Categoria: Cinema

  • Crítica | Huckabees: A Vida é uma Comédia

    Crítica | Huckabees: A Vida é uma Comédia

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    A introdução escolhida para este I Heart Huckabees é um arroubo de insatisfação do ativista ambiental e poeta frustrado Albert Markovski, personagem de Jason Schwartzman, inconformado com a transformação que o pântano vizinho a si sofrera, sendo praticamente dizimado, sobrando uma única rocha – sua insignificância é tão grande que chega a dar pena e não simpatizar com o personagem é praticamente impossível.

    Mais uma vez David O. Russell escolhe um protagonista neurótico e inseguro para ser o herói de sua jornada, mostrando o homem pequeno diante do destino, buscando mais uma vez uma boa razão para existir. Diferente de Procurando Encrenca, onde o personagem principal buscava sua origem, procurando a raiz de sua árvore genealógica, Albert procura a outra ponta de sua vida, tentando entender onde chegaria. A película é ainda mais idílica e surreal que a anterior do realizador, mostrando uma organização que investiga as vicissitudes da vida com uma abordagem lúdica e um tanto nonsense flertando com surrealismo, através de um transe meditativo que eleva a psiquê do paciente a um estágio em que este desconstrói as figuras importantes de sua vida para encontrar a razão de seus problemas.

    A personagem de Naomi Watts é a prova da obsolescência programada do homem dentro do sistema de extremo capitalismo. Ela quase nunca é chamada por seu nome (Dawn Campbell), mas sim por uma alcunha – a voz da Huckabees – mostrando uma demasiada falta de identidade, praticamente inexistente. Seu clamor por atenção é legítimo, já que atrás do sorriso, do corpo perfeito, sem rugas ou imperfeições esconde-se uma alma aflita que vê se avizinhar a velhice e a perda do que a distingue da multidão, sem falar que sua garota propaganda em depressão é algo genial por si só.

    Huckabees fala do mundo corporativo, da impessoalidade que um lugar repleto de empresas que só visam o lucro e de como os homens vivem neste ambiente, perdendo sua individualidade e sendo tratados por meio de estereótipos. Mesmo os ramos que deveriam não se pautar nisto sofrem com competições mil por clientes que deveriam ser únicos e não estereotipados. Artifícios como máquinas de sucção de insegurança e repositores de bons climas mostram o quão mecânico tornou-se o trabalho dos Jaffes. Uma saída plausível seria a junção de Tommy Corn (Mark Wahlberg) a Albert, a fim de que ambos conseguissem a transcendental mudança de perspectiva – outro clichê psicológico de solução por meio de apoio mútuo, associando duas almas igualmente perturbadas e alinhadas com pensamentos pró-ecológicos e até alinhados a esquerda, necessariamente avessos aos pilares de tradição, família e propriedade. Mesmo com esta jogada de sucesso pretensamente garantido, a união não garante lograr êxito, visto que o discurso dos dois é agressivo e não sabe se adequar aos adeptos mais conservadores – a crítica é clara ao problema comum das “minorias”, que tentam defender os marginalizados sem se fazer entender aos incautos.

    A linha de raciocínio dos investigadores do inconsciente defendida por Vivian (Lily Tomlin) e Bernard (Dustin Hoffman) é muito pautada no otimismo, enquanto para Caterine Vauben (Isabelle Huppert), a vida é um conjunto de eventos tragicômicos organizados ao acaso, a disputa é quase como uma luta entre sofistas e niilistas pela atenção do indivíduo à procura do “algo”. Tal embate deixa Albert e Tommy confusos, e cada um embarca de forma diversa na viagem proposta pelos analistas.

    Albert precisa ver o seu nêmese Brad (Jude Law) no momento mais decadente para finalmente ter sua epifania – que serve para si e também para reflexão dos terapeutas rivais. A crise do ser e a autocomiseração são unidas, o ponto de coalizão, o lugar onde os diferentes podem achar suas semelhanças, perceber que não há tanta distinção entre seus estados de espíritos e tornarem-se um. O roteiro de O. Russel e Jeff Baena pode e deve gerar múltiplas interpretações, e as ramificações destas são infinitas, mas a linha guia dele passa pelos incômodos inerentes a vida humana e como cada individuo tende a tratar disto, mesmo os descompensados e os mentalmente desequilibrados.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Oscar 2014 | Indicados e Ganhadores da Premiação

    Oscar 2014 | Indicados e Ganhadores da Premiação

    Melhor Filme

    12 Anos de Escravidão (vencedor)
    Trapaça
    Capitão Phillips
    Clube de Compras Dallas
    Gravidade
    Ela
    Nebraska
    Philomena
    O Lobo de Wall Street

    Melhor Atriz

    Cate Blanchett, Blue Jasmine (vencedor)
    Amy Adams, Trapaça
    Sandra Bullock, Gravidade
    Judi Dench, Philomena
    Meryl Streep, Álbum de Família

    Melhor Ator

    Matthew McConaughey, Clube de Compras Dallas (vencedor)
    Christian Bale, Trapaça
    Bruce Dern, Nebraska
    Leonardo DiCaprio, O Lobo de Wall Street
    Chiwetel Ejiofor, 12 Anos de Escravidão

    Melhor Diretor

    Alfonso Cuarón, Gravidade (vencedor)
    David O. Russell, Trapaça
    Steve McQueen, 12 Anos de Escravidão
    Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street
    Alexander Payne, Nebraska

    Melhor Atriz Coadjuvante

    Lupita Nyong’o, 12 Anos de Escravidão (vencedor)
    Sally Hawkins, Blue Jasmine
    Jennifer Lawrence, Trapaça
    Julia Roberts, Álbum de Família
    June Squibb, Nebraska

    Melhor Ator Coadjuvante

    Jared Leto, Clube de Compras Dallas (vencedor)
    Barkhad Abdi, Capitão Phillips
    Bradley Cooper, Trapaça
    Michael Fassbender, 12 Anos de Escravidão
    Jonah Hill, O Lobo de Wall Street

    Melhor Roteiro Adaptado

    12 Anos de Escravidão, John Ridley (vencedor)
    Antes da Meia-Noite, Richard LinklaterJulie Delpy e Ethan Hawke
    Capitão Phillips, Billy Ray
    Philomena, Steve Coogan e Jeff Pope
    O Lobo de Wall Street, Terence Winter

    Melhor Roteiro Original

    Ela, Spike Jonze (vencedor)
    Trapaça, Eric Warren Singer e David O. Russell
    Blue Jasmine, Woody Allen
    Clube de Compras Dallas, Craig Borten e Melisa Wallack
    Nebraska, Bob Nelson

    Melhor Filme Estrangeiro

    A Grande Beleza (Itália – vencedor)
    Alabama Monroe (Bélgica)
    A Caça (Dinamarca)
    A Imagem que Falta (Cambodia)
    Omar (Palestina)

    Melhor Documentário

    Gravidade, (vencedor)
    Trapaça
    Capitão Phillips
    Clube de Compras Dallas
    12 Anos de Escravidão

    Melhor Fotografia

    Gravidade, Emmanuel Lubezki (vencedor)
    O Grande Mestre, Philippe Le Sourd
    Inside Llewin Davis: Balada de um Homem Comum, Bruno Delbonnel
    Nebraska, Phedon Papamichael
    Os Suspeitos, Roger Deakins

    Melhor Maquiagem e Cabelo

    Clube de Compras Dallas (vencedor)
    Vovô Sem-Vergonha
    O Cavaleiro Solitário

    Melhor Mixagem de Som

    Gravidade (vencedor)
    Capitão Phillips
    O Hobbit: A Desolação de Smaug
    Inside Llewin Davis: Balada de um Homem Comum
    O Grande Herói

    Melhor Edição de Som

    Melhor Figurino

    O Grande Gatsby (vencedor)
    Trapaça
    O Grande Mestre
    O Nosso Segredo
    12 Anos de Escravidão

    Melhor Canção Original

    Let it Go, Frozen: Uma Aventura Congelante (vencedor)
    Alone Yet Not Alone, Alone Yet Not Alone
    Happy, Meu Malvado Favorito 2
    The Moon Song, Ela
    Ordinary Love, Mandela

    Melhor Trilha Original

    Gravidade, Steven Price (vencedor)
    A Menina que Roubava Livros, John Williams
    Ela, Will Butler e Owen Pallett
    Philomena, Alexandre Desplat
    Walt nos Bastidores de Mary Poppins, Thomas Newman

    Melhor Design de Produção

    O Grande Gatsby (vencedor)
    Trapaça
    Gravidade
    Ela
    12 Anos de Escravidão

    Melhor Animação

    Frozen: Uma Aventura Congelante (vencedor)
    Os Croods
    Meu Malvado Favorito 2
    Ernest & Celestine
    Vidas ao Vento

    Melhor Curta de Animação

    Mr. Hublot (vencedor)
    Feral
    Get a Horse!
    Possessions
    Room on the Broom

    Melhor Curta-Metragem

    Helium (vencedor)
    Aquel No Era Yo (That Wasn’t Me)
    Avant Que De Tout Perdre (Just Before Losing Everything)
    Pitääkö Mun Kaikki Hoitaa? (Do I Have to Take Care of Everything?)
    The Voorman Problem

    Melhor Curta-Documentário

    The Lady in Number 6: Music Saved My Life (vencedor)
    CaveDigger
    Facing Fear
    Karama Has No Walls
    Prison Terminal: The Last Days of Private Jack Hall

  • Crítica | Procurando Encrenca

    Crítica | Procurando Encrenca

    flirting with disaster

    O texto de Procurando Encrenca é iniciado de forma nonsense, com uma discussão sobre a descoberta da verdadeira mãe de Mel Coplin, personagem de Ben Stiller. O método escolhido e a série de eventos que ocorre logo após isso é uma ótima forma de demonstrar o quão bagunçada é a vida do personagem e justifica toda a sua neurose, insegurança e conservadorismo em relação ao sexo. A inserção por parte do público é automática.

