Frank Miller é conhecido mundialmente por ter sido um dos maiores quadrinistas da era moderna. Suas obras passam por uma fase espetacular à frente do Demolidor, além da repaginação do Batman em Cavaleiro das Trevas e uma nova origem para o Homem-Morcego, em Ano Um. Com o tempo, ele invadiu outras mídias, sendo argumentista e roteirista de Robocop 2 e Robocop 3, e co-diretor de Sin City, junto a Robert Rodriguez. Para sua primeira e única produção solo como diretor, ele decidiu adaptar o clássico pulp de Will Eisner, The Spirit, trazendo à luz um filme controverso, para dizer o mínimo.
O visual que Miller escolheu para retratar a atmosfera das histórias do herói faz lembrar muito o que ocorreu em Sin City, com o uso de cores bastante diferenciado onde quase tudo é preto, com exceção de poucos pontos iluminados, destoante demais dos quadrinhos mais clássicos do vigilante mascarado. No começo do filme de 102 minutos, há até a sensação de que ele não será tão catastrófico quanto ele se revela no final da exibição, graças a tentativa de atualizar o tema do personagem, a questão é que essa atualização passa por problemas conceituais terríveis e só se mostra minimamente acertada nos primeiros minutos do longa.
Em Dick Tracy, Warren Beatty também se apropria de um personagem antigo e consegue dar um ar diferenciado a ele que, apesar de cartunesco, funciona em tela, tanto para plateias que não conhecem o personagem como para os aficionados. Com Spirit, isso não ocorre. O filme tem cenas detestáveis, sequer os números de luta fazem sentido, especialmente àqueles com Gabriel Macht brigando munido do traje de Spirit em um ambientes sujos e lamacentos com Octopus (Samuel L. Jackson). A construção visual desse personagem também é controversa demais, por se utilizar de elementos que dificilmente um personagem negro lançaria mão, mesmo que ele esteja presente em um universo maniqueísta, escapista e sem nuances como os quadrinhos antigos. Nas HQs, ele não revelava suas feições, ou seja, não se sabe sua etnia, se o roteiro de Miller decide transformar ele num homem negro soa no mínimo irresponsável tentar associa-lo a suásticas e uniformes da polícia alemã nazista, e até surpreende que Jackson tenha aceito essas indumentárias sendo tão consciente das questões políticas que essas envolvem.
A realidade é que a abordagem escolhida pelo diretor é ainda mais anacrônica do que eram as revistas nos anos quarenta. Nenhum homem ou mulher que aparece em tela não se vale de pelo menos um estereotipo raso e extremamente pobre, há uma exploração muito vazia a sexualidade do belo elenco feminino, que conta com Scarlett Johansson, Eva Mendes, Sarah Paulson e Jaime King. A fórmula utilizada em Sin City claramente não combina com Spirit, não servindo nem como adaptação preocupada com fidelidade à obra de Eisner, muito menos como a modernização de um ícone dos quadrinhos. O longa conta ainda com atuações histriônicas e típicas dos piores teatros infantis, um roteiro que não faz muito sentido e uma abordagem repleta de sensacionalismo barato que afronta qualquer fã de histórias em quadrinhos. Há quase nenhum acerto em The Spirit: O Filme e para quem é fã de Miller tudo soa ainda mais melancólico e lamentável.