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  • Crítica | As Melhores Coisas do Mundo

    Crítica | As Melhores Coisas do Mundo

    Laís Bodanzky é uma das cineastas em atividade no Brasil mais versáteis, e com mais consciência quanto a diversidade que existe no país, e digo isso sem receio algum. Do fabuloso Bicho de Sete Cabeças, a Chega de Saudade e Como Nossos Pais, Bodanzky não apresenta tampouco algum tipo de receio no tratamento de temas tão variados, quanto desafiantes para cineastas que não saem de sua bolha temática, ou não se distanciam das convenções lucrativas que uma produção baseada só em marketing pode lhes dar. Bodanzky nunca teve medo de errar em seus olhares, em suas interpretações sobre a meia-idade, a classe média ou até mesmo os adolescentes.

    Percebe-se, num entendimento substancial para com As Melhores Coisas do Mundo, que o universo adolescente urbano na mídia brasileira, demonstrado e vivido aqui pelos caminhos de Hermano (Francisco Miguez), está tão enraizado há décadas nos clichês de Malhação, a eterna série da Rede Globo de televisão, que fica difícil sair desse lugar comum que a produção parece ter engessado esse universo de puberdade e conflitos de maturidade na imaginação audiovisual do Brasil, posto que ainda me parece ver e ouvir ecos de um Cabeção no comportamento deles na tela, nas praças de alimentação dos shopping centers, no feed de notícias do Facebook. As gerações mudam, ficam ultrapassadas, e o mainstream principalmente do Cinema brasileiro contemporâneo carece em demasia de novas abordagens, para com seus novos contornos geracionais.

    E o desejo de realizar um Trainspotting juvenil nos tempos da internet foi grande demais para Bodanzky, tal que, feito Ícaro, queimou suas asas na proximidade ambiciosa com a estrela mãe da Via Láctea, mesmo sendo a ótima artista que provou ser na filmografia nacional. As ideias de sempre (escola, família, amigos, namoro, escapismo, virgindade) tampouco ajudam a cineasta paulista a ganhar êxito total em produzir um retrato realmente relevante, embora expressivo desse universo teen, já que aqui trata das agruras de um adolescente no seio familiar na passagem para a vida adulta, e tudo o que resulta nisso, e disso. No tratamento narrativo com as contradições que essas transições oferece aos que a vivem, o filme infelizmente se torna tão previsível quanto qualquer episódio de qualquer temporada da série global que, cá entre nós, nunca termina.

    Sendo que Hermano só quer aproveitar a vida, ser relevante dentro de casa para com seus pais, e se auto descobrir, como qualquer adolescente, As Melhores Coisas do Mundo nos são manifestadas com leveza, naturalidade e um certo entretenimento sincero e divertido para nunca nos deixar em dúvida sobre o que elas são, e o que elas podem ser na vida de alguém cheio de paradoxos existenciais, e ainda sobrecarregado por todos os sonhos do mundo. Bodanzky, a versátil brasileira, celebra essa idade das espinhas com cuidado fazendo lembrar até mesmo aos mais velhos como é bom fazer besteiras e se questionar vivendo o hoje, sem (quase) ligar para o amanhã. O resultado, longe do memorável, é um dos filmes brazucas modernos mais francos sobre o tema, e sobre parte dos seus desdobramentos, mas um dos mais inofensivos, também.

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  • Crítica | Fala Comigo

    Crítica | Fala Comigo

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    Primeiro longa metragem de Felipe Sholl, diretor que já excursionou com seus curta Gisela por festivais do Brasil e do exterior, além de ter sido roteirista dos interessantes Hoje, de Tata Amaral, Campo Grande de Sandra Kogut e Histórias Que Só Existem Quando Lembradas de Julia Murat,  Fala Comigo mira uma discussão sobre os costumes da classe média e um humor que tenciona ser ácido e ágil mas que jamais atinge o tento.

    O filme começa a partir da rotina de Diogo (Tom Karabachian), um menino de 17 anos que de vale dos relatórios psicanalíticos de sua mãe Clarice (Denise Fraga) para ligar para as pacientes, se masturbando ao ouvir as vozes femininas. O quadro muda da tara e abuso platônico por parte do ente masculino quando Ângela (Karine Teles) percebe a trama e responde ao garoto, convidando- o para adentrar a sua intimidade agora de uma maneira física e oficial. A partir dali uma relação carnal se estabelece, com direito a juras de amor, polêmicas sexuais bem baixas e claro, um tabu social encontrado na distância de idade entre o novo casal.

    A ideia de mostrar uma família em frangalhos é muito boa e a tentativa de naturalizar isso poderia soar genuíno, mas não é o caso. A consumação das fantasias do personagem principal soam bobas e fantasiosas, típica das conversas de homens feitos entre uma bebida e outra, quando esses mentem a respeito de seus tentos sexuais do passado. Essa irrealidade não só é levada a sério como é regada por uma tentativa de humor fraca e que banaliza os arquétipos psicológicos estabelecidos tradicionalmente, além de abrir um precedente ético que a priori, não devia ter lado cômico.

