A temática do fim do mundo foi explorada em inúmeras oportunidades. Dentre estas, a que talvez seja a mais notória em questão de influência, especialmente no meio do público que consome ficção científica e seus derivados, seja o romance de Richard Matheson, Eu sou a Lenda, que teria influído até no imaginário de infestação zumbi reinventado por George A. Romero em seu A Noite dos Mortos-Vivos. Até por seu repertório como roteirista, era natural que o texto de Matheson fosse explorado pelo cinema, também por seu potencial midiático. Uma destas versões seria protagonizada pelo herói de ação da época (1971), Sir Charlton Heston, em A Última Esperança da Terra.
Logo no início o espectador é apresentado à temática da história, uma aparente tranquilidade com uma dose de violência pouco elevada. Até pelas já citadas influências que Eu Sou a Lenda deixaria na cultura pop, passou a ser comum associar a espécie que teve seu apogeu na trama como zumbis. No entanto, o diretor Boris Sagal deixa ainda mais evidente nesta versão – especialmente quando comparada com a mais recente interpretação – que os mortos-andantes são, na verdade, vampiros. Mesmo assim é curioso como o mundo arquitetado pela direção de arte guarda muitas semelhanças com o filão de filmes com mortos-vivos. Os ambientes áridos, cidades abandonadas, figurinos de personagens maltrapilhos, qualquer ponto que remeta ao pós-apocalipse acaba lembrando o que Romero havia feito em 1968, mas de modo evoluído, mais amplo, em um espaço urbano, cuja iconografia visual seguiria o influxo até em Despertar dos Mortos, The Walking Dead, e até um pouco de Mad Max.
O protagonista do filme, o sobrevivente Robert Neville é canastra ao máximo, cheio de frases feitas e piadinhas infames, contém em si todos os clichês cinematográficos que se tornaram moda entre os action heroes. Este A Última Esperança da Terra exala um forte cheiro de filme B, em determinados pontos da trama é quase uma comédia. Figurinos destoantes e cafonas, maquiagens toscas, personagens estereotipados, crianças que falam como adultos, tudo isso torna o filme bastante datado, o que exige de quem vê uma porção considerável de paciência.
Heston faz Neville, aparentemente o único sobrevivente de uma praga que transformou a humanidade em seres albinos, que tem vulnerabilidade a luz. A “doença” ocorreu devido a uma guerra bacteriológica, protagonizada pelas duas potencias mundiais da época: EUA e URSS. As pessoas portadoras desta doença tornam-se uma comunidade, e recusam qualquer tentativa de “cura”, perseguem Neville como se ele fosse o monstro – até porque ele tirou a vida de muitos membros desta “Família”.
A Nova Raça tenta realizar uma super correção, refutando tudo que é moderno: a ciência, tecnologia, armamentos, para viver em condições semi medievais – essa é a intenção do roteiro, ainda que falhe em muitos aspectos. O curioso é que o papel de Charlton Heston é semelhante a outro de seus mais famosos personagens. Dave, de Planeta dos Macacos, assim como Neville está diante de outra classe dominante, sozinho contra uma sociedade inteira. Na visão da “Família”, o morto é Neville, assim como Dave era o involuído para os símios.
O grande pecado da fita é que em quase momento nenhum se teme pelo futuro dos personagens, ainda que os seus tristes destinos sejam iminentes. Os sobreviventes vivem num mundo pós-apocalíptico, mas o seu status quo parece não ter mudado praticamente nada. O pânico que deveria estar instaurado é nulo, inexiste e o desfecho é anticlimático, já que o fim do herói é pouco significativo. A cena acaba sendo mal executada, talvez se o orçamento fosse um pouco maior, poderia ter havido um maior esmero em concluir a película.
Até em virtude do pouco investimento e da decadência de Heston como astro do cinema, o filme de Boris Sagal torna-se essencial, uma vez que em suas devidas proporções, foi um divisor de águas dentro do seu universo temático, além, é claro, de ter em seu subtexto uma mensagem relevante e atual.