Com roteiro e direção de Xavier Giannoli, e tomando como inspiração a vida da “diva do grito”, a cantora norte-americana Florence Foster Jenkins, o filme conta a história de Marguerite Dumont (Catherine Frot) – uma dama da aristocracia francesa dos anos 20. Assim como Florencee se dedicava à música clássica sem o menor talento para tal, Marguerite é apaixonada por música e ópera, e há anos canta com certa regularidade para um grupo de conhecidos. Qualquer espectador com um mínimo de “ouvido” para música terá o impulso de se proteger, tapando-os, ao ouvi-la cantar(?) numa apresentação logo no início do filme. Mas a mesma pergunta que o público se faz é feita pelos dois penetras dessa festa: “Por que todos a ouvem como ouviram a Por que todos fingem apreciar e ainda aplaudem? Enfim, por que ninguém lhe diz o quanto ela desafina?”.
Numa versão adulta da fábula infantil “A roupa nova do rei”, logo se percebe que seu círculo de amizades não conta a verdade para não perder “a boca livre”, os convites a suas festas e a seus eventos beneficentes em que ela é sempre incentivada a cantar. E o mundo de aparências se estende a seus empregados, aos músicos que a acompanham, a outros artistas que participam dos mesmo eventos, ao professor contratado para ensaiá-la. Todos com seus próprios motivos para mentir – ou omitir. Seu marido, Georges (André Marcon), até então conivente, insiste com o mordomo, Madelbos (Denis Mpunga) que devem parar com a farsa – que incluía dezenas de flores enviadas nos dias seguintes a seus recitais, em (suposto) agradecimento – e contar-lhe a verdade. Porém Madelbos – que além de mordomo e motorista, era o fotógrafo de Marguerite em sua extensa coleção de figurinos originais de ópera – com sua fidelidade canina a Marguerite segue contratiando o patrão e perpetuando o engodo.
E, à medida que o filme avança, e vemos Marguerite preparando-se para uma apresentação grandiosa, fora do seu círculo de conhecidos, outra pergunta surge: “Será que Marguerite não percebe o quanto desafina? Será que ela acredita mesmo que canta bem? Ou será que tem consciência da sua ausência de talento? Mas, se tem consciência, qual sua motivação? Apenas alimentar seu ego?”. E em certo ponto, o publico até se pergunta se ela é maluca e se tudo não é parte de seus delírios, de suas fantasias. A atuação de Frot encaixa-se perfeitamente, fazendo Marguerite ultrapassar, sem exageros, a linha entre o real e o surreal. E sempre deixando um traço de dúvida sobre a sanidade da personagem.
Sendo uma comédia – e também pelo ridículo das cantorias de Marguerite – a fotografia poderia facilmente ter caído para o brega, para o deboche, mas optaram por algo mais sombrio e desolador. A palheta dessaturada, os espaços vazios na casa, a abundância de espelhos, o excesso de badulaques em alguns cômodos deixam o ambiente opressivo e melancólico. É como o espectador se sente após as apresentações desastrosas de Marguerite. Mesmo se talvez ela nem perceba o constrangimento a que se expõe por sua falta de talento, o público se sente mal por ela. É triste vê-la ser falsamente elogiada. Mais triste ainda é vê-la acreditando nas mentiras. Mas enfim, será mesmo que acredita?
Os figurinos e a trilha sonora são ótimos complementos à direção de fotografia e ao roteiro. Contudo, apesar de o roteiro conseguir ganhar o espectador com a história de Marguerite e cativá-lo com várias piadas envolvendo personagens secundários, é com esse personagens secundários que reside um problema: eles são apresentados, participam de algumas cenas interessantes e até importantes para a trama e depois são deixados de lado. Talvez não fosse intenção do roteirista mostrar, mas não se sabe o destino de Hazel (Christa Théret), a cantora amadora que faz uma substituição em um evento de Marguerite e aparece cantando uma ou duas vezes depois. Ou de Kyrill Von Priest (Aubert Fenoy), o poeta anarquista-bolchevique que vê em Marguerite um modo de enfrentar o status quo. Mesmo Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide) parece ser reintroduzido na história – para sumir em seguida – apenas como uma muleta narrativa.
A trama é mais trágica que cômica. E o desfecho, onírico e simbólico, talvez não agrade a parte do público, que reclamará de um final em aberto, o qual pouco ou nada explica – ou encerra. Mas com certeza completa satisfatoriamente o arco dramático da história.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.