    O elenco semi-estelar a época – com Tea Leoni, Patricia Arquette, Josh Brolin, etc – não esconde o caráter artesanal e barato da produção, tampouco o clima de comédia de situação, pervertida em muitos pontos, mas que transpira naturalidade e lugar comum: toda essa familiaridade aumenta o escopo do inesperado e faz as piadas inesperadas funcionarem ainda melhor.

    Tudo é tosco, até a forma de Mel flertar com outrem é rudimentar e grosseira, além disto, as indiscrições ocorrem nos locais menos apropriados possíveis. Além do caráter proibitivo do namorico em primeira instância, o evento ainda é feito de forma agressiva e desmoderada – os filmes de Russell neste início de carreira têm uma temática em comum, grifando demais as tensões sexuais entre “entes proibidos”.

    A busca de Mel por sua origem genética é uma manifestação da avidez que sente por fugir de sua antiga vida, repleta de neuroses e algumas outras anomalias mentais, mas nada poderia prepará-lo para a odisseica aventura que sofreria ao atravessar o país atrás de seus pais. Os múltiplos enganos ao tentar achar a real identidade de seus genitores é confusa, mas não é nada comparada ao road movie carnavalesco de relacionamentos ilícitos e inter-sexuais, a maneira como cada uma das pontas do “pentângulo” amoroso reage é diversa, mas o tom de quase todas elas é muito regado de cinismo e desfaçatez. O curioso é que o grito de moralidade que ocorre dentro dessa situação é de Paul (Richard Jenkins), um personagem que deveria ser a antítese disto, visto que é um homossexual que vive dentro de seu armário e que tem muito receio de se expor graças a profissão que exerce como policial – o que demonstra que apesar de sua orientação sexual, não é muito diferente de seus colegas de farda quanto ao conservadorismo em relação a questões ligadas a monogamia.

    Os Schliting, verdadeiros pais de Mel – feitos pelos ótimos Alan Alda e Lily Tomlin – são absolutamente desequilibrados. A capa de superficial felicidade familiar esconde um passado marginal e uma rotina ainda pautada na ebriedade, no ácido, boemia e falta de lucidez mesmo nas atividades corriqueiras. O desequilíbrio que impera na vida de seus progenitores reflete nas atitudes de Mel, mesmo sem ter tido contato com eles durante sua vida, a insanidade parece estar impressa no DNA deles e cada um dos indivíduos enfrenta isso a sua maneira.

    Ao final, a mãe adotiva de Mel vê com maus olhos a possibilidade de um casal gay criar uma criança, argumentando que tal cópula traria um conjunto de neuroses desnecessárias para um infante – o que é no mínimo curioso, diante do desequilíbrio emocional que ocorre com a matriarca dos Coplin. O tempo todo David O. Russell brinca com os estereótipos familiares e critica a hipocrisia ocidental, especialmente quando comparados os homens de família com os ditos desajustados. O guião comprova que a pretensa normalidade pregada pelo americano médio não garante uma psiquê saudável e livre das inconveniências da insanidade “moderada”.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | Carrie: A Estranha (2013)

    Crítica | Carrie: A Estranha (2013)

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    Quarenta anos após o lançamento de seu primeiro romance, Stephen King é considerado um dos melhores escritores de suspense. Influência que transpassa a maioria dos literatos que encontraram no autor uma espécie de precursor contemporâneo do medo.

    Lançado em 1974, marcando sua estreia, Carrie – A Estranha apresenta a inventividade do autor ao narrar a história de uma garota colegial que descobre poderes telecinéticos. O arroubo narrativo, que King considera cru, produz uma história entrecortada com documentos ficcionais, trechos de outros livros, citações de especialistas, promovendo uma falsa veracidade dos fatos.

    Dois anos após o lançamento do romance, Brian de Palma trouxe a história para as telas. O roteiro de Lawrence D. Cohen concretiza uma adaptação eficiente e que, reconhecendo a estrutura narrativa de King (a qual é impossível de ser transportada para as telas sem parecer um falso documentário) escolhe um outro foco sobre a mesma história.

    A primeira cena da produção de 1976 apresenta um grupo de garotas no vestiário. A câmera passeia com naturalidade pela nudez feminina até encontrar a estranha Carrie no final de um corredor. A cena não sexualiza os corpos nus, deixando-os como parte de um cotidiano natural.

    A personagem interpretada por Sissy Spacek se tornou icônica, principalmente quando banhada em sangue em sua formatura. Como filme, Carrie foi bem sucedido tanto como produção de terror quanto destaque da carreira da equipe envolvida. Quase 40 anos após a eficiente versão de De Palma, uma nova produção cinematográfica foi lançada, dirigida por Kimberly Peirce (Meninos Não Choram), e com Chloë Grace Moretz e Julianne Moore no elenco.

    Adaptar uma obra com versões lançadas anteriormente garante uma base de retorno financeiro maior do que um produto inédito, ao mesmo tempo em que nasce a sombra da comparação. Os produtores ficam em um impasse entre reconhecer as adaptações anteriores ou negá-las, afirmando que a obra literária foi a única fonte fiel. Mesmo que se tente esconder, é clara a reprodução do filme anterior na nova produção.

    As mesmas modificações de roteiro e composições cênicas construídas por Cohen e De Palma estão presentes neste Carrie – A Estranha. A cena inicial do chuveiro se repete. Mas, transformada através dos anos, tem a mão da vigília dos bons costumes e esconde a naturalidade da nudez. O que resulta em uma Carrie desesperada a, em boa parte desta cena, manter-se com as mãos retesadas ao corpo, segurando a toalha para esconder a sensualidade e ganhar uma faixa indicativa menor.

    Alem da proximidade exagerada com a versão anterior, a seleção de elenco falha ao colocar Moretz como personagem central. Escolheu-se uma garota bonita demais para um personagem cuja estranheza é uma de suas características. Sem a capacidade cênica de Spacek, a atriz demonstra sua disparidade em relação aos outros alunos com olhares assustados, uma cruz no pescoço e um cabelo mal penteado. Não há o medo de uma garota que se sente deslocada na escola. Sem o reconhecimento do drama, não há ação que se sustente.

    Até mesmo a exímia Julianne Moore não consegue entregar uma interpretação além do comum. Novamente o visual exagera na caracterização de uma cristã fervorosa, parecendo esconder qualquer vontade da atriz em dar credibilidade a uma mãe que vê o mundo como a panela do diabo e as mudanças hormonais da filha como primeiro contato com este mundo pecaminoso.

    Mãe e filha não estabelecem tensão necessária para que a história se sustente, destruindo uma das bases da história. Ainda que os efeitos especiais sejam bem compostos, não deixam de ser um decalque da versão anterior, em que planos cênicos parecem copiados em demasia. Não há espaço para originalidade.

    Sem a credibilidade dramática, sem o suspense aterrorizante, o remake resulta em uma obra sem razão, falha em seus princípios. Ainda que a afirmação caia em uma nostalgia que observa o passado com maior brilhantismo, a produção de De Palma continua tão forte quanto a obra de King, um mestre do gênero até hoje e poucas vezes bem adaptado a outras mídias.

  • Crítica | Pompeia

    Crítica | Pompeia

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    Filmes de tragédias anunciadas, isto é, cujo final já é de conhecimento público precisam ter um mínimo de criatividade para prender a atenção do público, já que saber como termina não é o foco. Não é o caso de Pompeia. Dirigido por Paul W.S. Anderson, conhecido por alguns filmes da franquia Resident Evil, não nega a fama do diretor que costuma preterir a narrativa em favor do visual.

    Milo, o Celta (Kit Harrington) – o Jon Snow de Game of Thrones – é de uma “tribo de bárbaros” que foi dizimada por uma horda romana. É capturado e feito escravo. Cresce e se torna um gladiador. Levado a Pompeia para lutar, conhece uma moça, Cassia (Emily Browning), filha de Aurelia (Carrie-Ann Moss) e Severus (Jared Harris), um comerciante rico. Durante a erupção do Vesúvio, o Celta precisa salvar Cassia das mãos do senador Corvus (Kiefer Sutherland).

    A junção de filme-catástrofe com épico romano dificilmente escaparia de estar repleta de clichês. Nada contra clichês, desde que bem utilizados. Mas um pouco de criatividade é sempre bem-vindo. No entanto, o roteiro parece uma colcha de retalhos de outros filmes. O início remete a Conan. O envolvimento do Celta e Cassia – com o antagonismo de Corvus – lembra Jack, Rose e Cal Hockney em Titanic, sem contar a catástrofe já esperada. E o “retalho” maior cabe a Gladiador. A quantidade de cenas similares é tamanha que tem-se a impressão de estar assistindo a uma versão para TV do filme de Ridley Scott. O escravo que se torna gladiador. O amigo do protagonista é outro gladiador negro, Atticus (Adewale Akinnuoye-Agbaje) – o eterno Mr. Eko de Lost. No anfiteatro da cidade, ocorre uma luta entre gladiadores simulando uma batalha real, em que o grupo que deveria perder – onde está o protagonista – se organiza e vence. Em suma, mesmo que as cenas de luta sejam interessantes, a falta de originalidade e a sensação de déjà-vu atrapalham.

    Os aspectos políticos e históricos são apenas tangenciados. O que é uma pena, pois poderiam dar uma “encorpada” na trama. Os personagens são rasos e pouco carismáticos. A mocinha é insossa. Seus pais seguem um modelo bem comum – pai justo e compreensivo, mãe dedicada. O mocinho, que deveria ser estereótipo do bravo lutador, passa boa parte do tempo com cara de cachorro perdido. O romance entre os dois não convence, não se percebe qualquer atração ou tensão entre eles. Nem se pode culpar os atores pela bidimensionalidade dos personagens. Ao menos o vilão, apesar de caricato, é vivido de forma enérgica – e quase divertida – por Sutherland.

    A fotografia não faz feio. Mas boa parte da violência – e do sangue – não aparecem em cena, para permitir que o filme seja PG-13, classificado para maiores de 13 anos. O 3D neste filme, que felizmente não é convertido, consegue fazer alguma diferença, com grandes planos abertos repletos de detalhes ao fundo dando realmente a impressão de profundidade – não apenas nas legendas.

