“Mas ouça o seguinte: pergunte a um cara que usou heroína durante anos e depois parou como foi que ele fez para conseguir parar, e isso será muito mais elucidativo que o conselho de algum clínico geral que se quer sabia como aplicar uma dose.” (p. 236)
Lançado pela Rádio Londres, Instrumental é uma narrativa equilibrada entre a biografia e um talentoso relato sobre uma difícil trajetória. Escrito pelo músico britânico James Rhodes, a polifonia se apresenta desde o título, remetendo-se tanto a música clássica, que não utiliza nenhum vocal, como aos conjunto de instrumentos necessários que compõe o próprio James Rhodes. Um homem de uma trajetória tortuosa, com marcas que lhe acompanharam a vida toda e foram reinterpretadas somente em fase adulta.
Estuprado quando criança, viciado em álcool e, posteriormente, drogas, e internado, por mais de uma vez, em um hospital psiquiátrico com um histórico de cinco tentativas de suicídio, o livro é parte do processo de cura do pianista, exibindo com autentica crueza suas dores em uma tônica em que a ironia se sobrepõe a comiseração. Rhodes dialoga com o leitor como um velho amigo, um homem que se sente confortável para expor sua alma, o trauma que lhe causou profundas marcas psicológicas e físicas, bem como apresentar a tábua de salvação de sua dor: a música clássica.
A música entrou em sua vida como um golpe luminoso, um processo catártico que, inicialmente, reconecta a sensibilidade perdida pela dor. Cada capítulo do livro cita uma importante peça clássica para o autor. Dessa forma, além de exibir parte de seu conhecimento sobre o tema, o músico também pontua brevemente sobre tais grandes autores, miseráveis na vida, geniais nas composições, um contraponto entre o trabalho árdua e a loucura. Um fator preponderante a muitos músicos clássicos que viveram em condições duras, doenças incuráveis, pesados problemas familiares, mas fizeram da música um ponto de redenção e força.
Rhodes é um pianista jovem que vem tentando aproximar a música clássica de um novo público, afinal, a música clássica é, por natureza, um grupo seleto na música, diz. Como parte de agregar o novo público, o músico convida o leitor a conhecer as músicas citadas e há até mesmo uma playlist oficial para ser ouvida online (imperdível), compartilhando anonimamente com o autor um amplo leque musical que foi responsável por ajudar a superar seus traumas.
Instrumental foi lançado quando o autor tinha apenas 38 de idade. O próprio autor questiona porquê um homem com uma longa vida pela frente escreveria uma biografia a esta altura mas, em seguida, justifica demonstrando que sua história com cicatrizes de um estupro, sequências de auto-destruição e loucura pacificada pela música fazem-no alguém ideal para rir de sua própria dor e, iconoclasta, mostrar que pode superá-la pela música, narrando uma história oficial e rindo dela ao mesmo tempo, sem auto comiseração. Um homem em harmonia com a própria trajetória.
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