Poirot contra a névoa assassina do passado
Publicado em 1942, Os Cinco Porquinhos, da dama do crime Agatha Christie, é mais um caso rocambolesco que cai no colo do excêntrico detetive Hercule Poirot. Dessa vez, Poirot é contratado para inocentar a condenada de um assassinado que ocorreu dezesseis anos antes. A reconstrução do passado é o obstáculo para o detetive. Isso o inflama a tal ponto de aceitar o caso.
O livro começa com a jovem Carla Lemarchant procurando Poirot. Ela conta que seu pai, Amyas Crale, um famoso pintor, foi envenenado e, à época, a mãe dela, Caroline, fora julgada e condenada com prisão perpétua pelo crime. Contudo, pressentindo a morte, a mãe deixa uma carta à filha (com apenas 5 anos na época), onde alega inocência. Poirot se recorda superficialmente do crime, mas é fisgado pelo desafio.
O principal desafio do detetive é remontar os acontecimentos que culminaram no crime. Para isso, ele delimita os suspeitos as cinco pessoas que estavam no momento da morte do pintor, a saber: a amante dele (a amante morava com o casal), a governanta, a esposa do pintor, e um casal vizinhos que frequentava a casa. A amante fazia-se de modelo, e vice-versa, na casa de Amyas. Ele pintava um grandioso quadro e, às escuras, fazia juras de largar a esposa e fugir com a modelo/amante. A esposa passou a perceber a situação, e, segundo o julgamento do caso, foi isso que motivou a esposa a cometer o assassinato envenenando a cerveja dele entre uma pincelada e outra no jardim.
Poirot está com sorte: todos os suspeitos e ainda alguns magistrados que participaram do julgamento ainda estão vivos. Com esse benefício, o desenvolvimento da história flui com entrevistas do detetive com os suspeitos daquela época. A surpresa é que cada suspeito e advogado têm opiniões diferentes sobre a esposa do pintor, dificultando que Poirot determine a personalidade da condenada. Para driblar isso, Poirot se concentra no exame minucioso de fatos paralelos, chegando até a pedir que cada entrevistado escreva os acontecimentos que culminaram na morte do pintor. O detetive recebe essas descrições e a partir do exame de peculiaridades ao longo daquele dia, consegue dar um parecer diferente do proferido dezesseis anos antes.
O estilo de Christie, ou pelo menos o que ela imprime enquanto é a títere por trás de Poirot, é essencialmente minucioso e dialogista. Ela trabalha com diferentes personagens e consegue imprimir personalidades distintas em cada um deles. Um trabalho notável que desenlaça alguns perfis que faziam parte da sociedade do início do século XX. Em Os Cinco Porquinhos temos o artista obstinado e cheio de vícios, a esposa fiel e resiliente, a jovem paixão que confunde-se com poder financeiro, novos burgueses, ciúmes entre casais, a governanta severa que preza pela solidez das instituições básicas, etc.
O que talvez torne enfadonha a leitura é a vagarosidade pela qual os detalhes importantes são apresentados. Diferentemente de outros trabalhos, nesse, Poirot não é tão veloz quanto antes, ele dá tempo ao entrevistado/suspeito e os interrogatórios por vezes se desenrolam em minúcias aparentemente sem importância, mas que para a mente tétrica do investigador, carregam a solução do caso. Por fim, é um belo livro, os desenlaces finais são fiéis a lógica interna da narrativa e conferem um ótimo desfecho – uma característica de todos os livros de Agatha Christie.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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