J. Michael Straczynski é um escritor americano com uma lista de trabalhos bastante extensa e diversificada, que inclui roteiros para animações, áudio dramas, séries de TV, filmes, quadrinhos de heróis e graphic novels. Apesar de ser mais popularmente reconhecido por sua longa jornada nos roteiros do Espetacular Homem-Aranha (uma das séries do aranha rendeu a ele e sua equipe, inclusive, um Eisner de melhor história), talvez um de seus melhores trabalhos seja a graphic Midnight Nation. A revista, que chegou às bancas americanas pela primeira vez em 2000, é uma das mais impressionantes que eu já tive o prazer de ler, talvez A mais impressionante.
Midnight Nation – O Povo da Meia-Noite, acompanha a vida de David Grey. David é um detetive da polícia de Los Angeles que vive apenas para seu trabalho e vai, inconscientemente, afastando todos os que o cercam. Sem nenhum amigo, recentemente abandonado pela esposa e vivendo com depressão, o detetive não tem outra escolha a não ser dedicar-se aos casos sob sua responsabilidade. Em uma investigação de assassinato o policial é atacado por uma espécie de ser sobrenatural que rouba sua alma e o condena a viver em um mundo paralelo habitado por outras pessoas abandonadas pela sociedade. Acompanhado pela bela Laurel, David tem 12 meses para concluir sua jornada até Nova Iorque e reclamar sua alma perdida. O detetive e sua guia têm que enfrentar os desafios da estrada e cobrir toda a distância a pé, enquanto David vai lentamente perdendo sua consciência e se transformando em uma das criaturas que o atacou primeiramente.
É impressionante como a história criada por Straczynski pode ser tão respeitosa com pontos que critica e, ao mesmo tempo, questionar estes mesmo pontos de forma ácida e bem elaborada. A jornada do personagem principal levanta dezenas de questões sobre a sociedade e os dogmas religiosos, sem nunca se voltar à imposição da opinião do autor. Durante as páginas, o roteirista coloca de forma muito coerente questões acerca da marginalização de uma parcela da população, da forma como algumas pessoas se agarram a sua fé, de como a força de vontade de uma pessoa pode ser minada e até destruída por aqueles que a cercam, dentre outras coisas. A questão religiosa, em diversas partes da aventura, aparece de forma mascarada ou evidente e sempre fazendo menção a uma doutrina diferente. Boa parte da mensagem contida em Midnight Nation vem da arte caprichosa de Gary Frank.
A arte impressiona tanto quanto os argumentos contidos em seu roteiro. O traço primoroso de Frank, perfeitamente colorido por Matt Milla, retrata muito bem a luta interna do personagem principal. Durante o caminho, David vai se perdendo e seu espírito é quebrado pouco a pouco. Essa transformação fica evidente na expressão facial do personagem, em sua forma de se portar e na forma de falar com Laurel. Neste ponto, o traço de Frank, as cores de Milla e os diálogos de Straczynski trabalham de forma conjunta com uma coerência que eu nunca havia visto. A arte é belíssima e cumpre seu papel de passar ao leitor alguns pontos que soariam extremamente forçados no diálogo; uma excelente aula de quadrinhos.
Talvez o maior charme da história, entretanto, não tem nada haver com David ou Laurel. O personagem das primeiras páginas da revista está incluído na narração de como JMS chegou até a ideia principal contida em Midnight Nation, e esse personagem é o próprio roteirista. Em um pequeno texto narrado em duas ou três páginas, o autor da história conta sobre um período de sua vida exatamente igual à vida do personagem principal. Sem amigos com quem se importar e sem família por perto, ele conta que passou exatamente pela mesma situação de David (de uma forma um pouco menos lúdica, talvez) e que essa “aventura” o fez passar a notar que existem duas realidades em um mesmo espaço: durante o dia, o movimento e o barulho das pessoas se relacionando e interagindo, durante a noite a melancolia e o desespero dos solitários invisíveis que procuram maneiras de deixar de compor O Povo da Meia-Noite.
A editora Mythos relançou a versão encadernada da história, em março deste ano, com capa dura e papel de altíssima qualidade. A versão da editora conta com o prefácio de Straczynski e, apesar de não ser muito barata, tenho certeza que você não se arrependerá de tê-la. Com uma história em diferentes camadas para análise, inúmeras mensagens e questões subjetivas, roteiro impecável e a arte mais bonita e funcional que eu já vi, Mignight Nation – O Povo da Meia-Noite é uma HQ belíssima que merece ser adquirida, lida e relida mais de uma vez.
Aleluia, Senhor!
Comedor?!?!?!?! Japonês de rola pequena kkkkkkkkkkkk