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  • Resenha | Histórias Rápidas Para Dias Acelerados – Samir de Oliveira Ramos

    Resenha | Histórias Rápidas Para Dias Acelerados – Samir de Oliveira Ramos

    Histórias Rápidas Para Dias Acelerados (Oito e Meio), do escritor Samir de Oliveira Ramos, costura momentos trágicos, belos, violentos e felizes com uma escrita suave e sincera. É um livro aventureiro, pois se por um lado somos levados a explorar outros cantos da América Latina, também nos embrenhamos no nordeste, na gênese do nosso país, através do cangaço, dívidas de sangue e o encantamento de uma festa de interior.

    Apenas quinze contos, em diagramação agradável, compõem o livro de estreia do escritor nascido em Fortaleza. Uma coisa notável em todas as histórias é o diálogo não-formal, cotidiano, com uma atenção especial do autor pelo vocabulário das pessoas comuns. Nota-se que Samir tem um ouvido apurado para construir seus dialogismos, pois em nenhum momento as falas de seus personagens tocam o inverossímil. Ao contrário, os diálogos sinceros presentes nos contos, sem exageros de formalidade, mas com marcas de identidade, fornecem uma importante característica de imersão que intensifica o poder das suas narrativas ficcionais.

    Por não duvidamos da individualidade de seus personagens, conseguimos nos concentrar em outros elementos essenciais: ambientação, drama e resolução do conflito. Os dois primeiros princípios mencionados são regidos com parcimônia e sobriedade; as narrativas de Samir são apresentadas despretensiosas, novamente uma marca da naturalidade do autor, e evoluem de forma ordeira, parcimoniosa, mas não decifrável, até o final nos conquistar.

    É principalmente no desfecho, esse que deve ser uma importantíssima preocupação a qualquer contista, que Samir consegue a validação e existência de suas histórias, pois o autor atinge o idealizado Punch de Julio Cortázar. O leitor é surpreendido positivamente por uma resolução de conflito coesa com o que já fora escrito e, ao mesmo tempo, criativa e não-óbvia. Ao fim da leitura dos contos sentimos aquela satisfação de quem comeu a cereja e lembrou de todo o saboroso recheio que havia antes no bolo. Contos construídos de forma firme e exitosa. Leitura bem recomendada.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | Urubus em Círculos Cada Vez Mais Próximos – Cesar Cardoso

    Resenha | Urubus em Círculos Cada Vez Mais Próximos – Cesar Cardoso

    Fã inveterado de boxe, Julio Cortázar usou uma metáfora do “nobre esporte” para explicar a diferença entre romances e contos: “O romance ganha o leitor por pontos, já o conto, por nocaute.” Mas se o conto ganha por nocaute o leitor, o que diria Cortázar sobre os contos curtos?

    Urubus em Círculos Cada Vez Mais Próximos (Oito e Meio, 2017), o novo trabalho de Cesar Cardoso, é composto em totalidade por contos curtos que ganham o leitor tão rápido quanto os melhores nocautes descritos por Cortázar. O mérito do autor reside em três qualidades principais: os estranhamentos, as sugestões e o domínio vocabular.

    O estranhamento (outra qualidade cultivada por Cortázar), se faz presente nas situações inusitadas – algumas mórbidas até – e personagens incomuns que denunciam o Eu fragmentado da urbe moderna. De fato, ao trazer a tona situações atípicas para quase todos os leitores (imagino), Cesar impulsiona o caráter empático da convivência pluricultural, e, em paralelo, chacoalha o leitor para fora da zona de conforto social. E todo desconforto provocado pela Literatura é louvável porque a boa Literatura não sobrevive sem conflito, seja da trama exposta no texto ou dos múltiplos juízos de valor da mesma história (Capitu que o diga).

    Se o estranhamento tem características de corpo, a sugestão é a alma. O poder sugestivo impulsiona e intensifica as narrativas curtas, escondendo, entre frases pequenas, desfechos dos mais sensíveis, engraçados e dos mais inesperados. Talvez o leitor mais apressado subestime os contos curtos, contudo mesmo a leitura mais rápida para em diversos momentos como um carro que furou o pneu por não prestar atenção na estrada. Aos apressados, a sugestão tem esse poder de agir como o prego que martela a mente do leitor, encaminhando, inclusive, explicações das mais esdrúxulas ao desfecho dos textos. Tudo ao mérito do leitor.

    Quanto ao domínio vocabular das frases curtas, descrições cinematográficas, fluxos de consciência e diálogos, estes, juntos, criam uma intensidade narrativa que acompanha os contos como uma paleta de cores ao lado do bom pintor.  O leitor é um voyeur que acompanha os movimentos dos personagens no cotidiano deles sem perda vocabular – afinal não teria mérito explorar situações inusitadas se estas fossem mediadas por palavras bem comportadas ou preguiçosas que fragilizassem a cena. Não. Cesar tem experiência para dotar cada atmosfera de uma forma específica e sobretudo diferente da próximo. Cinematograficamente, é como se lêssemos os argumentos de curtas-metragens em processo de produção (a analogia é impossível porque o autor também é roteirista de TV).

