O cenário humorístico brasileiro mudou muito nos últimos anos. Um acréscimo de influências nonsenses começou a permear o modus operandi de muitos comediantes mais novos, assim como surgiu uma nova “tradição” de stand-up. Na exata lacuna no meio deste novo arquétipo e o estereótipo de piadista comum e ordeiro, típico da rede aberta de televisão, o afetado Paulo Gustavo se inclui, apelando normalmente para uma persona debochada e irônica, mas que não chega a fazer discutir, tampouco leva seu espectador a ter qualquer reflexão. O seu Valdomiro Lacerda em Vai Que Cola – O Filme repete a mesma graça do seriado homônimo, ainda que haja pequenas diferenças entre as abordagens.
O folhetim pratica o desserviço de propagar um pensamento bastante preconceituoso em relação ao cidadão carioca suburbano, sempre representando-o como um ser barulhento, sem modos e afeito a selvageria, salvo unicamente por uma condição de bondade extrema, movida por uma ingenuidade primorosa que faz parecer que esse povo é bobo e fácil de enrolar. A gravidade do programa ocorre por sua enorme popularização, em especial com as classes menos favorecidas e menos estudadas, que veem pastiches de suas situações corriqueiras, tendo enfim alguma coisa em que se enxergar.
Ao contrário do que as últimas temporadas propagavam, na Multishow, todo o show é de Valdomiro, que até permite algum brilho para o seu elenco, formado por Catarina Abdalla, Cacau Protásio, Samantha Schmutz, Emiliano D´Avila, Fiorella Mattheis e Fernando Caruso, com pequenas cenas para cada um desses conseguirem mostrar seu valor, ainda que não haja qualquer possibilidade de aprofundamento em seus dramas. A exceção é feita ao personagem Ferdinando (Marcus Majella), que faz uma figura homossexual ainda mais cômica e caricata que Valdo, até tem momentos de protagonismo, o que fomenta qualquer situação de representatividade.
Apesar do claro problema em retratar um Rio de Janeiro que está nos cartões postais, às custas de uma zona de moradia que produz todo o material de exploração de todo o município, há algumas interferências de seu diretor, Cesar Rodrigues, que tateava ainda como cineasta, mas que punha sua experiência como condutor da novela Labirinto e da série da HBO, Filhos do Carnaval, em especial no desenvolvimento da metalinguagem e na fala direta de Paulo Gustavo com o público. Para o realizador, méritos enormes, para o astro, segue a mesma vergonhosa e covarde postura vista em Minha Mãe É Uma Peça, deixando cada vez mais claro o quão preconceituoso e ferino é o ideário do comediante, que se vale do conservadorismo para se acomodar em sua carreira já fundamentada.