Fã inveterado de boxe, Julio Cortázar usou uma metáfora do “nobre esporte” para explicar a diferença entre romances e contos: “O romance ganha o leitor por pontos, já o conto, por nocaute.” Mas se o conto ganha por nocaute o leitor, o que diria Cortázar sobre os contos curtos?
Urubus em Círculos Cada Vez Mais Próximos (Oito e Meio, 2017), o novo trabalho de Cesar Cardoso, é composto em totalidade por contos curtos que ganham o leitor tão rápido quanto os melhores nocautes descritos por Cortázar. O mérito do autor reside em três qualidades principais: os estranhamentos, as sugestões e o domínio vocabular.
O estranhamento (outra qualidade cultivada por Cortázar), se faz presente nas situações inusitadas – algumas mórbidas até – e personagens incomuns que denunciam o Eu fragmentado da urbe moderna. De fato, ao trazer a tona situações atípicas para quase todos os leitores (imagino), Cesar impulsiona o caráter empático da convivência pluricultural, e, em paralelo, chacoalha o leitor para fora da zona de conforto social. E todo desconforto provocado pela Literatura é louvável porque a boa Literatura não sobrevive sem conflito, seja da trama exposta no texto ou dos múltiplos juízos de valor da mesma história (Capitu que o diga).
Se o estranhamento tem características de corpo, a sugestão é a alma. O poder sugestivo impulsiona e intensifica as narrativas curtas, escondendo, entre frases pequenas, desfechos dos mais sensíveis, engraçados e dos mais inesperados. Talvez o leitor mais apressado subestime os contos curtos, contudo mesmo a leitura mais rápida para em diversos momentos como um carro que furou o pneu por não prestar atenção na estrada. Aos apressados, a sugestão tem esse poder de agir como o prego que martela a mente do leitor, encaminhando, inclusive, explicações das mais esdrúxulas ao desfecho dos textos. Tudo ao mérito do leitor.
Quanto ao domínio vocabular das frases curtas, descrições cinematográficas, fluxos de consciência e diálogos, estes, juntos, criam uma intensidade narrativa que acompanha os contos como uma paleta de cores ao lado do bom pintor. O leitor é um voyeur que acompanha os movimentos dos personagens no cotidiano deles sem perda vocabular – afinal não teria mérito explorar situações inusitadas se estas fossem mediadas por palavras bem comportadas ou preguiçosas que fragilizassem a cena. Não. Cesar tem experiência para dotar cada atmosfera de uma forma específica e sobretudo diferente da próximo. Cinematograficamente, é como se lêssemos os argumentos de curtas-metragens em processo de produção (a analogia é impossível porque o autor também é roteirista de TV).
Atualmente os contos curtos são vistos como uma alternativa contemporânea ao espaço exíguo nos novos meios de comunicação. Contudo, autores como Cesar Cardoso que conseguem reunir todas as características do conto tradicional em um espaço menor, desenvolvem estrutura, enredo e desfecho, e ainda atingem “nocautes” literários, sempre ascendem uma dúvida se esse tipo particular de texto não deveria ganhar um espaço só deles na Literatura.
Por fim, as histórias escritas por Cesar tem esse poder de te deixar com a pulga atrás da orelha pensando no que pode ou não ter acontecido. E para aqueles que optarem por ler antes de dormir, cuidado: você pode não dormir ou sonhar com urubus em círculos cada vez mais próximos da sua cabeça. Leitura muito recomendada.
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Texto de autoria de José Fontenele.