    Atualmente os contos curtos são vistos como uma alternativa contemporânea ao espaço exíguo nos novos meios de comunicação. Contudo, autores como Cesar Cardoso que conseguem reunir todas as características do conto tradicional em um espaço menor, desenvolvem estrutura, enredo e desfecho, e ainda atingem “nocautes” literários, sempre ascendem uma dúvida se esse tipo particular de texto não deveria ganhar um espaço só deles na Literatura.

    Por fim, as histórias escritas por Cesar tem esse poder de te deixar com a pulga atrás da orelha pensando no que pode ou não ter acontecido. E para aqueles que optarem por ler antes de dormir, cuidado: você pode não dormir ou sonhar com urubus em círculos cada vez mais próximos da sua cabeça. Leitura muito recomendada.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | Investigação Olímpica – Fernando Perdigão

    Resenha | Investigação Olímpica – Fernando Perdigão

    A narrativa policial brasileira sempre foi tímida se comparada a outros gêneros. Se analisarmos o topo da pirâmide literária, a partir dos canônicos, observaremos que certos autores flertaram com o estilo, sem a consagração de obras inseridas no gênero por completo. Ainda que o Brasil conte com uma diversificada produção em vertentes distintas, há ainda uma pequena parcela de autores que escreve literatura policial e, simultaneamente, se consagra como um bom literato.

    Lançado pela editora Oito e Meio em maio do ano passado, Investigação Olímpica é o terceiro livro de Fernando Perdigão, o segundo romance focado no Detetive Andrade, um bom personagem criado no romance anterior, A Pedido do Embaixador, com grande potencial para estar na pequena (e boa) galeria de detetives made in Brazil.

    A trama se constrói a partir do fato real dos Jogos Olímpicos realizados no país em Agosto de 2016. A narrativa destaca em maior potência a personagem e suas ações do que a trama envolvendo possíveis enigmas, demonstrando que, neste caso, o como se narra é maior do que a descrição e posterior resolução de um crime em si. Sob este aspecto, Andrade é um personagem excepcional. Distante de qualquer espelhamento com grandes detetives internacionais, trata-se de um personagem rude, vacilante entre uma inteligência mordaz e um cinismo irônico, politicamente incorreto. No físico, reflete a construção de um esteriótipo policial: o homem gordo, amante da boa comida, que se destaca a partir de sua particularidade física como exceção dentro do grupo policial. Fator que encontra pares semelhantes como, apenas para nos mantermos em dois exemplos, o rotundo Nero Wolfe do americano Rex Stout e, recentemente, Cormoran Strike de Robert Galbraith (pseudônimo de J. K. Rowling). Uma composição descritiva que contraria a excelência física, potencializado um contraste que será evidente por sua inteligência.

    Andrade parece mais uma paródia do policial do que um detetive, de fato, ciente de todas as estratégias para realizar uma boa investigação. Neste aspecto, Perdigão demonstra seu domínio narrativo e o apreço pela literatura policial. Afinal, é necessário conhecer os clichês do gênero para poder parodiá-lo e, simultaneamente, enganar o leitor com a dúvida de estar diante de um genuíno detetive ou um impostor. A narrativa se fundamenta a partir da personalidade de Andrade, rude, agressivo, preconceituoso e, através de um riso grotesco, estabelece a dúvida se, de fato, haverá um crime ou se tudo não passa de teorias de um personagem afetado, um policial em terra brasilis que embebido de nossa brasilidade justifica arroubos de inteligência sem de fato tê-la.

    Submerso à investigação policial envolvendo uma possível sabotagem dentro dos Jogos Olímpicos, a trama se destaca também na destruição das aparências, e usa com adequação um evento de alto custo, não por acaso responsável por protestos por parte da população do país, como um contraponto para apresentar o conhecido status quo do país, em que, naturalmente, o popular jeito brasileiro se destaca e permeia as ações da trama.

    A prova de que as personagens e a condução narrativa é a linha principal da obra se solidifica no desfecho quando Perdigão manda as favas um ato final com a revelação do enigma, encerrando qualquer descoberta do culpado de maneira anticlimática como se fosse apenas um caso qualquer (e de fato, o autor afirmava tal feita desde o título da obra). Sem, com isso, destruir a narrativa, afinal, Andrade é a grande história e se revela um personagem autêntico daqueles que parte dos leitores terão uma relação definida entre amor e ódio, mas composto com vigor para se tornar inesquecível.

    Investigação Olímpica – Mais um caso ordinário do detetive Andrade é um respiro favorável a nossa literatura policial, com um bom personagem autêntico em um estilo tragicômico que se alinha com os contrastes de nosso próprio pais-natal.

    Compre: Investigação Olímpica – Fernando Perdigão