    É curioso como houve um costume por festivais, sessões especiais e claro por quem estava envolvido no longa de se elogiar o roteiro. O começo da trama tem um folego interessante, bem como um potencial para crescimento que logo é deixado de lado para se estabelecer uma pueril tentativa de fuga dos personagens emocionalmente envolvidos. Há um descarte desnecessário das boas tramas e das personalidades interessantes dentro do filme. A disposição dos atores é bastante grande, ainda que não haja material sólido para que Teles, Fraga e Emílio de Mello possam trabalhar. Fala Comigo perde muito tempo tentando chocar via polêmica e trata pouco dos dramas universais ali retratados, deixando muito a desejar se comparado premissa e execução.

  • Crítica | De Onde Eu Te Vejo

    Crítica | De Onde Eu Te Vejo

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    Ana Lúcia (Denise Fraga) é arquiteta. Fábio (Domingos Montagner) é jornalista. Conheceram-se há 20 anos, ao chegar em São Paulo. Ele, vindo do interior; ela, do Rio de Janeiro. Apaixonaram-se pela cidade e um pelo outro. Tiveram uma filha, Manoela (Manuela Aliperti), agora em idade para cursar a faculdade. A história desse casal e a história construida na capital paulista é contada a partir da sua separação, a partir do momento em que Fábio está de mudança para outro apartamento – que fica do outro lado da rua, exatamente em frente ao apartamento do casal.

    Separados, mas não distantes, ambos tem de aprender a lidar com a nova situação, agravada com a ida da filha para Botucatu, para cursar Veterinária. A tal “síndrome do ninho vazio” se intensifica exponencialmente, já que cada um tem de enfrentar a solidão de seu lado da rua. Aliás, equilíbrio é a palavra-chave para o tom do roteiro de Rafael Gomes e Leonardo Moreira, que combina, na medida certa, drama e humor. Não há extremos, e isso facilita a identificação com os personagens e, consequentemente, a imersão na história. Afinal, as situações vividas por eles são tão do dia-a-dia que dificilmente alguém assistirá sem pensar ao menos uma vez “ah, eu passei por isso também”.

    Interessante notar que Ana, tão conectada ao universo enquanto está no âmbito familiar, mostra-se tão pragmática durante seu trabalho. Ao procurar proprietários de imóveis antigos ou abandonados a fim de conseguir um contrato de exclusividade de negociação da propriedade, seu discurso sobre a transformação, a evolução, a necessidade de mudança bate de frente com os pensamentos de cada uma das pessoas abordadas. Desde Yolanda (Laura Cardoso) criando seus pássaros e curtindo o solzinho do final de tarde; passando por uma loja de sapatos sob medida e outra de vestidos de noivas – “Será que o passado da loja, a quantidade de histórias de amor que passaram por aqui não vale um acréscimo no preço do imóvel?”; até Afonso (Juca de Oliveira), dono do prédio do finado Cine Marabá, que o casal costumava frequentar.

    A relação entre a cidade e o relacionamento de Ana e Fábio – o “destruir para construir” –  é bastante óbvia. Várias das memórias afetivas do casal estavam em locais que não existem mais, assim como os sentimentos que os mantinham unidos. É significativo que em dado momento alguém diga a Ana justamente o que ela costuma dizer aos clientes em potencial sobre a necessidade de transformação, de mudança, de encarar o novo. E, enquanto quem está falando pensa no aspecto físico, fica claro que quem ouve, Ana, está pensando no aspecto pessoal. No seu próprio reinventar.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

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    Sem arroubos estilísticos, de linguagem, montagem ou fotografia, a direção sóbria de Luiz Villaça envolve o espectador e o conduz por flashbacks inseridos cuidadosamente, sem excessos e sem melodramas. Contando a história do casal como um amigo conta um causo a outro. Ou melhor, como Ana – quebrando a quarta parede – a conta ao público. E para ajudar a narrar a história, destaque para a cenografia no apartamento do (ex) casal. Além de ser um daqueles apartamentos em prédios antigos, com pé direito alto, sala ampla, grandes janelas, percebe-se o cuidado com que foi preenchido com objetos adquiridos – ou ganhos – durante a vida de casados e que, em certos momentos, são motivos óbvios de discussão sobre quem fica com o quê.

    Vale destacar o elenco. Tanto a sinergia entre Denise e Domingos, quanto as participações dos coadjuvantes – pequenas, mas bastante significativas, enriquecidas pelo talento de Juca de Oliveira e Laura Cardoso, Marisa Orth e Fulvio Stefanini.

    De Onde Eu Te Vejo é uma declaração de amor à cidade, e uma constatação da necessidade de lançar-se em novas empreitadas sem deixar as lembranças de lado.