Ana Lúcia (Denise Fraga) é arquiteta. Fábio (Domingos Montagner) é jornalista. Conheceram-se há 20 anos, ao chegar em São Paulo. Ele, vindo do interior; ela, do Rio de Janeiro. Apaixonaram-se pela cidade e um pelo outro. Tiveram uma filha, Manoela (Manuela Aliperti), agora em idade para cursar a faculdade. A história desse casal e a história construida na capital paulista é contada a partir da sua separação, a partir do momento em que Fábio está de mudança para outro apartamento – que fica do outro lado da rua, exatamente em frente ao apartamento do casal.
Separados, mas não distantes, ambos tem de aprender a lidar com a nova situação, agravada com a ida da filha para Botucatu, para cursar Veterinária. A tal “síndrome do ninho vazio” se intensifica exponencialmente, já que cada um tem de enfrentar a solidão de seu lado da rua. Aliás, equilíbrio é a palavra-chave para o tom do roteiro de Rafael Gomes e Leonardo Moreira, que combina, na medida certa, drama e humor. Não há extremos, e isso facilita a identificação com os personagens e, consequentemente, a imersão na história. Afinal, as situações vividas por eles são tão do dia-a-dia que dificilmente alguém assistirá sem pensar ao menos uma vez “ah, eu passei por isso também”.
Interessante notar que Ana, tão conectada ao universo enquanto está no âmbito familiar, mostra-se tão pragmática durante seu trabalho. Ao procurar proprietários de imóveis antigos ou abandonados a fim de conseguir um contrato de exclusividade de negociação da propriedade, seu discurso sobre a transformação, a evolução, a necessidade de mudança bate de frente com os pensamentos de cada uma das pessoas abordadas. Desde Yolanda (Laura Cardoso) criando seus pássaros e curtindo o solzinho do final de tarde; passando por uma loja de sapatos sob medida e outra de vestidos de noivas – “Será que o passado da loja, a quantidade de histórias de amor que passaram por aqui não vale um acréscimo no preço do imóvel?”; até Afonso (Juca de Oliveira), dono do prédio do finado Cine Marabá, que o casal costumava frequentar.
A relação entre a cidade e o relacionamento de Ana e Fábio – o “destruir para construir” – é bastante óbvia. Várias das memórias afetivas do casal estavam em locais que não existem mais, assim como os sentimentos que os mantinham unidos. É significativo que em dado momento alguém diga a Ana justamente o que ela costuma dizer aos clientes em potencial sobre a necessidade de transformação, de mudança, de encarar o novo. E, enquanto quem está falando pensa no aspecto físico, fica claro que quem ouve, Ana, está pensando no aspecto pessoal. No seu próprio reinventar.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.
Sem arroubos estilísticos, de linguagem, montagem ou fotografia, a direção sóbria de Luiz Villaça envolve o espectador e o conduz por flashbacks inseridos cuidadosamente, sem excessos e sem melodramas. Contando a história do casal como um amigo conta um causo a outro. Ou melhor, como Ana – quebrando a quarta parede – a conta ao público. E para ajudar a narrar a história, destaque para a cenografia no apartamento do (ex) casal. Além de ser um daqueles apartamentos em prédios antigos, com pé direito alto, sala ampla, grandes janelas, percebe-se o cuidado com que foi preenchido com objetos adquiridos – ou ganhos – durante a vida de casados e que, em certos momentos, são motivos óbvios de discussão sobre quem fica com o quê.
Vale destacar o elenco. Tanto a sinergia entre Denise e Domingos, quanto as participações dos coadjuvantes – pequenas, mas bastante significativas, enriquecidas pelo talento de Juca de Oliveira e Laura Cardoso, Marisa Orth e Fulvio Stefanini.
De Onde Eu Te Vejo é uma declaração de amor à cidade, e uma constatação da necessidade de lançar-se em novas empreitadas sem deixar as lembranças de lado.
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