    E já que é tudo bastante previsível e quase nada consegue surpreender o espectador, resta aguardar pelo cataclisma final, torcendo para que seja grandioso e espetacular. E não decepciona. Como todo bom filme-catástrofe há multidões em correria, pessoas pisoteadas, uma criança perdida resgatada por um dos mocinhos, bolas de fogo, prédios desmoronando, cinzas voando, enquanto o casal central se esforça para escapar do vilão e do desastre. Enfim, polegar para cima para fotografia e efeitos especiais; e polegar para baixo para roteiro e personagens.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Philomena

    Crítica | Philomena

    Philomena

    A película de Stephen Frears (de Alta Fidelidade e A Rainha) é pretensamente baseada em fatos reais. Martin Sixsmith – do competente Steve Coogan – é um ex-assessor de imprensa de um antigo ministro da Coroa, demitido injustamente, concordata esta motivada por um erro que não teria sido seu. As voltas com sentimentos auto-destrutivos e depressivos, bastante plausíveis diante do que lhe acometera, ele procura uma causa, algo que o motive a voltar a trabalhar com as palavras.

    A personalidade passiva e agressiva do protagonista logo é percebida, mostrando Sixsmith se utilizando de seu pouco tato com possíveis clientes da sua investigação jornalística. O modo como trata o caderno de interesses gerais é curioso por este achar o ofício um esforço fútil e voltado para mentes fracas. Graças a sua arrogância, quase perde a oportunidade de explorar o drama de Philomena Lee – Judi Dench – e seu filho há cinco décadas perdido, separado desta graças a rigidez predominante no convento onde residia. Através do relato da idosa mulher arrependida o drama é revelado ao público, em flashbacks contendo cenas de cunho extremamente emocional e que curiosamente contrastam muito com o discurso de Philomena, que até insiste em defender as freiras responsáveis pela separação desta de seu herdeiro.

    Por vezes a leveza da abordagem mascara os complicados e espinhosos temas propostos. Isto é causado muito pelo humor negro de Sixsmith e pelo gênio incompreendido de Philomena, variando entre sua docilidade costumeira e o claro incômodo de retornar às memórias incômodas e devastadoras, que por sua vez, a fazem agir hostilmente quando se vê confrontada, seja em relação ao conhecimento sobre a arquitetura do convento ou pela discussão de sua decisão de procurar o primeiro filho tão tardiamente.

    É interessante notar o momento da dupla de heróis, pois ambos passam por crises existenciais, e têm formas distintas de encarar isto, enquanto a situação de Martin acabara de acontecer e ele age de forma altiva diante das adversidades, Philomena prefere o silêncio, a resignação e condescendência diante a irônica forma como os indícios da localização de “Anthony” simplesmente sucumbira ante um incêndio “acidental”. A insegurança de Martin lhe é útil, visto que o faz ficar paranoico e aberto a teoria da conspiração, e que garante ao jornalista um furo e o arquitetamento de um evento midiático de proporções moderadas. O cinismo do redator é enorme e ele vê na história uma oportunidade de recuperar para o seu nome um pouco de notoriedade, enquanto a anciã vê a possibilidade de, após a viagem, achar seu filho.

    Frears usa mais uma vez um personagem inseguro, que cospe erudição para esconder seu vazio existencial e a vergonha por estar em tão constrangedora situação, como com Rob Gordon, em Alta Fidelidade. A gotejante simplicidade de pensamento e de julgamento por parte da senhorinha faz dela uma personagem simpática, mas não parece ultrapassar a sua emproada e blasé carapaça de isolamento, até um momento chave, em que mesmo sua máscara de indiferença cai, diante da péssima notícia que descobrira. Ele até mostra uma menor falta de escrúpulos do que a de sua editora, que o obriga a prosseguir sua busca e tentar demover a desconsolada mãe de retornar ao seu lar, para ter uma história grandiosa (ou o que mais se aproximar disso) publicada por Martin.

    O terço final varia entre momentos agridoces e de euforia extrema, é como uma montanha russa de emoções e emula as variações de humor de um típico caso de depressão diagnosticado, o que é natural dado a natureza da pessoa analisada e sua idade avançada, e, coincidentemente, também bateria facilmente com a situação do decadente Martin. A reconstituição do passado de Michael Hess e a forma como Philomena encara seu destino faz com que Martin a defenda ferozmente, sobretudo do complexo de culpa que ela insiste em exercer sobre si, fazendo-os entrar em atrito por momentos prolongados.

    Martin se vale de sua obstinação pela notícia para chegar ao fundo da história, e do acobertamento dos paradeiros de mãe e filho, entrando nas brechas deixadas pelos religiosos e se valendo de sua ácida e corrosiva personalidade para provocar os culpados e obrigá-los a contar a verdade. A reação de Philomena é de perdoar seus malfeitores, ao contrário da fúria que permeia a atitude do investigador. As distintas formas de enxergar o todo se cruzam ao final, e chegam a uma conclusão em comum. O impressionante é que mesmo após a epopeia e o turbilhão de emoções pelas quais passam Lee e Maxsmith, os dois não mudam seu modo de viver, ao contrário, o roteiro de Coogan e Jeff Pope mostra como duas partes tão diferentes entre si podem agir juntas e produzir uma tão doce, agradável e sucinta história de auto-descoberta, abordando as debilidades inerentes a uma longa existência mas sem desolar o espectador com cenas de cunho melancólico.

  • Crítica | RoboCop (2014)

    Crítica | RoboCop (2014)

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    O cineasta holandês Paul Verhoeven marcou uma geração de jovens dos anos 90 com suas produções marcadas pela violência gráfica e distopias futuristas. Com três clássicos nas mãos (Robocop, Vingador do Futuro e Tropas Estelares), o diretor estabeleceu uma linguagem própria e uma base considerável de fãs mesmo dentro da crítica, mas não resistiu à modernização e ao crescimento da “caretice” de Hollywood no final da década. Tanto é que Verhoeven acabou voltando desiludido para a Holanda e lá produziu o excelente A Espiã e, o ainda não lançado no Brasil, Steekspel. Como já era de se esperar, a onda de remakes atingiu seu legado, e em 2012 foi refilmado O Vingador do Futuro, fracasso retumbante e totalmente esquecido pelo público.

    Agora é a vez de Robocop, considerado por muitos seu melhor filme nos EUA. A MGM já tentou refazer o filme algumas vezes, mas não encontrava a pessoa certa. Após ver o sucesso dos dois Tropa de Elite, acabaram-se as dúvidas. A visão política e social de José Padilha, combinada a intensas cenas de guerra urbana das autoridades contra os “inimigos”, assemelhava-se bastante à proposta de Verhoeven. Logo, o brasileiro foi chamado para dirigir o projeto.

    A história se passa em torno do incorruptível e incansável detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman), que investiga, na cidade de Detroit, crimes que sobem cada vez mais na escala de poder. Após seu parceiro Jack Lewis (Michael K. Williams) ser baleado em uma operação, ele decide investigar sozinho a rede de corrupção da cidade, mas sofre um atentado que quase tira sua vida. Nisso entra a Omnicorp e o plano de trazer para o mercado doméstico a produção de soldados robôs com a função de proteger o país. O presidente da companhia, Raymond Sellars (Michael Keaton), empenha-se arduamente com a ajuda do apresentador de TV Pat Novak (Samuel L. Jackson). Assim, decidem transformar o moribundo Murphy em uma máquina, porém os planos da empresa não saem como planejados.

    As comparações com a obra original serão inevitáveis, mas ao contrário dos remakes/reboots lançados atualmente no mercado, o novo Robocop possui história própria a ser contada de forma singular. Esse mérito podemos dar a Padilha, que não caiu na tentativa de recriar o filme de Verhoeven, tampouco de inovar completamente retirando a essência política da história. Porém, faltam ao remake a originalidade e a anarquia criativa do original justamente como sátira de um universo policialesco e anestesiado, sofrendo com a violência endêmica sem conseguir reagir dentro dos moldes de uma sociedade democrática. Dessa forma, Robocop surge como a união dos traços marcantes da modernidade: a automatização robótica e o discurso policial como salvador da pátria. E, neste aspecto, Padilha flerta timidamente com esses temas, sem causar nenhum tipo de reação ao espectador.

    A Detroit do filme de 1987 era realmente suja, decadente e claramente violenta, em uma previsão profética do que se tornaria a cidade hoje. Porém, no remake ela é uma cidade moderna, com policiais honestos morando em bairros de classe média alta sem nenhuma preocupação. Nem de longe passa a imagem falada na história de que Detroit estava entregue à violência.

    As inserções televisivas, e satirizadas ao extremo pelo diretor do original, foram diminuídas em um único personagem, Pat Novak, apresentador de algo como um programa da Fox News, ou mesmo um Datena ou Cidade Alerta no Brasil. Reacionarismo e discurso da ordem através da violência contaminando o debate, mas que não causam nenhum efeito além de informar friamente o espectador. A TV possui esse único papel: o jornalismo-marrom. Não vemos nenhuma propaganda contra a radiação solar ou programas de humor com bordões ridículos que pareciam entreter a todos, elementos que marcaram o tom humorístico televisivo de 1987, ausência essa que transparece sisudez.

    Os acertos do filme se dão pela visão política interna e global, que provavelmente teve o dedo de Padilha. A questão não é somente a segurança interna de uma cidade dos EUA, e sim como o império já se alastrou pelo mundo e os robôs e drones são usados pela máquina militar a fim de estabelecer seu poder, como mostra a cena inicial em Teerã, na qual um ED-209 executa um garoto. Também é interessante o papel da China na história. Murphy é transformado no Robocop em uma linha de montagem na Ásia, e quando foge, sai em uma linha de produção tão automatizada quanto ele, lembrando as fábricas da Samsung, Apple e outras multinacionais. Definitivamente, os EUA deixaram de concentrar todo o poderio industrial do planeta. Porém, isso poderia ter uma contradição, já que o crescimento econômico da China é acompanhado de crescimento político, e nesse contexto talvez uma invasão ao Irã não aconteceria ali tão perto dos chineses.

