Hollywood vive de identificar e seguir padrões. O que antigamente era feito do feeling de produtores de mente privilegiada, capazes de gerar novos formatos, ou por aqueles que observavam esses novos formatos à sua volta e corriam atrás do lucro, hoje é realizado por uma grande equipe que traça perfis e modela comportamentos a fim de antecipar tendências de mercado antes de seus concorrentes. Um mundo cada vez mais rápido exige decisões que o alcancem, e o resultado desse esforço descoordenado é uma leva de filmes todos quase iguais entre si. Quem não se lembra do ano em que parecia que no cinema só havia filmes com a Branca de Neve?
Assim como a moda, o cinema segue o mesmo ciclo de tendências com períodos de uma ou duas décadas iniciadas com a descoberta, a solidificação, a era de ouro (era dos clássicos), fórmula, desconstrução e por fim a sátira ou hibridização/retomada. Vivenciando parte do período de desconstrução e início da hibridização, observa-se a tentativa de negação do maniqueísmo dos contos de fadas, bem como o distanciamento de seu caráter eventualmente conservador e machista.
Novos olhares sobre os contos de fadas, vilões como protagonistas, quebra de paradigmas e uma série de tentativas ̶ muito idênticas entre si ̶ de reanimar este gênero tão precioso e que não precisa ser tão tão distante. Abaixo, uma humilde lista de reinvenções ou categorizações novas ou simplesmente repetidas:
Caminhos da Floresta, por Marcos Paulo Oliveira
Na recente leva de filmes que buscam diversificar e voltar um novo olhar sobre os contos de fadas clássicos, Caminhos da Floresta surge como uma grata surpresa ̶ em partes porque a expectativa não era muito mais alta do que algum dos sete anões ̶ e estabelece um bom ritmo durante o primeiro e segundo atos. Com a trama claramente dividida em duas partes, que se propõem a mostrar a interação entre diversos contos de fadas coexistindo num mesmo universo, o filme se perde ligeiramente ao inserir conflitos desnecessários no desfecho, deixando a sensação de que ou algo muito importante faltou, ou algo muito bobo sobrou. No caso, a resposta é a segunda opção. Mas essa falta de foco não é impedimento para apreciar as boas performances musicais, em especial as de Emily Blunt e Meryl Streep, bem como o levantamento de questões inerentes aos contos de fadas, que por traduzirem-se nos chamados arquétipos universais, são capazes de representar os mais variados temas. Vale como nota a participação de Johnny Deep como Lobo Mau em um visual que, apesar de bonito e ousado, destoa do resto da direção de arte, o que pode incomodar por algum tempo os mais sensíveis à proposta de seu personagem propositalmente fake. Interessante, bonito e elegante, há conteúdo para que os tropeços e pedras no caminho sejam relevados para apreciação deste bom musical.
Alice no País das Maravilhas, por Doug Olive
Era uma vez um cineasta imperturbável e incorruptível em seu ofício e identidade, senão disposto a corroer qualquer quesito autêntico do artista em prol dos padrões que filmes populares precisam ter para garantir um retorno lucrativo certeiro – o mais garantido possível. Não apenas por ser ofensiva em relação ao sublime conto de Lewis Carrol, com ideias que destoam da qualidade das ideias originais: Tim Burton e cia. deturparam em 2010 o sublime de um universo maravilhosamente bizarro para extrair um bizarro do tipo esnobe e arrogante, direto de uma magia e inocência subestimadas e constantemente atacadas numa história mais realista que surreal, como é possível notar em inúmeras cenas chave. A apropriação de Alice no País das Maravilhas e do trágico Sombras da Noite são os únicos filmes de Burton em que seu inconfundível tom bizarro, por nós atestado em Edward Mãos de Tesoura e Ed Wood, é confundível e incrivelmente preguiçoso.
