Existem muitas histórias sobre o Batman e muitas formas de contá-las. Uma delas é a que nos é apresentada no mangá Batman: A Máscara da Morte, publicada no Brasil pela Panini Comics/Planet Manga. Mas por que utilizar-se dessa forma narrativa quando os quadrinhos convencionais do Homem-Morcego funcionam tão bem?
Em primeiro lugar, devemos entender algumas diferenças básicas entre o estilo comics e o estilo mangá de se contar uma história. Nos quadrinhos norte-americanos, geralmente temos um personagem que ganha seus poderes por acaso, seja por acidente de laboratório, mutação genética ou exposição à radiação. Super-heróis são obras do destino e geralmente começam a história como uma pessoa comum que teve sua vida drasticamente modificada com a aquisição de habilidades especiais de uma hora para outra. Nos mangás, a coisa é bem diferente. As histórias são mais focadas na “jornada do herói” e têm começo, meio e fim bastante claros. Os personagens evoluem durante a saga, e seus poderes não são dons do destino, mas conquistados com muito esforço. Isso reflete bem o tipo de cultura e modo de vida oriental, que não se apegam a um “destino manifesto”, mas no esforço e superação de desafios. Com os heróis ocidentais isso raramente acontece, e eles já começam sua saga com grandes poderes e grandes responsabilidades, que não se desenvolvem e mantêm um status quo por décadas a fio.
Exceto o Batman!
Batman tem algumas características que podem muito bem se adaptar ao estilo mangá de se contar histórias. Ele não é alienígena, não tem superpoderes, não ganhou suas habilidades por acaso. Ao ver seus pais serem assassinados quando tinha oito anos, Bruce Wayne passou a dedicar sua vida ao treinamento de todos os tipos de artes marciais, além de desenvolver um intelecto superior ao de uma pessoa normal. Bruce uniu força física e mental o suficiente para ser um excelente lutador e, ao mesmo tempo, o maior detetive do mundo. E esse tempo de treinamento, entre o assassinato de seus pais e sua transformação em Batman, é uma lacuna que deixa margem para inúmeras boas histórias, como a do filme Batman Begins e da série televisiva Gotham.
Em A Máscara da Morte, vemos uma parte do passado de Bruce Wayne em que ele treina no Japão, antes de se tornar o defensor de Gotham City. Ficamos sabendo um pouco mais sobre seu treinamento, seu sensei e sua formação. Como em todo mangá que se preze, temos alguns elementos místicos na história e que podem parecer estranhos aos leitores ocidentais. Mas esses elementos apenas fazem a história ficar mais interessante e se amarram perfeitamente ao fim do volume. Um assassino novo ronda Gotham, arrancando os rostos de suas vítimas, enquanto Bruce Wayne sofre alucinações com uma estranha e sombria criatura. Um inescrupuloso homem de negócios é apresentado, e sua assistente faz Bruce se recordar do tempo em que passou no Japão. A história faz conexões entre o passado do Cavaleiro das Trevas, os novos personagens apresentados e a criatura sombria, que tem uma silhueta muito parecida com a do próprio Batman. Para derrotá-la, Batman precisa enfrentar seus medos, revisitar o passado e seguir adiante.
A tal Máscara da Morte do título é um artefato místico que se confunde, em vários aspectos, com a própria máscara do Batman, pressupondo que serviu de inspiração para o manto do morcego. Quem a usa passa a sofrer uma maldição que enlouquece seu portador. Isso traz momentos perturbadores para o herói, dando a entender que ele e a criatura são a mesma pessoa.
O estilo mangá se encaixa perfeitamente com a atmosfera da história. Algumas cenas são verdadeiras tomadas cinematográficas, e o visual dinâmico faz o roteiro se desenvolver em um ritmo fantástico. Interessante notar que, em alguns momentos, o uso de onomatopeias sugere, inclusive, uma espécie de “trilha sonora”, coisa bastante rara em gibis ocidentais.
O autor Yoshinore Natsume conta, em uma entrevista ao final do volume, que teve bastante liberdade criativa. Tanto que escreveu em sua língua nativa e no formato que estava acostumado – o modo de leitura oriental é da direita pra esquerda, o que pode causar certo desconforto no início para quem não está acostumado com mangás. Mas é uma excelente leitura, uma forma nova de se interpretar a mitologia do Morcego e, de forma simples e direta, de contar uma boa história.