de dor e o diretor nunca enquadra seus personagens por inteiro, reforçando a incomunicabilidade e desumanização das pessoas retratadas ali. A direção de arte coloca tudo em tons de cinza, exceto por Mi-Son, a mulher misteriosa.
Mi-Son aparece para Gang-Do com uma echarpe verde viva e batom vermelho e todos os seus objetos possuem cores gritantes, se opondo à frieza cinza do resto do filme. A princípio, Mi-Son parece a única possibilidade de humanidade, afeto, piedade que o filme apresenta. Sua permanência ao lado do filho perturbado nos faz acreditar em um amor incondicional e um arrependimento genuíno. Contudo, para Kim Ki-Duk, não há escape, ou piedade.
Mi-Son é realmente um símbolo do amor maternal e abnegado, profundo ao ponto da insanidade, ela é a única personagem verdadeiramente humana do filme, mas sua humanidade é, como se espera, falha, enviesada e cruel. Ainda assim, sua presença humaniza Gang-Do, seu amor torna-o finalmente um ser humano (ainda que perturbado) e coloca o dilema moral que, no final do filme, o espectador não é capaz de resolver.
Pietá é um filme extremamente incômodo e, por mais gráfica que seja sua violência, é a força dos sentimentos demonstrados que fere quem assiste. Kim Ki-Duk foi estudante de artes plásticas e cada plano seu é de uma beleza incrível, que, quando a serviço de tal roteiro, aumenta o desconforto e o choque. No entanto, apesar de toda excelência plástica do filme, o roteiro de Pietá parece pálido perto de Oldboy, filme do mesmo país e que trata dos mesmos temas, mas de um diretor que parece mais disposto a colocar as mãos na lama.
Kim Ki-Duk faz um filme limpo demais para seu tema, ascético quando quer falar de descontrole. É um bom filme, mas quando o diretor soube casar sua forma e seu roteiro (por exemplo em Casa Vazia) ele foi extraordinário.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.