Cinebiografia de uma figura histórica, Nise – O Coração da Loucura discorre a respeito da vida e obra de Nise Reis, doutora psiquiatra que, nos anos quarenta, implantou um método de tratamento que contrapunha o barbarismo da lobotomia, comum no mundo inteiro..
A personagem título, apesar de repleta de nuances, é vivida de modo retilíneo por Gloria Pires, que não compromete em sua performance, mesmo com um roteiro quadrado. O fato de utilizar fatos comprovadamente documentados deveria garantir personalidade e veracidade ao filme de Roberto Berliner (diretor também de Júlio Sumiu e Herbert de Perto), mas não é suficiente, ao menos a luz do que o produto final representa.
A figura de Nise era contestadora e revolucionária e o argumento tenciona tocar em tais pontos, mas esbarra em um maniqueísmo ordinário, que demoniza os burocratas, como se em seus atos houvesse simplesmente uma atitude má e gananciosa. A personagem do doutor César (Michel Bercovich) é o típico vilão dos pueris quadrinhos contemporâneos da trama da fita.
Outro fator terrível são os diálogos, que beiram o ridículo, mesmo em se tratando de um filme de época. A moralidade do texto é simplista e simplória, com uma execução que não corresponde a qualidade da ideia original. Nise – O Coração da Loucura é mais uma das cinebiografias quadradas e conservadoras, bem a moda das telenovelas mais populares do Brasil.
O método de Nise também é mostrado de um modo tosco, sendo apresentado somente como atos de permissividade tola, como se libertar o paciente fosse o suficiente para mudar seu quadro, bem como a simples troca de alcunha dos doentes, de paciente para cliente. O tratamento é muito mais profundo, e a fita não deixa isso nada claro.
Um dos fatores positivos, é a persona de Mario Pedrosa (vivido por Charles Frick), que relembra a tradição da crítica artística ligada ao não reacionarismo. Ao final, as pessoas reais aparecem em tela, e nos poucos momentos em que Nise aparece, demonstra um conjunto de emoções e gracejos muito mais intensos do que Pires fez o tempo inteiro, resultando em um desperdício claro de talento da atriz. O filme tem tudo para ser abraçado pelo público, pela formula e pelo carisma dos artistas esquizofrênico, e claro, por ter um apelo emocional justo e que combina com o drama real, mas ainda está longe de ser um filme homenagem que prime por ineditismo.