Estreia de Natalie Portman na direção, De Amor e Trevas é baseado no livro de memórias do escritor Amós Oz, que tem o mesmo título. O livro é talvez um dos mais lidos e apreciados na terra natal do autor, Israel. E “um dos livros mais engraçados, trágicos e comoventes” já lidos, conforme a crítica Linda Grant, do The Guardian. É uma pena que o roteiro não tenha conseguido transpor das páginas para a tela o olhar lírico de Amos (Amir Tessler), um menino crescendo durante a expansão do sionismo. Aliás, este é certamente o maior problema do roteiro, tentar abordar da mesma forma o olhar sobre as coisas pessoais – a infância, a família, a mãe, o despertar do talento em contar histórias – e o olhar sobre a transição política de um povo constituindo uma nação.
A dificuldade de contar a história de forma coesa e envolvente leva ao uso de uma muleta que, por vezes, chega a irritar o público: a narração excessiva. Talvez seja decorrente da falta de experiência, talvez seja apenas uma má escolha de formato narrativo. Mas o fato é que a máxima “Show, don’t tell” é deixada de lado a maior parte do tempo, sobrecarregando o espectador com uma narração cansativa e quase onipresente. É incômoda e atrapalha a imersão na história.
Para quem conhece pouco da história e da política do Estado de Israel ou para quem não leu o livro, é difícil acompanhar e mesmo entender o cenário sócio-político em que Amos cresce. A abordagem é superficial e, em alguns momentos, frases de efeito são jogadas sem quase qualquer conexão com o contexto das cenas. Enquanto no livro, percebe-se que o avô de Amos é um patriota fervoroso, no filme as visitas dos avós praticamente se restringem a enfatizar o estereótipo do relacionamento sogra/nora. Algo que é abordado en passant, na pessoa do pai de Amos, Arieh (Gilad Kahana), é a importância da linguagem, da estrutura do idioma. Na época, o hebraico passava por uma série de transformações que desembocariam no hebraico moderno. Arieh, um acadêmico frustrado mas esperançoso, gosta de demonstrar seus conhecimentos – de forma gentil, longe de ser pedante – usando a origem das palavras para explicar sentimento e situações. Algumas coisas se perdem por conta da tradução, mas mesmo assim, é algo cativante.
O que fica marcado é a importância da mãe na vida do jovem Amos, e a fixação dela, Fania (Natalie Portman), com a ideia da morte. Fania é uma mulher inteligente, confinada a um cotidiano medíocre e sem perspectivas. Ela dá vazão à sua verve criativa e, por que não dizer, artística, inventando histórias para o filho. E todas, sem exceção, flertam com o tema da morte. Algumas cenas oníricas dessas histórias só passam a fazer sentido mais para o final do filme quando, após um longo período de depressão, Fania se suicida. Confrontado com essa realidade aos 12 anos, três anos depois, Amos renuncia à vida familiar e muda-se para um kibutz, renegando – mesmo que temporariamente – à sua aptidão como contador de histórias.
É inegável que Portman encarna Fania como ninguém. Afinal, ela tem o phisique du rôle para personagens sofredoras resignadas. Mas não há exagero, nem nos gestos nem nas expressões faciais ou no tom de voz, mesmo nos momentos em que a personagem parece carregar todo o sofrimento do mundo nos ombros. A dramaticidade está no ponto certo, nem demais, nem de menos. O filme cativa mais pelo que poderia ter sido do que pelo resultado final. E deixa o espectador com vontade de saber mais sobre a história de Fania e Amos.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.
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