Melodia do Mal (Tordesilhas), do sueco John Ajvide Lindqvist, é um thriller sobrenatural que, em longo prazo, se propõe a investigar o desenvolvimento da empatia nas pessoas e quais comportamentos ou emoções seriam mais características dos seres humanos. Tudo isso por conta de Theres, a protagonista da história, uma menina que, fora a aparência, não sabe muito sobre como ser humana, para dizer o mínimo.
A história começa com o músico fracassado Lennart Cederström encontrando uma menina dentro de um saco na floresta. Ela foi deixada para morrer em uma pequena cova e Cederström a encontrou quando, na verdade, procurava cogumelos. Aliás, ele só a acolhe por conta de ela cantar divinamente, algo que ecoa como o mito grego de Orpheu. Esse poder sobrenatural da música faz com que ele a leve para casa e resolva não comunicar às autoridades, mas mantê-la como uma filha escondida no porão. O filho do músico, Jerry, quando descobre, tem ciúmes da Pequenina, e vamos descobrindo o quando essa família é fragmentada.
O casamento de Cederström não ia bem e seu filho é um canalha em desenvolvimento pleno. Jerry gosta de extorquir os pais e começa a ser violento com a menina, mas ela não chora, revida com mordidas, e o menino gosta, pois a brutalidade dela é algo que o interessa e excita. Além da violência, Theres têm problemas de empatia; ela parece não sentir carinho ou afeição pelas outras pessoas.É fria, tem a atenção para dentro de si e vai se revelando uma criança sobrenaturalmente perturbada, algo como um ser desconhecido vestindo uma fantasia de humana (Donnie Darko feelings).
Logo chegamos ao primeiro ponto de virada do livro, Theres mata seus pais postiços e o livro ganha uma névoa constante de violência em qualquer situação. A sensação é justamente essa: uma menina sem pudores quanto à morte, porque como ela não se vê parte da humanidade, Theres encara uma predadora da espécie humana. Além do mais, para a menina, os humanos, ao morrer, deixam uma “fumaça” que ela pode respirar após a morte para preencher o vazio dentro de si.
Um livro complexo, sem dúvidas, que tenta investigar a maldade e a construção da empatia humana. Todos os personagens têm uma atmosfera de desajuste, de violência física ou sexual ou de simplesmente não ligar para os outros. É uma investigação sobre a humanidade com alguns dos piores exemplares possíveis de pessoas. Continuamos a leitura por conta disso, talvez.“Melodia do mal” tem quase 500 páginas, uma dezena de personagens, arcos complexos e carrega uma névoa tarantinesca sobre si.
O estilo de Lindqvist é conciso, detalhista e acolhe muitas referências atuais e mitológicas, o que torna a narrativa ainda mais palpável e assustadora. Leitura para dormir com aquele frio na espinha.
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Texto de autoria de José Fontenele.