Não Há Nada Lá (Companhia das Letras, pelo selo editorial Má Companhia), do escritor Joca Reiners Terron, é um romance poliédrico e caótico que tem como fio narrativo (ou filosófico), a literatura e a escrita em si. Trata-se de uma homenagem? Talvez. Ou quem sabe um emplastro de referências recheadas com ocultismo e linguagem culta? Talvez. Certeza apenas que, após a leitura, o leitor não será o mesmo. E isso é muito bom.
A Literatura é algo que chacoalha a gente, não duvide, mas poucos escritores têm o poder ou a intenção de realmente fazer o leitor experimentar um pouco (ou muito) de desconforto. Terron segue os passos de William S. Burroughs (presente no livro), um pouco de Thomas Pynchon, pitadas de David Foster Wallace, Ricardo Piglia, temperadas com o mago Aleister Crowley (outra figura do livro), e outras cositas paranoicas e tresloucadas, para fazer o leitor, desde o mais atento ao mais passivo, cair da cadeira e despertar os olhos para a leitura.
A escrita concisa, rica em imagens e referências, é tecida com esmero vocabular e frases muito bem construídas. Por aí já percebemos os méritos literários do autor. A cobertura do bolo literário são as imagens paranoicas, distorcidas e grotescas que por vezes formamos durante a leitura do livro. Aliás, a figura poliédrica da capa, que posteriormente identificamos como o Tesseract, adentra as páginas do livro e dá pista de como a leitura e a escrita se reinventam dentro e fora de si.
Esta metáfora digna de ouroboros, a transformação ininterrupta e canibalizadora, é o fio por trás de todas as cenas lisérgicas que pululam na leitura; não por acaso, o título da obra é um não-título na medida que disfarça, desentende, o que há lá. Ou seja, Não Há Nada Lá, porque sempre houve, mas em nano escala, em todas as dimensões e ao mesmo tempo. “O quê?” Perguntará o leitor. A escrita, o livro, pois, como o autor escreve em determinado trecho, “a palavra opera na mais negra das escuridões”.
Livro pequeno, mas enfezado, desconcertante e surpreendentemente bem estruturado. A princípio, a suposta desorganização de capítulos (eles seguem ordem decrescente), buscam desnortear o leitor. Contudo, a sequência e fluência dos acontecimentos são narrados com domínio e concisão, as descrições são exatas, sem sobras e os diálogos bem projetados. O que arregala os olhos são mesmo as imagens esdrúxulas e os personagens Grande Guitarrista, Gui-o-Guri, Jaime Hendrix, Arthur Rimbaud, papa Pio XI, Fernando Pessoa, entre outros.
Há algo em Não Há Nada Lá. Um livro bem escrito e desconcertante que presta honras à Escrita e aos Livros enquanto vórtices de criação e recriação do universo. Leitura bastante recomendada.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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