Peter Pan, por Doug Olive
Adaptar a cultura popular é pior que surpreender esse mesmo senso, devido ao grau de expectativa diante do feito heroico de traduzir tradições para uma nova versão, público e mentalidades. Trazer o menino que não queria crescer para encantar jovens e adultos atuais que não querem amadurecer, e enxergam em filmes de super-herói e livros de vampiros diurnos uma longa rota de imaturidade, não poderia ser difícil. Nas mãos certas, com certeza não, fato que o filme que revive a lenda em plena Terra do Nunca é falho do figurino “carnaval amador” de Peter aos ponteiros do relógio na barriga do crocodilo Tic-Tac. O penalty desta versão, anoréxica e frágil, por não propor nada de novo ou interessante ao conto de J. M. Barrie, é ser esquecido em inevitáveis cinco minutos depois de uma projeção entediante. Nem fábula, nem conto, sonífero. E como se não bastasse o efeito, fica a ressaca de brinde.
João e Maria: Caçadores de Bruxas, por David Matheus Nunes
Pegando carona na onda de adaptações mais sérias e adultas dos contos escritos pelos Irmãos Grimm e indo em direção contrária às adaptações mundialmente conhecidas pela Disney, João e Maria: Caçadores de Bruxas conta uma aventura vivida pelo casal de irmãos que, após o evento traumático sofrido em sua infância, quando os dois foram presos e quase comidos por uma bruxa, decide caçar essas estranhas e cruéis criaturas. João (Jeremy Renner) e Maria (Gemma Arterton) chegam a um pequeno vilarejo para investigar o desaparecimento das crianças do local. A investigação não demora muito para colocar a dupla em confronto direto com a antagonista da trama, a bruxa Muriel (Famke Jansen). O filme, infelizmente, é muito curto, não deixando espaço para um melhor desenvolvimento dos personagens. Em contrapartida, a diversão ainda é válida, uma vez que a parte artística da produção é bem elaborada, desde a fotografia até o visual de todas as bruxas que compõem o longa, cujas aparências são fantásticas. Além disso, o filme tem boas doses de violência, deixando de lado o teor de conto de fada.
Malévola, por David Matheus Nunes
Após um hiato de três anos longe das telas, a atriz Angelina Jolie marcou seu retorno triunfal em Malévola, vivendo a personagem do título que adapta uma passagem de A Bela Adormecida. O filme, uma super produção de quase 200 milhões de dólares, muda em alguns pontos o conto original, narrando a origem de Malévola e mostrando seu passado, quando viveu uma história de amor com o rei Stefan (Sharlto Copley) que culminou com a maldição que a transformou numa feiticeira cruel e amargurada. A história também deixa claro que Malévola sempre teve uma relação de carinho e afeto com a bela, e futuramente adormecida, Aurora (Elle Fanning), filha de Stefan. Aliás, a parte que realmente adapta o conto dos Irmãos Grimm é uma das mais prejudicadas, talvez pelo fato de não ser o foco do filme. Apesar de não ser excelente, a película traz um final surpreendente, embora suspeitada, em uma decisão ousada tomada pela roteirista Linda Woolverton.
Hook: A Volta do Capitão Gancho, por por Bernardo Mazzei
O ano era 1991 quando Steven Spielberg resolveu dar sua visão própria e toda especial para a fábula de Peter Pan. A história mostrava um Peter mais velho e sem memória de sua vida na Terra do Nunca, sendo levado de volta pelos Garotos Perdidos para, mais uma vez, combater a ameaça do Capitão Gancho. Apoiado em boas atuações de Robin Williams e de Dustin Hoffman, o filme mostra-se uma excelente diversão, apesar de parecer irregular em alguns momentos.
Branca de Neve e o Caçador, por Bernardo Mazzei
Estrelado pela dupla Chris Hemsworth (Thor, Os Vingadores) e Kristen Stewart (a Saga Crepúsculo), Branca de Neve e O Caçador apresenta uma visão dark da fábula da moça que come a maçã envenenada pela bruxa. Com um visual bem interessante e de forte apelo, o filme patina um pouco devido ao roteiro confuso e seu ritmo vacilante. Chris Hemsworth até que se sai bem como o Caçador, mas a cara de tédio de Kristen Stewart não desperta a menor empatia. Pelo menos Charlize Theron, em um overacting digno de Nicolas Cage, ajuda a segurar um pouco a onda, e no fim, quase acabamos torcendo por ela. Vale uma espiada.
