Paixões, romances, amores… A maioria de nós tivemos um (quiçá, vários) relacionamento que de alguma forma nos marcou, para o bem ou para mal, e que dificilmente conseguiríamos conceituar ou definir o que aquela relação significou. Essas questões cotidianas têm muito mais relação com as coisas que acreditamos que valem a pena, somada aquela valorização da honestidade, e da dúvida de que somos o que achamos, ou o que as pessoas acham de nós, do que necessariamente físicas. Essas são algumas questões levantadas por Nick Hornby, em Alta Fidelidade.
É estranho como alguns livros têm uma importância diferenciada na sua vida de acordo com a época em que você esteja vivendo. Alta Fidelidade é um ótimo exemplo disso. Já tive o livro em mãos há cerca de uns 7 ou 8 anos atrás, li algumas páginas, abandonei ele por algumas semanas e acabei devolvendo ao dono pouco tempo depois. Não que a história seja ruim, pelo contrário, apenas não embarquei nela. Hoje sei o motivo.
No auge dos meus 20 anos, iniciando uma vida universitária, efervescência de pessoas ao seu redor, um mar de possibilidades à sua frente e o que parecia o início de um promissor relacionamento, não me fizeram absorver aquele universo de um homem de 30 e poucos anos com crise de meia-idade. Aquilo parecia estragar minhas perspectivas e o que eu poderia esperar do futuro. Definitivamente não era um bom momento para lê-lo.
Alguns anos mais tarde, um pouco mais calejado pela vida e após um difícil término de relacionamento, eis que chega novamente em minhas mãos um novo exemplar de Alta Fidelidade, dessa vez a nova edição reeditada pela Companhia das Letras. Achei que dessa vez era o momento certo para encará-lo.
Hornby nos apresenta a Rob Flemming, um sujeito de trinta e poucos anos, que vive em Londres nos anos 90, proprietário de uma loja de discos, onde passa o dia com seus amigos listando suas canções, álbuns e filmes preferidos. Rob não sabe bem o que fazer de sua vida, já começou uma faculdade, mas não chegou a conclui-la, teve alguns relacionamentos sérios, mas recentemente foi trocado por outro pela sua namorada, Laura, com quem vivia já há algum tempo. O livro inicia com Rob listando seus cinco términos de namoro mais memoráveis e complementa da seguinte forma:
“Esses foram os que doeram de verdade. Tá vendo seu nome aí no meio, Laura? Acho que, raspando, até entrava nos dez mais, mas entre os ‘top five’ não tem lugar pra você; essa lista está reservada para aquele tipo de humilhação e desgosto que você simplesmente não é capaz de causar. Isso provavelmente soou mais cruel do que eu pretendia, mas o fato é que a gente passou da idade em que é capaz de deixar o outro na pior, o que é uma coisa boa, e não uma coisa ruim, então não precisa levar pro lado pessoal o fato de não ter entrado na lista. Essa época já era e, porra, demorou; ser infeliz realmente significava alguma coisa antes. Agora é só aporrinhação, tipo um resfriado ou falta de dinheiro. Se você queria detonar comigo de verdade devia ter aparecido antes na minha vida.”
E assim, Hornby já nos constrói a dinâmica do que veremos ao longo da leitura. Rob é um cara egocêntrico, ranzinza, mesquinho e que passa por uma crise, que aparentemente não é apenas uma fase passageira, mas algo que qualquer homem próximo dos 30 sabe muito bem do que se trata. Rob evita falar sobre seus problemas ou encará-los, e quando tudo dá errado decide reorganizar sua vida arrumando sua coleção de discos, quando isso não é o bastante, parte em uma jornada para conversar com suas ex-namoradas e questionar o fim de cada relacionamento que ele já teve, desde o colégio até os dias atuais, e claro, tentar descobrir como sua vida chegou até aquele ponto.
Hornby pouco a pouco cria um universo palpável de boa parte dos homens ao retratar receios comuns nessa idade, como um certo medo de intimidade, a incapacidade de se envolver demais, além de outros medos. Coisas banais que praticamente todos passamos ou iremos passar. O autor não pretende escrever um tratado sobre uma geração, apenas um romance geracional, reconhecível para a maioria de nós. E acerta em cheio.
O texto é muito bem escrito e com uma leitura extremamente prazerosa. Os personagens menores são bem construídos, fortes e muito distantes de qualquer aspecto maniqueísta. Se isso não fosse o bastante, Hornby é um aficionado por música, e ao longo do texto despeja inúmeras referências com um certo ar crítico de quem sabe do que está falando.
Alta Fidelidade não é um retrato de uma época, mas mais do que isso, é um livro sobre inseguranças, relacionamentos, fraquezas, dúvidas afetivas, existencialismo, sexo, e tantos outros questionamentos que nos fazemos todos os dias, tudo isso exposto de maneira extremamente simples, mas ao mesmo tempo autêntica, como poucos conhecem. Daquelas leituras que você termina com um sorriso idiota na cara e que levará consigo por anos. Que bom que decidi dar uma segunda chance a ele.
* Escrito ao som de The River, do mestre Bruce Springsteen.