O alemão Wolfgang Herrndorf saiu de cena ano passado, aos 48 anos após um diagnóstico de um tumor malígno no cérebro. Não fosse a breve vida cessada, Herrndorf se tornaria um escritor contemporâneo maior do que foi. Sua obra relativamente curta dava arrojados sinais de um talento crescente, ainda rumo à maturidade. Sua obra de seis romances iniciou-se em 2002 e, dois anos depois, conquistava o primeiro prêmio.
Lançado pela Tordesilhas, Areia é o segundo romance do autor lançado no país, o quinto de sua curta obra. Situado em um país imaginário no Norte da África, em meados da década de 70, a obra do alemão é uma sátira de um país qualquer, em que a desordem e o calor infernal impedem seu desenvolvimento.
A escolha de um país inexistente produz uma universalidade que permite ao autor tanto criar acontecimentos absurdos quanto, ao criticar lugar nenhum, dialogar com qualquer país que se insira em seu caos particular.
O local faz parte das personagens da trama como um ambiente opressor que corrói e deforma qualquer boa índole. Transforma uma comuna hippie em um local de chacina; um policial esforçado, capaz de reconhecer impressões digitais, em um homem preguiçoso que tediosamente observa as bolhas de seu café; uma inteligente loira platinada em um objeto sensual; e um homem sem memória em um provável terrorista.
Com uma narrativa irônica, Hernndorf abusa de um estilo prosódico, próximo da fala, para narrar as peripécias de seu país imaginário. Ciente da condução de sua história, realiza pausas propositadas em diversos acontecimentos simultâneos e ainda ri do leitor – ou pede a ele que avance logo para a próxima página, com uma urgência cúmplice.
Classificado como um thriller social, Areia permanece entre a possibilidade real de um país absurdo e a realidade absurda de um país. Situado em um lugar quente, em que o sistema de governo é moroso e a pobreza agride a população, é inevitável a comparação deste país de mentira com nosso país tropical. A realidade do leitor brasileiro transforma a leitura em risos mais incômodos pelo fato de identificarmos que os personagens malandros não são uma criação exclusiva de nossa nação.
A narrativa é dividida em pequenos capítulos, muitos ambientando a cidade para acompanhar a misteriosa loira platinada que vem para o local em busca de salvação e um homem sem memória que tenta descobrir se está ou não envolvido com um roubo misterioso. A dúvida e as intenções das personagens só não são mais estranhas que o meio onde vivem.
Cada capítulo apresenta uma citação que revela a erudição de Herrndorf em construir uma história pastiche em um mundo inexistente em que personagens vivem sem sentido aparente. Uma comédia de erros permeada por um sol escaldante que escorre na pele de cada personagem e uma paisagem repleta de vazio e areia.