    O papel da família de Murphy também se tornou muito maior no remake. Enquanto no original sua família era uma simples lembrança distante, agora sua esposa, Clara Murphy (Abbie Cornish), possui participação ativa, na tentativa de humanizar o personagem. O que faria sentido se seu papel não fosse cada vez mais diminuído conforme o filme avança, até chegar a uma cena final um tanto quanto embaraçosa no heliporto. Seu filho então é praticamente um poste. Até o ator mirim de Homem de Ferro 3 foi mais importante.

    Também é menos impactante a figura do vilão. Enquanto Kurtwood Smith dá vida ao impressionante e odiável Clarence Boddicker, em cuja cena da morte de Murphy traumatizou uma geração de crianças, Antoine Vallon (Patrick Garrow) não cativa em momento algum, servindo somente para ser morto no final em estéril cena de tiroteio que causou um pouco de vertigem, tamanha velocidade e quantidade de cortes. Toda a gangue de Boddicker era marcante, enquanto a gangue de Vallon é representada somente por dois policias corruptos, personagens também unidimensionais e sem graça. Também é difícil estabelecer uma violência tão grande em um filme PG-13, a praga do cinema moderno, em que todos os filmes precisam ser “para a família”.

    Como era de se esperar, as cenas de ação do Robocop moderno não suportariam mais aquela velocidade lenta da década de 80, e o protagonista consegue pular e saltar a fim de cumprir objetivos, em cenas bem realizadas e que não incomodam, como era o medo de muita gente. Apesar de ser boa, a estética de videogame e FPS incomoda um pouco não só pela filmagem, mas também pela falta de uma ameaça realmente importante ao espectador. A cena de luta com os ED-209 foi bem feita, e 9 entre 10 espectadores esperaram uma referência ao fato de ED não conseguir descer escadas, o que infelizmente não ocorreu. A referência maior ficou na aparência do protagonista, com traços que lembram a “armadura” original, inclusive seu tom de cinza, que a deixou muito bonita. Depois transformada em preta, perde um pouco esse charme, lembrando mais os soldados do BOPE e a temática de “policialização” do debate político.

    Como elemento em desarmonia, a trilha sonora original, composta por Basil Poledouris, foi repaginada e usada em alguns momentos estranhos, não encaixando neles muito bem. As músicas de cenas de ação e principalmente dos créditos finais tampouco soaram como complemento ao filme, parecendo mais com o restante da produção, dando uma sensação de “faz sentido, mas tem algo errado aqui”.

    A ciência também possui um papel maior no filme de 2014. Explicações técnicas do cientista responsável pelo projeto, Dennett Norton (Gary Oldman), estão sempre presentes, seja em cena, seja em narração, o que se torna algo desnecessário. Também há a boa e velha ciência hollywoodiana com seus termos do tipo “queimadura de 4º grau em 80% do corpo” e “ele está sobrescrevendo as prioridades do sistema”, sempre usadas para justificar uma guinada fácil no roteiro. Como quando Murphy, inexplicavelmente, passa a sentir emoções novamente mesmo quando essa capacidade foi biologicamente retirada. O detalhe da mão humana também é complicado: apesar de eficiente dramaticamente, pois deixa Murphy ainda com toque humano, torna todo o projeto do robô mais difícil, afinal, basta uma queda da moto em alta velocidade, um pisão de ED-209 ou simplesmente um tiro para incapacitar sua mão.

    Robocop (2014) é um bom filme, mas possui os defeitos clássicos do cinema moderno: excesso de explicação, violência sem peso dramático, resoluções fáceis e rápidas e personagens unidimensionais. A impressão presente no final da projeção é que vimos um filme inteiro como robôs “com 2% dopamina” no sangue. A produção tem seus méritos e consegue trazer novos debates, mas sem brilho e empatia. Não será esquecido como o remake de O Vingador do Futuro, mas tampouco figurará entre os clássicos do gênero. Que sirva ao menos para Padilha conseguir se estabelecer no mercado norte-americano e produzir obras melhores por lá.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Caçadores de Obras-Primas

    Crítica | Caçadores de Obras-Primas

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    Depois do excelente Tudo pelo Poder, de 2011, a expectativa pelo novo filme dirigido por George Clooney era grande. Com uma temática interessante e um elenco carismático, poucos afirmariam que o filme fosse um fracasso. E aqueles que afirmaram, acertaram.

    Caçadores de Obras-Primas se passa no final da 2ª Guerra Mundial, quando um especialista em arte chamado Frank Stokes (Clooney) convence o então presidente Roosevelt a enviar uma força-tarefa para a Europa com o objetivo de evitar o saque, comandado por Hitler, de obras de arte guardadas em museus europeus. Para isso, ele conta com a ajuda de alguns amigos também especialistas nos mais variados ramos da arte, como James Granger (Matt Damon), Richard Campbell (Bill Murray), Walter Garfield (John Goodman), Jean Claude Clermont (Jean Dujardin), Donald Jeffries (Hugh Bonneville), Preston Savitz (Bob Balaban) e o tradutor de alemão Sam Epstein (Dimitri Leonidas). Também está presente a especialista francesa em arte Claire Simone (Cate Blanchett).

    Tentando trabalhar com grande sensibilidade um tema sobre a importância da arte em meio à guerra, o filme se utiliza de discursos em vários momentos, com músicas enaltecedoras de fundo a fim de dar um clima heroico aos personagens; isso causa embaraço no espectador, pois a função de resguardar a arte é um sentimento além de heroísmos baratos tão comuns em filmes que retratam o militarismo americano – que também recebe carta branca em relação aos tempos atuais ao mostrar como o exército dos EUA salvou o planeta dos nazistas.

    Também rasa é a construção dos personagens, todos retratados em situações cômicas e munidos de frases feitas fora de contexto, aparentando terem saído de um programa de TV da época retratada no filme.  Desta forma, torna-se dúbia a mensagem séria que a narrativa tenta impor, visto que é quebrada com piadas em toda a película.

    O retrato feito dos russos lembra os filmes de James Bond do auge da Guerra Fria, com seus vilões caricatos de cara amarrada, dando a entender que os soviéticos não foram os reais responsáveis por conter a máquina de guerra alemã. São tratados como estorvo no caminho americano de libertação e sua participação é citada apenas como um  “eles perderam vinte milhões de pessoas”, em uma afirmação também estranha de se fazer antes de terminar a guerra, quando esses cálculos só foram divulgados com certeza alguns anos depois do final do conflito. O russo retratado no filme tem tamanha importância dramática que não diz uma única palavra.

    No final, o que sobra do filme é uma ode à importância da arte como memória coletiva dos avanços da humanidade, mostrando como o papel desses homens foi importante para salvar essas obras do confinamento nazista, evitando-se uma destruição muito maior – já que, ainda assim, muitos trabalhos artísticos foram destruídos, em especial os de arte moderna e de artistas judeus. Porém, esse grupo de soldados corajosos merecia uma homenagem melhor do que esse pastiche transfigurado de drama.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ela

    Crítica | Ela

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    O quarto longa dirigido por Spike Jonze – o segundo sem Charlie Kaufman – inicia mostrando Theodore Townbly, o solitário personagem de Joaquin Phoenix exercendo seu ofício de desenvolvedor de mensagens amorosas para quem não tem tanta poesia nas palavras como este tem. Seu traquejo e talento visam esconder o sentimento de isolamento que o preenche, mas isto não funciona, pois a princípio observa-se o quão vazio é o seu cotidiano e a falta que sente de sua antiga parceira.

    É curioso notar como o roteiro de Jonze trata a questão da ausência de alguém, mostrando o desenvolvimento de um sistema operacional que vem para suprir essas carências. Samantha, dublada por Scarlett Johansson, causa uma impressão imediatamente chamativa e apelativa em Theodore, invadindo seu mundo idílico de escritor recluso para arrebatar a sua atenção, primeiro pela novidade, depois pelo conjunto de interesses atingido junto ao artista, que parece frustrado com sua condição não diferente do resto do mundo. A solidão é uma praxe na prática mundana, e seu ofício é uma das ofertas que buscam suprir essas demandas.

    Suas prioridades se rivalizam entre pornô, videogames e internet, como a rotina de muitos solteiros de meia idade da contemporaneidade. O rombo que ficou após seu término o deixou vulnerável às “investidas” de uma máquina que emula as características de um ser do sexo feminino, especialmente nos aspectos ligados à graça e leveza das mais doces mulheres. Além, é claro, da sensual e rouca voz.  Exceto pela ausência de carne, este seria o par perfeito, e a percepção de Theodore sobre isso se dá muito cedo e aumenta com a chegada dos e-mails que destacam a papelada do divórcio.

    Samantha busca ter manias e defeitos, a fim de ser falha como os humanos e transpirar uma maior verossimilhança. A avidez por tentar reabilitar o protagonista da sua separação é irônica, pois num mundo moderno onde os problemas humanos têm dificuldade em subsistir, é um ser mecânico que tende a solucionar a questão de maior problema naquele tempo. A mecanização das relações encontra em um objeto inorgânico uma solução paliativa e que age entropicamente, supostamente por uma ação fora dos padrões de programação. Até a dúvida a respeito entre a veracidade dos sentimentos e a programação original é discutida com afinco, e gera interessantes dúvidas sobre a solidão de ambas as figuras. A relação sexual consegue ser perfeita sem uma imagem sequer. Ele inclusive prefere discutir com ela o pós-coito, algo que talvez não fizesse com uma mulher de carne e osso. Ou seja, a todo tempo sua existência é posta a prova.

    Jonze tem uma predileção por assuntos e temáticas lúdicas e repletas de situações idílicas, mesmo quando justificadas pelo leve avanço no futuro e na tecnologia. Apesar de utópico, o porvir ainda contém uma aura fantástica exacerbada e repleta de lirismo visual. A amplitude da sala em que Theodore vive aumenta a sensação de vazio, pois a casa mal parece ter outro cômodo que não aquele, assim como a falta de opções em que a personagem se vê depois de provar Samantha. Ele e ela agem tolamente, como apaixonados experimentando uma arrebatadora sensação de forma pioneira.

