Depois de entrevistar Nathan Matos, da Editora Moinhos, o Vortex Cultural conversa com Eduardo Lacerda, editor da paulista Patuá em nossa série sobre editoras independentes e o momento de baixa do mercado literário no país.
A editora Patuá (http://editorapatua.com.br/) abriu as portas em 2011 e conta com quase 700 títulos no catálogo. Com foco em Literatura Contemporânea, publica gratuitamente poesia, conto, crônica e romance. Entre seus prêmios, conquistou duas vezes o Prêmio São Paulo de Literatura, outras duas vezes o Prêmio Jabuti e o Prêmio Açorianos, além de figurar com autores e autoras finalistas e semifinalista em vários prêmios literários do país. Além de tocar a Patuá, Lacerda também administra o Patuscada, um bar/livraria na Vila Madalena onde realiza os lançamentos da editora e funciona como point literário na região. Confira a entrevista completa abaixo.
Vortex Cultural: A queda do número de livros vendidos parece estar concentrada nas grandes editoras (Companhia, Record e Sextante, principalmente). Isso significa que o modelo de trabalho das grandes editoras está ultrapassado?
Eduardo Lacerda: As grandes editoras, alinhadas com o pensamento de nossa elite, nunca se preocuparam na formação de público leitor, que no fim é público consumidor de livros. Sabemos que o descaso com a educação e com a cultura são projetos. Também estamos em uma época de menos dinheiro circulando no país, da mudança de cultura do impresso para o digital (embora o livro digital ainda não seja uma prioridade para nossos leitores). Mas pensando em uma lógica capitalista, fazer uma quantidade maior de produtos significa ter preços unitários menores. Hoje é possível fazer livros de qualidade por menos de R$ 2,00 (para uma editora pequena o custo de produção fica em R$ 15.00), então esse modelo de produzir altas tiragens não está ultrapassado, o que está ultrapassado é não entendermos que sem público leitor, não há público consumidor de livros. Que todas as pessoas desse país precisam ter acesso ao livro, precisamos de bibliotecas, de livrarias, de valorizar os profissionais da cadeia do livro. Mas, como sou um editor de uma editora independente, não sei dizer se esse modelo das grandes editoras está ultrapassado, eu acho que não, mas é um modelo que pouco me interessa (embora me interesse ter títulos feitos em altas tiragens e poder vendê-los a preços acessíveis e encontrando mais leitores).
Vortex Cultural: Outro grande problema para o mercado é que as grandes livrarias não estão repassando o dinheiro das vendas às editoras. Atualmente, o pior lugar para vender livro é em uma livraria?
Eduardo Lacerda: Eu sempre evitei vender livros em livrarias, mas é importante deixar claro que adoro livrarias e considero uma parte importante para que as pessoas tenham acesso ao livro. Mas, como todo negócio, a maior parte das livrarias que temos prioriza o lucro e não o livro e a Literatura. As livrarias cobram de 40-55% do preço de capa de um livro, pegam o produto em consignação (com possibilidade de devolução se não for vendido), o frete é sempre responsabilidade da editora, é um negócio quase perfeito e sem riscos. O autor não ganha 50% do preço de capa, a editora não ganha 50% do preço de capa (e ainda que ganhe, ela assume todos os riscos da edição, não pode consignar a impressão dos livros, por exemplo). A livraria acaba não assumindo nenhum risco, mas aceitamos – por décadas – esse sistema para conseguir ter um mínimo de distribuição. A internet, a venda direta, a Amazon, a Estante Virtual e outras plataformas tiraram o protagonismo das livrarias que precisam se reinventar. Elas, mais do que as editoras, têm sim um modelo ultrapassado. Agora, é importante dizer que o que está ultrapassado é o modelo de negócio, não a nossa necessidade de mais livrarias. Um governo sério daria incentivos à criação e manutenção de livrarias no país, não destinar recursos milionários para uma rede, como o aporte que a Livraria Cultura recebeu há alguns anos, mas incentivos como isenção ou redução de impostos, por exemplo.
Vortex Cultural: Em quais características diferem o modelo de negócios de uma editora independente e de uma de maior porte?
Eduardo Lacerda: Cada editora tem um modelo de negócio próprio, mesmo as independentes, cada uma trabalha de uma maneira (o que é incrível e abre possibilidades para a criação de editoras plurais e democráticas). Não acho que o trabalho das editoras independentes é melhor (embora mais democrático e diverso), nem que o das grandes é menos importante (embora seja urgente darem maior espaço e visibilidade). Precisamos fortalecer toda a cadeia do livro, isso inclui desde pequenas editoras que trabalham com tiragens de 5 exemplares (ou menos), com tiragens únicas, com livros artesanais, impressões em casa, livros cartoneros, passando pelas editoras independentes como Patuá, Moinhos, Oito e Meio, que, apesar de pequenas e independentes, trabalham com um formato de livro mais tradicional e constam atualmente na lista dos maiores prêmios literários, até as editoras grandes, que publicam best-sellers. Não acredito que existam inimigos disputando nada nesse meio (ou pelo menos acredito que não deveríamos).