Irmãos Grimm, por Bernardo Mazzei
Dirigido por Terry Gilliam e protagonizado por Heath Ledger e Matt Damon, Irmãos Grimm tinha tudo para dar certo. A trama colocava os autores das fábulas como dois vigaristas que aplicavam golpes simulando fenômenos fantásticos. Porém, ao se depararem com um verdadeiro evento de “conto de fadas”, a dupla teria que criar coragem e combater a ameaça. No entanto, apesar da boa atuação da dupla de protagonistas e dos coadjuvantes, a briga interna entre o diretor e os produtores, Harvey e Bob Weinstein da Miramax, nos deixou como resultado um filme mediano, que não engrena totalmente e que possui péssimos efeitos especiais, principalmente em seu terço final. Por terem o privilégio do “corte final”, os produtores possivelmente estragaram uma película que tinha tudo pra ser sensacional, visto a intimidade de Terry Gilliam com elementos fantásticos.
Jack: o Caçador de Gigantes, por Filipe Pereira
Bryan Singer passava por uma pequena crise criativa após retirar-se da franquia dos mutantes da Marvel. Após Superman – O Retorno, o diretor só conseguiria retornar aos tempos de glória em X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, fazendo nesse meio tempo a produção executiva de X-Men: Primeira Classe, de onde retiraria seu protagonista, Nicholas Hoult. João – ou Jack – é um jovem fazendeiro que se vê em meio a um imbróglio envolvendo uma princesa sequestrada, que, antes de sumir, havia se apaixonado por ele. A adultização do conto não se diferencia dos seus primos pares, mas consegue reunir um roteiro ainda mais caótico do que João e Maria, Malévola e Branca de Neve e o Caçador. Um filme genérico, enfadonho e com uma direção fraca em comparação com os piores momentos de Singer, sendo este possivelmente o mais execrável de seus filmes, especialmente pelo grotesco aspecto imbecilizado e visualmente patético dos gigantes, não acertando a mão nem em uma visão madura, nem em algo digno para as crianças.
Beleza Adormecida, por Filipe Pereira
Os irmãos Grimm não inventaram qualquer um dos seus contos. Seu trabalho foi mais de curadoria, reunindo em textos as tradições orais famosas. Nas transposições da Disney, houve uma grande suavização dos textos redigidos. No filme de Julia Leigh, toda a perversão presente no imaginário popular ganha corpo e nudez no drama de Lucy, vivida por Emily Browning no auge de sua forma física. Para suprir suas carências emocionais e monetárias, a personagem entra para a meretrício, atendendo a um nicho formado por homens que exalam degradação moral e carnal e que mal conseguem controlar sua libido. O título em comum – Sleeping Beauty – foi muito bem traduzido como Beleza Adormecida, uma vez que representa a bela pele exposta de Browning, referenciando o estado em que ela “trabalha”, sempre dopada para aplacar a vergonha e infâmia dos próprios serviços.
Menções honrosas também a Oz: Mágico e Poderoso, de Sam Raimi; o filme protagonizado por Amanda Seyfried. A Garota da Capa Vermelha, dirigido por Catherine Hardwicke (diretora de Crepúsculo); o crássico Floresta Negra; o moderno e videoclíptico A Fera, com Vanessa Hudgens; o recente Um Conto do Destino; a reprise constante da Sessão da Tarde Para Sempre Cinderela; o live action com Amy Adams e Patrick Dempsey, Encantada; e A Bela e a Fera, protagonizado pelos belos Vincent Cassell e Léa Seydoux; além dos seriados Grimm, Once Upon a Time e a fantástica obra em quadrinhos de Bill Willingham, Fábulas, da Vertigo.