    É a carência de Theodore que permite a ele se afeiçoar por Samantha, e a necessidade parece gerar nela também as sensações únicas e até a capacidade dos humanos de pensar de forma diferenciada. A conclusão de que “o passado é só uma história que contamos a nós mesmos” não seria tirada pela maioria dos homens viventes.

    O modo como as pessoas vivem seu tempo é engraçado, com jogos que simulam a maternidade, mas que são consumidos por solteirões sem filhos. O desamparo e solidão não permeiam só a vida de Theo, mas a de seus amigos também, mostrando que tal mal assola a sua geração como um todo. A predominância da cor vermelha nos ambientes após alguns percalços do protagonista ajuda a evidenciar o quão triste é sua vida após uma autoanálise. Até o SO de Samantha é julgado neste momento, e, claro, discutida a validade de manter viva uma relação como esta. Até avatares físicos são usados para apimentar o caso, tornando-o mais tácito, mas a concentração é quebrada por um gesto banal, de forma equivalente a diversas outras relações entre um homem e uma mulher.

    A proximidade de Samantha da realidade torna-se incômoda para o seu parceiro, é como um banho de água fria nas suas intenções. O que ele procurava era algo ideal, irrealista e sem confrontos. Mas a amante é tão emotiva, desequilibrada e passional como qualquer mulher (e o alarme de feminismo apita um som estridente e ensurdecedor). O limite entre a existência ou não deste relacionamento é tênue e discutível. A generalização feita a respeito da ausência de sentimentos de um SO é muito semelhante ao lugar comum de algumas mulheres ao julgar os homens como ser igualmente insensíveis entre si.

    A situação chega a um impasse quando o homem percebe que não usufrui de um sentimento exclusivo e que Samantha é apaixonada por mais 641 homens. A percepção de que o amor é expansivo e quanto mais é praticado mais há a necessidade de ser compartilhado, é um ótimo paralelo ao argumento poligâmico. Samantha era para Theodore como uma compensação, um substituto para a sua carência afetiva e para o vazio que ficou em seu peito após o rompimento com sua alma gêmea. A busca para uma solução para a dor o fez moldar sua musa segundo suas vontades e isso causou nele dores insuportáveis, mas o fizeram se aproximar de outra alma igualmente desolada pelo abandono, mas ainda assim sem muita expectativa de êxito. A última rejeição o fez amadurecer ao ponto de não querer projetar mais nada quanto a vida sentimental e até a perdoar quem o feriu no passado.

    Ela é uma ode à luta entre a solidão e a carência. Spike Jonze traz um roteiro fino, tocante e emocional, abrilhantado pela ótima encarnação que Joaquin Phoenix dá ao solitário homem comum e real.

  • Crítica | Liga da Justiça: Guerra

    Crítica | Liga da Justiça: Guerra

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    Iniciando o reboot das animações do DCAU (DC Animated Universe), Liga da Justiça: Guerra adapta o primeiro arco de histórias de Geoff Johns à frente do título dos Novos 52. O início, introduzindo Batman – até então uma lenda urbana – e o Lanterna Verde (Hal Jordan) mostra uma das primeiras ações conjuntas dos heróis mascarados, ainda bastante desentrosados. A cena em si pouco inspira entusiasmo e quase não diz nada ao espectador.

    A personalidade dos vigilantes é fraca, sua constituição é vazia e não permite nuances, é quase como se o poder fosse a personalidade deles. Quase não há variações e o nível de ação sem propósito é grande, no sentido de não explorar grandes motivações. O erro seria até perdoável, caso as cenas de ação fossem bem feitas e plásticas, mas isso não ocorre com frequência. As animações da DC jamais foram um primor quanto ao roteiro, mas sempre foram redondas, algumas vezes até se saindo melhor que as sagas originais, vide Liga da Jusiça: A Legião do Mal por exemplo. Este sucesso não se repete nesta obra.

    O foco maior das ações dos seres superpoderosos é em atos isolados dos feitos dantescos, quebrados no máximo por ações em dupla com outros vigilantes coloridos. O quadro muda decorridos 60 minutos de exibição, especialmente com a presença do opositor, o soberano de Apokolips: Darkseid. O ruim é que o excessivo tempo gasto em piadas desvirtua a atenção do público, e a falta de exploração dos dramas dos personagens causa uma total falta de empatia por seus caracteres.

    A equipe de dublagem não é ruim, mas está muito aquém dos antigos castings de Andrea Romano. Vozes como as de Kevin Conroy, Tim Daly, Michael Ironside e tantos outros fazem uma falta considerável, visto que estes encarnaram os heróis mais famosos dos comics por muitos anos. Outro inconveniente é o opositor. Antes retratado como um inimigo imponente de discurso orgulhoso e bravo, é mostrado como uma ameaça física unicamente, se importar com si é praticamente impossível pois sua faceta não tem o mínimo apelo ou carisma.

    Justice League War inicia mal a nova seara de animações da DC Comics. Tem um caráter ordinário, falha em produzir algo novo, em rememorar os bons momentos da editora e tampouco revitaliza o tema de modo competente. Jay Oliva traz uma fita insossa e apática, muito inferior a sua anterior, Liga da Justiça: Ponto de Ignição mesmo quando apela para a violência pueril e tudo isso é ainda mais lamentável quando percebe-se que acabaram com a equipe criativa antiga para trazer isso à tona. A cena pós créditos dá um gancho para continuações vindouras, mas é tão gratuito que mal justifica a menção.

  • Crítica | Oslo, 31 de Agosto

    Crítica | Oslo, 31 de Agosto

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    O segundo longa do norueguês/dinamarquês Joachim Trier (de Começar de Novo) começa como um rememorar, uma experiência de retorno a experiências passadas e a boas memórias, em detrimento do presente um tanto conturbado de Anders (Anders Danielsen Lie) o personagem principal da jornada. A tentativa em mudar sua condição de ex-dependente químico para um ser autônomo na sociedade parece árdua e difícil, e obviamente cheia de percalços e agruras.

    A variação do que Joseph Campbell explana em Herói de Mil Faces tem no lugar comum (Oslo) o chamado a aventura para Anders. Encarar a sua antiga rotina, seus entes queridos e entidades pretéritos é o desafio pelo qual ele deve passar. A possibilidade de se reviver os acontecimentos do passado, mesmo os mais ternos, algo doloroso para Anders, por fazê-lo lembrar das vezes em que obtinha heroína, ecstasy e outras substâncias ilegais. A aproximação das sensações mexe com o seu ímpeto e o devasta pela simples menção.

    O intuito do retorno a cidade seria uma entrevista de emprego, muito pautada, ainda que inconscientemente, na tentativa de Anders em provar para si mesmo que é capaz de recomeçar sua vida, mesmo sendo um ex-adicto, com 34 anos e com um potencial pouco explorado até então, ao contrário do que declarara ao seu “simpático” cunhado (na verdade um mala, apesar de ser bom ouvinte), ele guarda boas expectativas quanto a voltar a escrever e a se sentir útil novamente. A dificuldade que ele apresenta em receber reprimendas ou palavras negativas é bem condizente com a realidade de quem luta contra uma condição tão extrema como um vício ainda em processo de cura.

    A erudição, aprendida de berço, o ajudou a compor suas ideias sobre democracia, arte, escrita e o auxiliou a escolher seu ofício. O elitismo em que estava acostumado colaborou para o seu isolamento, mas não foi de forma alguma o fator preponderante para sua entrega ao vício. O contato com chegados do passado reabre nele algumas feridas, e o faz “desejar” uma recaída – que até fica em vias de ocorrer, e esta somente é impedida graças ao auto-freio do protagonista.

    Mais do que fomentar a discussão, a película de Joachim Trier busca mostrar  a faceta real de um drama infelizmente muito frequente na contemporaneidade, sem mostrar gratuidades ou fazer os caracteres de vítimas da sociedade, ao contrário, encara a questão de frente e apresenta um ponto de vista plausível e uma alternativa de vida baseado na dignidade de um ex-adicto, que busca forças para manter-se distante de seus demônios. Ao final a lente tenta evocar o otimismo ao ser reticente em mostrar a movimentação dele, mas ao consumá-la, ela se afasta, como se fosse repelida, graças as ações do combalido personagem. Antes dos anúncios de créditos, Trier aproveita para mostrar uma variação da lei da semeadura, claro, sem a mínima complacência com o espectador.

  • Crítica | Meu Nome é Ninguém

    Crítica | Meu Nome é Ninguém

    meu nome e ninguem

    Baseado numa ideia de Sergio Leone – e esta é a única prerrogativa a ele alcunhada nos créditos – Meu Nome é Ninguém chegaria aos cinemas em 1973, sobre a régia de Tonino Valleri, de O Dia da Ira, e protagonizado pelo amigo da família e bom moço – já não tão moço – Henry Fonda e o herói cômico Terence Hill, famoso por seu cowboy Trinity, até por esse arquétipo há uma expectativa em relação à história que será contada.

    Nobody – Hill – é um sujeito maltrapilho, rápido no gatilho e que passa a seguir Jack Beauregard – Fonda – seu herói de infância, que oscila entre a figura do paladino e a do assassino a sangue frio com uma facilidade mórbida.

    Mas o tom de comédia é o que prevalece. Terence Hill é muito carismático e tem uma veia cômica muito eficiente, mas esse estilo cabe mais nos produtos de Trinity e Bambino. O filme fica cansativo e enfadonho, especialmente no meio da fita. A trilha de Ennio Morricone é boa, mas ajuda a forçar ainda mais o tom humorístico. É um western leve, quase não há sangue, a temática é até infantilizada, como um filme de super-herói no ambiente árido do oeste americano. O excesso de piadas empobrece o roteiro, mas não faz dele algo reprovável.

    Os indícios e pistas dados no começo aos poucos se desenrolam, formando a emboscada de Nobody como um mosaico somente para mostrar qual o intuito do bem-feitor desconhecido. A referência a Sam Peckinpah prenuncia o epílogo, e é claro, explana a larga influência dele nos realizadores italianos. A despedida de Sergio Leone do gênero é com uma temática bem diferente do habitual, a não ser pelas últimas cenas.