Vortex Cultural: Quais são os melhores parceiros para uma editora independente? Influenciadores digitais (booktubers, resenhistas de blogs, perfis de Instagram sobre livros etc) são os melhores aliados para vendas?
Eduardo Lacerda: As editoras independentes precisam se reinventar todos os dias e todos os dias aparecem novas oportunidades para isso. Novas plataformas, novas redes sociais, novos eventos. Dependendo do perfil editorial de uma pequena editora um resenhista de blog funciona mais para as vendas do que um booktuber, mas acho que é necessário buscar ocupar todos os lugares, respeitar os diferentes trabalhos e criar cada vez mais espaço para o livro.
Vortex Cultural: Com o maior número de editoras, feiras literárias independentes despontam e ganham corpo pelo país. Você acredita que essas feiras concorrem com as livrarias? Por quê?
Eduardo Lacerda: Eu insisto que não há (ou não pode haver) concorrência e quero acreditar que as feiras ajudam a formar público que depois frequentará as livrarias. Feiras são eventos, eventuais, não estão no dia a dia das pessoas, dos leitores. São importantes e cumprem sua função, sim, mas o público precisa ter acesso sempre, todos os dias, em todos os lugares. Gosto de pensar que um homem ou mulher qualquer, que nunca entrou em uma livraria, pode descobrir livros bons em uma feira e procurar outros em uma livraria. Para isso, é claro, precisamos de mais livrarias (e de mais feiras, mais eventos, mais leitores).
Vortex Cultural: Por vezes as editoras independentes passam uma ideia de maior proximidade com o público que lê seus livros. É no melhor relacionamento com seus leitores que uma editora independente encontra sucesso? Quais outras características destaca como fundamentais?
Eduardo Lacerda: Costumo dizer que existem 3 camadas de leitores para um autor estreante / desconhecido (e um autor pode ter dezenas de livros e ainda ser desconhecido): a primeira camada é formada por amigos, parentes e colegas de trabalho, quanto maior a rede da pessoa, maior o número de “compradores” do livro em um lançamento, esses primeiros leitores não devem nunca ser desprezados, eles não só ajudam o trabalho do livro começar, como, apesar de parentes e amigos, podem ser leitores do livro (e não comprar apenas pela proximidade com o autor), já vi muita gente como tia, primo, sobrinho comprar um livro pela primeira vez na vida pela proximidade com o autor e depois se tornar um leitor frequente. Formar leitores passa por dar acesso ao livro para as pessoas.A segunda camada é formada por outros escritores, críticos, jornalistas, professores, pessoas que se interessam por Literatura, mas que ainda mantém um interesse externo à obra, geralmente essa camada de leitores não adquire / compra o livro, acaba ganhando ou trocando (livros e leituras), essa camada pode ajudar a sedimentar um livro, a torná-lo conhecido (de uma centena de pessoas, mas conhecido), a encontrar a última camada de leitores.A última camada é a do leitor que não tem nenhuma relação com o autor, que se interesse apenas pela obra, pelo que está escrito. Esse leitor, talvez o leitor ideal, aquele que todos os escritores procuram, que vai se debruçar e ler o que está escrito sem se preocupar, desculpe a brincadeira, se você vai tomar cerveja com ele depois, se vai ler também seu livro, esse leitor é muito raro de encontrar, mesmo porque sabemos que o público leitor ainda é pequeno, mas a quantidade de livros publicados não para de crescer. As pequenas editoras passam mesmo essa imagem de proximidade com os leitores, sabendo da importância deles estamos sempre nos lançamentos, nos eventos, nos debates, feiras, festas, mas a proximidade com o leitor vem da leitura do livro, é isso que estamos perseguindo.
Vortex Cultural: Por fim, qual comentário/informação acha pertinente destacar quando tratamos de editoras independentes?
Eduardo Lacerda: O que me encanta hoje no mercado editorial é saber que qualquer pessoa em qualquer local do país pode criar uma pequena editora independente e criar livros que dialoguem com seu espaço, com sua cultura, com sua região, valores, arte. É uma revolução muito maior do que as pequenas-grandes editoras independentes como a Patuá. Quero dizer, acho que um garoto ou garota que se arrisque a conhecer a Arte e a Literatura de sua cidade, de sua região, que se aventure a produzir onde muitas vezes nada é feito, em cidades que não têm nem bibliotecas e nem livrarias, isso é muita coragem e tenho visto isso acontecer todos os dias.
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Texto de autoria de José Fontenele.