“Poucas mulheres escrevem boa poesia. Somente quatro delas se equiparam aos nossos melhores homens. Emily Dickinson, Marianne Moore, Elizabeth Bishop e Sylvia Plath.”
Robert Lowell
Baseado no livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmen Lucia de Oliveira, o filme dirigido por Bruno Barreto aborda o relacionamento entre a ganhadora do prêmio Pulitzer de 1956, Elizabeth Bishop (Miranda Otto), e a “arquiteta” carioca responsável pela idealização e construção do Parque do Flamengo, Lota de Macedo Soares (Glória Pires).
Inicialmente, o roteiro parece focado no relacionamento entre as duas e até começa bem, enfatizando suas personalidades opostas: Lota, extrovertida, segura de si e confiante; Elizabeth, introvertida, retraída e tímida. Enquanto a primeira mostra orgulhosamente sua casa recém-construída, gabando-se de ter idealizado tudo sozinha; a segunda sente-se quase envergonhada quando um dos convidados, Carlos Lacerda (Marcelo Airoldi), declama um dos poemas que ela recusa terminar, na tentativa frustrada de fazê-la sentir-se mais à vontade.
Antes da chegada de Elizabeth, Lota vivia com Mary Morse (Tracy Middendorf) e com a mesma rapidez que o roteiro apresenta esse relacionamento, forma-se o triângulo amoroso entre elas. Com essa mesma rapidez ele é desfeito – ou quase desfeito – pela pragmática Lota. A superficialidade dessa abordagem tira a credibilidade dessas relações. É difícil para o espectador comprar a ideia de que o grau de envolvimento entre Lota e Elizabeth justificaria sua separação de Mary. Aliás, essa veracidade é comprometida também pela forma com que o amor entre mulheres é tratado. Com exceção do sarcasmo com que o pai de Lota se refere a ela, o excesso de naturalidade com que se encara a homossexualidade é pouco verossímil.
Já que o relacionamento não é bem explorado, seria de se esperar que o roteiro se aprofundasse mais no momento político do Brasil na época. Porém isso também não acontece. A amizade de Lota com Carlos Lacerda e seus correligionários e seu apoio ao golpe não passam de pano de fundo. Acompanhamos Lota dando vida a sua empreitada de construir o Parque do Flamengo, enquanto o país é abalado pelo golpe e enquanto seu relacionamento com Elizabeth começa a se deteriorar, tudo en passant, sem aprofundamentos.
Apesar de as atrizes personificarem muito bem as diferenças de personalidade entre as personagens, falta paixão no relacionamento entre elas. Vale notar que Glória Pires conseguiu se mostrar à vontade num papel difícil, tanto pela necessidade de atuar em inglês e ainda assim parecer natural, quanto pelas cenas de teor homossexual. Mas, mesmo estando muito bem, é Miranda Otto que domina a tela sempre que contracenam. A atriz encontrou a medida certa entre a genialidade e a sensibilidade da poeta sem cair no clichê e sem ser caricata
A fotografia é beneficiada pela natureza exuberante de Petrópolis e os enquadramentos enfatizam as divisões e oposições que ocorrem na história: o contraste entre a cidade e a serra, a separação gerada pelo idioma – inglês versus português -, a oposição entre política e arte, a divisão de Lota entre a paixão por Bishop e a segurança da amizade de Mary.
Infelizmente, o roteiro não se sustenta e os pontos positivos não bastam para fazer de Flores Raras um filme memorável. Vale por apresentar ao público duas personalidades interessantes, apesar de retratadas superficialmente, e por incutir no espectador a vontade de mergulhar na leitura tanto do livro de Carmen Oliveira, para saber mais a respeito do romance, quanto dos livros de Bishop, principalmente o que foi escrito durante sua estadia aqui, North and South.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.