    Nobody quis libertar Jack de um desfecho anônimo para o seu destino, e deu fim à sua existência humana para torná-lo uma lenda. O discurso do “morto” evidencia o rompimento como uma época romântica, a do faroeste clássico, e a abertura para uma exploração menos idealizada do Oeste Selvagem, como era retratado no Western Spaghetti e sobretudo na filmografia de Leone, que por sua vez dá lugar a uma forma de crime mais organizado. O final maravilhoso tem um tom de profecia, como um axioma do que aconteceu após a queda de popularidade do gênero e consequente substituição do tema por ternos de risca de giz, o cinema acompanhou a realidade e mudou o foco de sua criminalidade, retratando-a de forma mais ostentosa, honrada e sofisticada. O roteiro nesse ponto é tocante e de uma sensibilidade única.

  • Crítica | A Menina Que Roubava Livros

    Crítica | A Menina Que Roubava Livros

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    O livro de Markus Zusak, em que se baseia o filme, é muito, muito bom. É um daqueles que dá vontade de reler. Seu grande trunfo é ser narrado pela própria morte, o que confere à trama um ponto de vista único, incomum. Além do narrador, o mais interessante do livro é o contraponto entre o encantamento de Liesel pela leitura e suas experiências com a morte. Há nele um quê de Fahrenheit 451 e de Preciosa, ao focar no poder transformador, libertador, redentor da leitura e da escrita. Contudo, devido a um roteiro que se preocupou apenas em pinçar os eventos – mas não as reflexões – que ocorrem no livro, esse enfoque se perdeu totalmente. E o filme se tornou apenas mais um (melo)drama de guerra. Uma pena. E mesmo o ato de “roubar livros” é vazio de significado, já que pouco se explora a motivação das personagens, tampouco a evolução do relacionamento entre elas – a ladra, Liesel, e a proprietária dos livros, Ilsa Hermann.

    A direção é bastante burocrática, com poucos arroubos e nenhuma inovação. A falta de criatividade confirma-se na previsibilidade do desfecho de algumas cenas, mesmo para os que não leram o livro. E, apesar de o ritmo ser arrastado, o final é abrupto. Como se, de repente, o diretor se desse conta de que não tinha mais tempo e precisava concluir tudo em menos de 10 minutos. O que, obviamente, acaba deixando o espectador com a impressão de que perdeu um trecho da história.

    Do elenco, vale destacar a atriz Emily Watson como Rosa Hubermann, mãe de Liesel. Apesar de sua performance não ter grandes momentos, é, sem dúvida, a personagem com o arco dramático melhor escrito e desenvolvido. Geoffrey Rush – Hans Hubermann – como sempre não decepciona e consegue uma boa interação com Sophie Nélisse – Liesel.

    É um detalhe, mas incomoda bastante se o espectador começar a reparar: o sotaque alemão dos personagens, que vai e vem indiscriminadamente. Todo mundo já está habituado a assistir filmes ambientados em países “não-ingleses” e falados em inglês. Ninguém mais questiona por que em Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, que se passa na Suécia, todos falam inglês. Tarantino, em Bastardos Inglórios, optou por colocar os personagens falando em seu idioma nativo. São duas boas opções amplamente aceitas pelo público. Então, por que optar por utilizar um sotaque alemão? E por que abrir mão disso temporariamente e colocar o prefeito da cidade discursando em alemão?

    Mais uma adaptação de livro que decepcionou. Como filme “independente” é apenas mediano – a melhor nota seria 2,5. Como adaptação fica bem aquém das expectativas dos leitores. Quem não leu o livro, talvez aprecie um pouco mais.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Ajuste de Contas

    Crítica | Ajuste de Contas

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    Aos 67 anos de idade, Sylvester Stallone ainda está no auge, esculpindo o mesmo material de sempre. A crítica insiste em afirmar o óbvio sobre sua limitação como intérprete e sobre seu esforço natural em agarrar-se a uma década em que seu sucesso – bem como o de seus colegas brucutus – era astronômico.

    Sly sofre do preconceito do ator em um único estilo de papel. Síndrome que não afeta somente astros de ação, mas atinge-os com maior fatalismo. A decadência da perfeição física pode destruir a personificação viril e violenta dos personagens ostentados por sua carreira. Não deixa de ser verdadeiro que o ator manteve-se em sua zona de conforto, mas poucos são os atores que se arriscam em estilos diversos e são bem sucedidos no processo.

    A nostalgia que cerca Ajuste de Contas, além da força de Sly, vem do fato de que dois grandes personagens boxeadores se evocam memorialmente em cena: Rocky Balboa, defendido em seis filmes pelo boquinha torta, e Jake LaMotta, uma das interpretações máximas de Robert de Niro em talento, aumento de peso e maquiagem protética.

    A união destes atores traz a mística em torno da produção que faz do boxe enredo central. Sly e De Niro são pugilistas em fim de carreira que aceitam o desafio de uma revanche. A trama alinha-se com o conceito de personagens antigas que retornam para mais um assalto. Porém, em vez de trazerem à tona as personagens citadas, situam-se pela memória afetiva do público que deseja ver os atores de novo no ringue.

    Juntos formam a dupla que ri de si mesma em uma história focada no humor. Riem da velhice, do anacronismo de atores que viveram outra época, no auge, em que a popularidade pesava mais que efeitos especiais. A predileção pela comédia é um foco necessário para que o filme não seja mais um que faz da luta uma redenção. A mudança de polo dramático pode não oferecer originalidade, mas evita que o memorialismo evoque a potência dos dramas de Balboa e LaMotta.

    Pela segunda vez no ano, De Niro entrega uma boa interpretação. Não que seu papel exija muito do ator. Porém, considerando sua guinada desde a década de 2000, com performances canhestras, as atuações em Trapaça e nesta produção lhe dão um fôlego breve.

    A aguardada luta dos rivais é bem realizada e não parece que os atores estão parcialmente em cena, substituídos por esportistas profissionais em diversos ângulos neste improvável crossover.

    A parte mais insossa da produção centra-se no papel de Kevin Hart. O personagem é responsável pela realização da luta mencionada, mas se transforma no típico falastrão, como um Chris Tucker genérico. No elenco de apoio, Alan Arkin faz o mesmo velho debochado de sempre e, ainda que, como Sly, esteja repetindo o mesmo personagem desde Pequena Miss Sunshine, seu papel funciona pelo desconcerto e pela verborragia de palavras de baixo-calão que ainda divertem.

    Rir de si mesmo e reverenciar o próprio passado evidenciam o anacronismo destes atores em relação ao modus operandi atual da indústria cinematográfica. De maneira leve, mesmo que sem completa coesão, realizam uma boa trama.

  • Crítica | Uma Aventura LEGO

    Crítica | Uma Aventura LEGO

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    Onde mais que não num universo Lego seria possível reunir Batman, Gandalf, Superman, Han Solo e As Tartarugas Ninjas e ainda achar plausível que eles estejam juntos na mesma história? Depois de tantos videogames usando os amados bonecos como protagonistas de aventuras mil, já estava mais que na hora de irem para a “telona”. Era justamente a mobilidade vista nos consoles que a maioria dos espectadores esperava ver no filme. E as expectativas não só se cumpriram, como se superaram. Mesmo sendo todo digital, a animação remete aos filmes de stop-motion, o que contribui para o saudosismo do público adulto.

    A história é banal, e não precisava ser complexa mesmo, afinal é um filme voltado mais aos pequenos. E em certos momentos, dá a impressão de estar se perdendo no meio de tantas possibilidades dadas pelos inúmeros “universos” Lego. Parece um tanto non-sense os personagens irem do Velho Oeste ao céu, e depois ao fundo mar. Porém, o que pode parecer apenas uma muleta do roteiro para exibir na tela o máximo de produtos Lego, acaba se revelando totalmente coerente com o desfecho.

    Se, para a criançada, é a aventura de um boneco “padrão” Lego que precisa derrotar um vilão, para os adultos a história traz embutidas, além das referências pop, críticas ao status quo sócio-político-econômico atual. Leva a reflexões sobre o consumismo desenfreado, o monopólio – tanto de bens quanto de informações – e, principalmente, sobre a alienação e a supressão da individualidade e do livre-arbítrio. O “mundo comum” do protagonista é assustadoramente semelhante aos mundos distópicos de 1984, de George Orwell, e de Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Parece muito um filme infantil, mas como já disse, para as crianças, é uma aventura multicolorida e muito, muito divertida.

    Interessante notar que mesmo os menores detalhes são feitos com peças Lego. Fogo, água, tiroteios, explosões, fumaça – tudo foi feito “juntando” pecinhas. É óbvio que o filme tem um atrativo a mais para aqueles que passaram a infância brincando com Lego, construindo coisas e reclamando da falta de peças da mesma cor para construir uma casa que não fosse toda listrada. Mas o filme se sustenta e consegue agradar mesmo àqueles que não tiveram essa oportunidade.

    Apenas algumas ressalvas. No último terço, a “bagunça” cresce exponencialmente e o roteiro parece não ter certeza de qual caminho seguir. E a dublagem… Além de se perderem as vozes originais – e muitas das piadas eram feitas sobre os atores donos das vozes – em alguns momentos os dubladores nacionais soam tão artificiais que conseguem fazer o espectador “sair” do filme. Os distribuidores parecem não se importar com a penca de marmanjos que se interessam por assistir o filme com o som original.

