Uma classe de catecismo liderada pelo padre Webber (Florian Stetter), um devotado e atencioso homem que passa seus ensinamentos católicos para os infantes. Este é o primeiro cenário educacional e formador de caráter de Maria (Lea Van Acken), a protagonista da jornada vista no filme do alemão da Bavaria Dietrich Bruggemann, que insiste em posicionar sua câmera de maneira contemplativa, com um plano americano focado em uma mesa, em estilo semi-documental, oprimindo seu espectador como o jovem padre faz ao impor suas verdades e crenças para as incautas crianças.
A realidade da Fraternidade São Pio XII tem na rigidez dos preceitos e no discurso militar de seus fiéis sua base, mesmo que o caráter destes ainda não esteja formado. Seu ideário fundamentalista religioso entra em conflito com praticamente todos os aspectos normativos da modernidade, e todos os movimentos visam integrar os atos dos personagens com caricaturas de pinturas bíblicas famosas. O roteiro é dividido em estações, como os atos teatrais, cada uma mostrando uma faceta do cotidiano de Maria, em busca de um destino dos mais comuns, ao menos em tentativa.
O texto de Dietrich e Ann Bruggerman é verborrágico, não por conter diálogos estupendos, mas por ser uma história narrada através das muitas conversas de conteúdo constrangedor que oprimem e humilham Maria na maioria dos eventos. A partir de um momento, ela mesmo reproduz tais diálogos inquisidores, acusando conceitos cotidianos de sofrerem influência satânica e demoníaca, mesmo em ambientes distantes de sua paróquia, como em sua escola, no convívio com outros pré-adolescentes.
Logo, os adultos à sua volta começam a discutir os métodos e escolhas que Maria fez para sua vida. Sua mãe é a figura de pai/patrão, como no clássico dos irmão Taviani. Sua postura autoritária recalca a menina, aumentando o escopo de proibição a níveis cada vez mais absurdos, massificando a sensação de isolamento. Já na escola, seus professores a indagam sobre os diálogos que trava com seus colegas, sempre remetendo a pactos e eventos ligados ao diabo. Em um ambiente “normal”, ela se sente coibida, tornando-se tão passiva e agressiva quanto os que passam sua fé a ela, reclamando da constante exacerbação do pecado e da banalização da santidade.
A renúncia ao carnal, e consequentemente a qualquer impulso de vontade própria, é o norte da jovem, mesmo antes dela ter ciência real dos votos que faz. A massificação do fundamentalismo é mostrada detalhadamente, esmiuçada pelo inquisitivo pelo realizador, que não guarda pudores ao mostrar o processo de canonização de humanos ainda em formação.
À medida que os estágios avançam, a credulidade cega faz condenar a curta existência de Maria, pautando-se na paranoia cristã, pontuada no cúmulo da interferência do padre dando uma hóstia para a menina enquanto ela convalescia, atrapalhando todo o processo. A misteriosa enfermidade parece ter mais causas em desgosto e sem sentimentos vãos do que uma raiz científica.
A entrega de Maria é semelhante a de sua figura heroica, que se rendeu aos desígnios divinos para espiar os pecados da humanidade. No entanto, o sentimento presente na despedida da personagem-título vem para culpar e não perdoar, tudo através do silêncio e da métrica lenta do filme, características que são fruto da agonia desesperadora da protagonista, que nem em seus últimos momentos tem alívio e liberdade para viver como quer. 14 Estações de Maria é um interessante exercício narrativo que usa os aspectos estilísticos para maximizar o drama de sua heroína, remetendo ao inexorável destino do qual foge, comum a muitos dos escravizados pelo julgamento religioso.