Julia acorda e começa a falar com Gustavo, que está atrás da câmera. Ela declara que detesta ter insônia e ela sequer sabe que gravam. Ela é Julia Katharine, uma mulher trans que é o centro das atenções do filme de Gustavo Vinagre, e Lembro Mais dos Corvos é basicamente sobre Julia, que é a dona da história e sua narradora.
O tempo inteiro a biografada pergunta o motivo do filme, e o que o diretor queria com as falas dela. Aos poucos ela se abre, e fala sobre sua intimidade. Julia se descobriu cedo, aos 8 anos, e com seu tio avô que tinha 55. Ao mesmo tempo em que ele era o herói de sua mãe, ele era o único que a tratava como mulher, e os dois começaram a ter uma relação. O namoro dos dois era escondido e ao menos na intimidade eles se davam muito bem. Julia não sabia que estava sendo abusada, só chegou a essa conclusão na terapia quando já era adulta e a relação acabou de repente, basicamente porque ela cresceu.
Aos poucos ela revela detalhes de seu gosto por filmes tristes, e diz que segundo a sua mãe, ela tenta reproduzir seus filmes preferidos o tempo inteiro, mirando uma poesia no cotidiano, como uma Drama Queen normalmente é. A câmera é nervosa, e Gustavo claramente tem problemas com o foco, e isso de certa forma conversa com o ideal da vida, que também é imperfeito.
Em alguns pontos, o filme não soa tão interessante, por serem problemas meio usuais os que Julia tem como boa parte da humanidade e apesar dela ter um lado muito positivo, as confissões passam por problemas sérios, como com a sua mãe, que a culpa por estar afastada do restante da família, basicamente porque resolveu se assumir mulher trans.
Julia conversa muito bem, é espontânea e uma mulher muito inteligente, em suma é uma personagem muito rica e muito bem enquadrada por seu diretor e amigo. Seus questionamentos a respeito do porquê do filme simplesmente não fazem sentido, pois ela transborda o suficiente para encher este e outros tantos. No final, ela mostra o amanhecer da cidade, uma das poucas coisas boas de se ter insônia e isso funciona para si como terapia, assim como consumir e fazer cinema.