    Há, nesta animação, um quê das animações da Pixar. Tem aquela capacidade, difícil de atingir, de ao mesmo tempo agradar gregos e troianos, adultos e crianças. As piadas, as gags, os diálogos são compreensíveis em diferentes níveis a cada um dos espectadores. Se a criança vai se divertir por causa do jeito engraçado de um personagem falar algo, alguns dos adultos irão se divertir tanto pela piada quanto pela referência a algum filme, livro ou HQ. Consegue ser abrangente sem ser superficial. O que, convenhamos, atualmente é uma qualidade e tanto.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Spring Breakers: Garotas Perigosas

    Crítica | Spring Breakers: Garotas Perigosas

    Spring Breakers é uma tradição no verão americano, capitaneada por emissoras de segmento juvenis, onde são exploradas imagens de moças semi-nuas se exibindo, bebendo e se entorpecendo, e a chamada de Garotas Perigosas é exatamente essa: a de mostrar musas teenagers como Vanessa Hudgens, Rachel Korine, Ashley Benson e Selena Gomez com pouca roupa se esfregando para a tela.

    Logo de cara há uma tentativa através dos signos de associar esse estilo de vida banal ao desespero suicida desta geração pós-criação da MTV, com uma das personagens chupando uma pistolinha d’água. Os belos corpos curvilíneos das quatro protagonistas contrastam com a tristeza que têm por não conseguir a inscrição para o festival de verão. A falta de ambição e ausência de objetivos faz das suas trajetórias caminhadas vazias, caso não alcancem o que querem. O motivo é estúpido e insípido, mas as influi a correr atrás disso a qualquer custo – mesmo que tenham que se inserir em ramos de atividade marginal.

    A edição, variando entre o estereótipo do videoclipe dos anos 90 e o do cinema autoral/independente americano, é confusa e não encontra seu ponto ideal durante o filme. O ponto que Harmony Korine defende não é definitivo, ele não escolhe lado, só registra as imagens, como se documentasse o modus operandi das “virgens” suicidas. O filme vai por uma vertente mais séria e opta por abordar algo de forma a fazê-lo parecer uma denúncia, que entrega todas as motivações fúteis de seus personagens, isso o torna deveras pretensioso.

    As cenas de farra são filmadas de modo depressivo, não há glamourização, só a explicitação da decadência e vulgaridade, quase sempre partindo da ótica do sóbrio, a câmera analisa a história como um sujeito sóbrio vendo toda a vergonha que alguém ébrio é capaz de produzir, seja por atitudes impensadas e movidas a álcool como também os atos relacionados a ilegalidades. O lifestyle bandido é julgado moralmente o tempo todo e isso é um bocado incômodo.

    Há tantas semelhanças com Sucker Punch que chega a ser bizarro, dado o fato de que os gêneros dos dois filmes é completamente diferente. Os paralelos passam pelo grupo de quatro beldades em trajes sumários, mas que não apelam para a nudez, a temática pesada disfarçada com corpos esculturais, a dificuldade em passar ao público a mensagem de denúncia, a protagonista religiosamente resignada que teme sempre pelo pior. Os erros são muito parecidos com os da pérola de Zack Snyder, mas não é tosco e nem tão equivocada quanto, e nem é tão insuportável, mas é até mais pretensiosa.

    A nudez, protegida em quase toda a duração do filme só é mostrada em tela em um momento de fragilidade das moças, onde os antigos planos de dominação escoam ralo abaixo – como já se podia prever. As cores quentes e vivas dos biquínis das moças contradizem o estilo de vida bandida que escolheram para si, esse jogo de cena é interessante, mas ainda é pouco.

    Korine em alguns momentos até emula o modo de abordar a pequinês do homem como Terrence Malick, além de copiar o registro visual de Scarface de De Palma, louvado e reverenciado por toda a extensão da fita. A proposta é confusamente executada e o roteiro tenta se valer de uma erudição que não combina com o produto final. Korine, acostumado a trabalhar com histórias envolvendo marginalidade juvenil não acerta tanto quanto no passado, especialmente como no roteiro de Kids, Larry Clark. A impressão é de que Harmony ainda precisa amadurecer como realizador se quiser fazer filmes nessa toada, visto que sua premissa era interessante mas a execução ficou aquém do ideal.

  • Crítica | A Mão do Desejo

    Crítica | A Mão do Desejo

    a mão do desejo

    O jovial primeiro filme de David O. Russell como diretor se inicia focando em Ray Albelli (Jeremy Davies), um universitário comum com aparência mais jovem do que realmente é e que viaja de ônibus em direção a casa de seus pais. Os problemas que o incomodam enormemente são ligados aos seus genitores, que parecem viver seu próprio inferno astral e fazem questão de incluir o rebento nestas crises. A introdução é perfeita em ambientar o personagem, em cinco minutos a empatia pelos dramas do rapaz é plenamente alcançada, o público torna-se capaz de entender suas agruras.

    Os anseios de Ray são os mais normais e ordinários possíveis, seu habitual mundinho teenager é inconvenientemente invadido pela condição fracassada de suicida de sua mãe, e no lugar de um sentimento de compaixão por ela,  ele se mostra o tempo todo incomodado com a situação. A nova rotina dele transpira inadequação, seja nos banhos que é obrigado a dar na matriarca ou pelo carente cachorro, que o atrapalha sendo um voyeur inesperado e inoportuno quando este decide “socar o macaco” e aliviar suas tensões – o tempo inteiro ele está aflito e apreensivo.

    A notícia de que Raymond finalmente iria para Washington, ingressar no seu estágio e logicamente começar a traçar sua vida adulta abala a convivência (após muito esforço) prazerosa entre ele e sua mãe, interpretada por uma provocante Alberta Watson. A tratativa entre os dois transita entre muitos estágios, desde as cobranças comuns até outras obsessões motivadas, entre outras coisas graças a obsessão pelo gozo jamais consumido de Ray.

    Quando a família volta a estar composta por inteiro, na casa, as coisas ficam ainda mais confusas. Há uma clara aversão entre os cônjuges e com o passar do tempo isto parece irreversível e a situação pecaminosa evolui, deixando a possibilidade de um deslize movido pelo álcool de lado, para se caracterizar cada vez mais com uma aventura proibida, ciumenta, taxativa e repleta de cobranças exclusivistas.

    A situação torna-se insustentável para Raymond, ao ponto dele tentar alternativas externas, para finalmente resolver os imbróglios que se apresentam a ele. Sua atitude ainda não condiz com a de um adulto mas suas reações tem uma plausibilidade razoável analisando-se a situação como um todo, especialmente considerando o quão entrópica é a série de eventos que ocorreram consigo desde que retornara  ao seu antigo lar.

    A vontade de não mais existir ocasiona sua tentativa de fuga, num rompante de tentar viver uma vida diferente da que levara anteriormente, talvez não exitosa ou cheia de esperanças de um futuro próspero como era antes, mas sem os demônios que tanto afligiam aquele Ray Albelli. A estreia de David O. Russell como realizador autoral é interessante, e desde já toca em temas espinhosos, sem muito receio em chocar o público, mas sem parecer desrespeitoso aos olhos de espectador menos afeito a temáticas mais querelas no âmbito da família americana.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | Sodoma e Gomorra

    Crítica | Sodoma e Gomorra

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    Neste épico bíblico dirigido por Robert Aldrich, Ló – sobrinho de Abraão no livro do Gênesis – é um herói idealizado, cheio de fé, invulnerável e movido pelo bem maior – devoção ao Divino. A frente de um povo que viaja pelo deserto, mesmo com todo esse código de honra ele recebe atos de insubmissão armada. No entanto o líder interpretado por Stewart Granger trata a todos com benevolência e muita paciência.

    O roteiro de Hugo Butler e Giorgio Prosperi, baseado no romance de Richard Wormser toma muitas liberdades poéticas, muitas delas pouco importantes. Atribui fala a Ló, que no original seria de Abraão, assim como o código moral e senso de justiça do protagonista que mais lembra a figura do seu tio do que a sua própria. Viúvo, Ló tem repúdio pelo escravismo. É um devoto fiel, mesmo diante das adversidades.

    No livro “sagrado”, a história de Sodoma e Gomorra é um sinônimo de punição aos prazeres carnais e sem pudor ou moralismo. As orgias e bacanais são sugeridas de forma bastante tímida, há no máximo uma citação ao lesbianismo com a rainha tomando sempre uma escrava como a sua “preferida”, mas esse é o máximo de ousadia que a fita permite. Os “pecadores” são retratados como malévolos desalmados e sem coração, além de bastante egoístas. É levantada a possibilidade de uma conspiração contra o governo – plot parecido com outros dois trabalhos em que Sergio Leone se envolveu, a saber, Os Últimos Dias de Pompeia e Colosso de Rodes – mas ela é deixada de lado por falta de importância e claro, devido ao final apoteótico.

    A ex-escrava real Ildith (a belíssima Pier Angeli) é posta entre os hebreus para ser informante, mas ela se recusa devido à mágoa com a rainha que a abandonou aos bárbaros, mas aos poucos sua motivação dobra-se a causa hebreia. Ela se recusa a deitar com Ló até que os dois se casem, pois ele “precisa ser um bom homem e dar exemplo” – sua vida lasciva em Sodoma a condenaria a não ter felicidade jamais, o que justifica seu trágico fim. No entanto Ló a garante como merecedora de sua “masculinidade suprema”. É curioso como a relação entre os dois não é minimamente construída, na verdade é gratuita e jogada.

    Os efeitos especiais da água tomando o deserto são de um realismo “invejável”, seja pelo CGI tosco ou as maquetes molhadas, tudo funciona como uma piada de mau gosto. Os traidores pagam com as suas vidas, no fogo, em outra cena sofrível. Ló fixa residência em Sodoma contra sua vontade, depois de passados mais de 90 minutos de exibição. O filme é lento e excessivamente longo. Ao mudar-se para a cidade, o protagonista muda. Ele – e o resto dos hebreus – começa a comercializar sal, passa a ostentar roupas mais luxuosas, renega sua origem humilde, mas não trai sua palavra e nem a sua fé, é um sujeito incorruptível acima de tudo.

    Após 2 horas e 12 minutos, é dada a sentença para a vida pecaminosa dos sodomitas. A ira de Jeová cairá sobre os escravos também e todos os que se recusarem a deixar a cidade – curioso o censo de justiça. A estátua de sal é qualquer coisa, Ló fica inconsolável e é sustentado pelas duas filhas – volta à estaca zero, é novamente um ermitão. Toda a construção da figura imponente e infiel a história bíblica sucumbe ao mesmo final.

