Paul Schrader, escritor de filmes como Táxi Driver e Touro Indomável, conquistou Veneza em 2017 com o que sabe fazer melhor, um estudo de personagem, mas dessa vez se provam na direção. No Coração da Escuridão traz consigo vislumbres dos outros trabalhos de Paul, mas se destaca por tratar de temáticas de fé e meio ambiente, explorando os limites e a finitude da raça humana em relação a ambos.
Ethan Hawke é Toller, um padre inabalável que cuida da Primeira Reformada, uma igreja que já passa dos duzentos anos. Perturbado por um passado trágico, sem grandes esperanças em si próprio e com problemas alcoólicos, Toller passa a narrar teus pensamentos em um diário durante um ano, até que um jovem casal – formado por atuações altamente sensíveis de Amanda Seyfried e Philip Ettinger – lhe solicita conselhos que refletirão na vida dos três.
Com um formato de tela 4:3 e planos sempre estáticos e friamente compostos, a perspectiva da personagem de Hawke é muito efetiva em transmitir as suas grandes questões, parado no lugar tendo seus pensamentos ricocheteando e sempre voltando para si. Muitas vezes com a câmera extremamente próxima a teu rosto, como uma testemunha, Hawke entrega uma das melhores performances do ano, o passado é marcado em tuas falas limitadas ao necessário e sua desesperança é gritante no olhar.
Através dos olhos de nosso anti-herói, Schrader conduz o filme em meio a imprevisibilidades e duras reflexões sobre o futuro do planeta Terra, primeiro assusta e aos poucos nos acostuma com a ideia de que a própria existência humana já é duvidosa, assim como nossa fé, nosso sistema e nossos próprios esforços para ignorar tudo isso. E conduz isso em meio ao cinza de igrejas e chãos extensos de uma madeira marrom polida que parecem ter se perdido no mundo dos negócios. Não há mais onde se buscar ajuda.
De forma niilista, No Coração da Escuridão caminha a passos calmos para um final intrigante e belamente, em meio a certas circunstâncias, compreensível. Schrader traz a reflexão dos tempos e toca em feridas entreabertas que nem nós, nem o cinema, temos coragem de mostrar.
–
Texto de autoria de Felipe Freitas.