    A designação de Leone é oficialmente a de diretor de segunda unidade, e sua participação neste é bem menor do que no filme de Mario Bonard. Os Últimos Dias de Sodoma e Gomorra não é nem de longe um dos melhores produtos de Robert Aldrich – principalmente se comparado a Doze Condenados e Assim Nascem os Heróis – e só não é plenamente descartável pela curiosidade em ver como era o retrato dos filmes épicos sessentistas.

  • Crítica | Os Últimos Dias de Pompeia

    Crítica | Os Últimos Dias de Pompeia

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    Lançado em 1959, esta versão do romance de Edward Bulwer Lytton tem seu roteiro adaptado por quatro cineastas que estourariam na década que viria, Duccio Tessari (diretor de Tex e o Senhor dos Abismos e Uma Pistola para Ringo), Sergio Corbucci (Django), Ennio De Concini (roteirista de ÁtilaGuerra e Paz), e claro, Sergio Leone, que substituiria o diretor Mario Bonnard quando este teve de se ausentar devido a problemas de saúde.

    A fotografia ficou por conta de Antonio Ballesteros, que viria a trabalhar novamente com Leone em sua estreia na direção de longa-metragens com o Colosso de Rodes, e mesmo com essa semelhança na equipe de produção, o estilo de filmar de Bonnard é completamente distinto do de Leone, e muito mais ligado ao modo do cinema clássico americano, com ângulos panorâmicos, câmera parada e sem muitos maneirismos, além é claro do cast. O elenco é encabeçado por Steve Reeves, o protótipo do brucutu, seu personagem  era independente, destemido e super-forte, ao ponto de conseguir puxar uma corrente de uma parede de pedra e arrancar uma porta de metal com as mãos nuas. Não à toa, Reeves inspiraria Arnold Schwarzenegger a seguir a carreira de ator.

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    O roteiro trata de uma conspiração que mataria inúmeras famílias romanas, ao passo de que a assinatura dos crimes era uma cruz avermelhada, o que fez os investigadores suporem que os facínoras mascarados eram cristãos insatisfeitos com o regime, mas logo isso se mostra um engodo, e uma conspiração romana surge.

    As cenas de embate físico são lastimáveis, tão mal coreografadas que Reeves dispensou dublês na maioria das vezes, devido principalmente aos seus opositores, em sua maioria homens rotundos  e com pouca agilidade. Depois ele queima a face do vilão Gallinus (Mimmo Palmara), mas não há nenhuma consequência grave para o antagonista, a não ser uma maquiagem mequetrefe que surge minutos após o combate. Não há sangue ou técnica de luta, a não ser é claro na genial cena de batalha de Glaucus com um jacaré, que deixaria Roger Corman morrendo de inveja.

    A tentativa de isentar os romanos da culpa de assassinar os cristão nas arenas com os leões mostrando-os sendo enganados falha miseravelmente, e além de não fazê-los parecer inocentes, ainda os classifica como imbecis e ingênuos. Os reais malfeitores são o Consul (Mino Doro) e Julia (Anne-Marie Baumann) – estrangeiros adoradores de Isis – mais uma vez denunciando o politeísmo evidenciando que  os seus dias estavam contados.

    A natureza pune os infiéis, e ela pode ser encarada como a mão pesada do Divino, que busca vingança e pune aos soberbos que trataram os inocentes que não queriam negar sua fé, é quase um recado ao Império, de que não deve mexer com os herdeiros de Israel. Os que tentam tomar para si, o ouro e as riquezas, morre soterrado, a ganância é paga com a morte. As últimas cenas envolvendo o vulcão em erupção são muito bem realizadas, o épico tem em seu caráter a indelével mensagem de que viver sem fé é pior do que morrer.

  • Melhores filmes de 2013, segundo Jackson Good

    Melhores filmes de 2013, segundo Jackson Good

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    Obrigação contratual, chibata do Coronel assobiando, vontade de polemizar, ou simplesmente pra sacanear o Aoshi, que achou que seria o único a fazer um top 10 esse ano? Tanto faz o motivo, razão ou circunstância, o fato é que, pela terceira vez consecutiva, estamos aqui listando os destaques cinematográficos da última temporada. O ano de Nosso Senhor 2013 foi deveras complicado para quem entende “cinema” praticamente como sinônimo de “blockbuster massa véio tiro porrada e bomba”. Muita coisa ruim, poucos filmes realmente bons, e um mar de “mais ou menos, mais ou menos” (sim, seguindo a modinha de imitar o Poderoso Castiga).

    A seleção ficou um pouco (bem pouco) diversificada, no sentido de não ter só filmes de ação, e um elemento comum a várias das escolhas é um fator de homenagem a algo do passado. Falta de criatividade da indústria cinematográfica atual? Momento nostálgico da sociedade? Este redator está ficando velho? Quem se importa com esses questionamentos? Enfim, rápidas menções honrosas: Django Livre, que mostrou um Tarantino mais preocupado em se divertir do que qualquer outra coisa, resultando numa bela comédia western; Guerra Mundial Z: vale a lembrança pelo ritmo, tensão e por contar um história de zumbi diferente da estrutura clássica de “desinformados lutando pela sobrevivência”; Jogos Vorazes – Em Chamas, haters gonna hate, mas essa sequência surpreendeu ao mergulhar mais na crítica social e evoluir absurdamente em relação ao primeiro filme; Sem Dor, Sem Ganho, com o grande cineasta Michael Bay extraindo o melhor dos talentos de Mark Wahlberg e Dwayne “The Rock” Johnson.

    Também não poderia faltar a clássica menção desonrosa. Não é necessariamente o pior, mas o filme mais decepcionante do ano não poderia ser outro que não Homem de Ferro 3. O Troféu Depressão 2013 nos brindou com o pior timing cômico já visto na história do cinema, vilões bipolares, criança inteligente, um roteirista que odeia o fato de Tony Stark usar uma armadura… coisas que não serão esquecidas tão cedo. Chega de enrolação e vamos finalmente para a lista, lembrando sempre que o choro é livre.

    10. Se Beber, Não Case! – Parte III
    Uma grata surpresa o capítulo final da trilogia do wolfpack. Diferente do segundo, um dispensável mais do mesmo, este apresentou uma estrutura diferente. Um misto de road movie com filme de ação, mas pautado na zoeira sem limites. Alan (Zach Galifianakis) faz uma jornada de amadurecimento, ou o mais perto disso que é possível pra ele, porém quem rouba a cena é sem dúvida o surtado Chow (Ken Jeong). Ainda que os outros personagens estejam mais apagados, as piadas hilárias garantem que o filme se destaque enquanto comédia.

    9. O Último Desafio
    Não podia faltar um representante dos brucutus da velha guarda nessa lista. Arnold Schwarzenegger protagonizando um filme depois de um longo tempo, naturalmente produz expectativa e O Último Desafio não decepcionou. Divertido, seguindo um pouco a linha de Os Mercenários, a ação divide espaço com o humor. Brinca-se com a idade avançada do herói, mas confirma-se que, na hora do vamos ver, ele ainda é o cara. Também vale mencionar as presenças do orgulho nacional Rodrigo Santoro (com provavelmente seu recorde de falas em Hollywood) e da belezinha Jamie Alexander.

    8. O Hobbit: A Desolação de Smaug
    Peter Jackson e sua jornada épica de transformar um livro de 300 páginas em três filmes de quase três horas cada. Altos e baixos marcaram este segundo capítulo, que sofre brutalmente da maldição do “filme do meio”. O ritmo ficou bem mais ágil, mas o final anticlimático e as diversas inserções na história original irritaram até os fãs que defenderam Uma Jornada Inesperada. Mas é preciso frisar que a primeira parte já deixava bem claro que a intenção sempre foi a de construir uma “Nova Trilogia”, muito mais do que adaptar o livro O Hobbit. Dessa forma, Legolas e Tauriel ajudaram a conferir recheio à trama e renderam ótimas sequências de luta. E o fator “curtir uma viagem pela Terra-Média” ainda é forte e garante uma posição neste Top 10.

    7. Gravidade
    Desorientador, angustiante, imersivo, reflexivo… Gravidade foi uma das produções mais elogiadas do ano, com todo o merecimento. Uma mulher lutando pela sobrevivência e no processo recuperando, de fato, a vontade de VIVER. Um roteiro extremamente simples engrandecido pela direção fabulosa de Alfonso Cuarón. Todo o visual do espaço é muito bonito, e as longas sequências sem cortes são qualquer coisa de SENSACIONAL. E Sandra Bullock faz um ótimo trabalho, é justo mencionar. Agora, é um absurdo Gravidade não estar numa posição melhor? Amigo, um filme de Oscar presente nesta lista, isso sim é surpreendente.

    6. Rush – No Limite da Emoção
    Uma pena este ter passado um tanto despercebido. Filmes sobre esporte/competição já tendem a ser empolgantes, e Rush vai além, preocupando-se em desenvolver os personagens antes da disputa propriamente dita. No caso, a célebre rivalidade entre os pilotos James Hunt e Niki Lauda, culminando na briga pelo Mundial de Fórmula 1 de 1976. A reconstrução de época (em que o sexo era seguro e as corridas eram perigosas) é impecável, as cenas nas pistas são incríveis e os atores Chris Hemsworth e Daniel Brühl mandam muito bem, dentro das exigências de cada personagem. Mas o coração do filme é mesmo a mensagem de que rivalidade não é sinônimo de inimizade, e que pessoas completamente diferentes podem ter algo em comum e compreender umas às outras.

    5. Detona Ralph
    Animações não são muito minha praia; quando uma realmente me chama a atenção, é porque ela possui algo de especial. Detona Ralph sofreu algumas críticas injustas, de marmanjos que aparentemente esperavam ver um documentário com citações detalhadas e minuciosas dos games de suas infâncias. Eles esqueceram que o público principal eram as crianças de hoje, e o filme precisava ser feito primeiramente para elas. Além do fato de que a história tinha de ser sobre os personagens do filme e seus universos. O resultado foi mais do que satisfatório. Para a galera mais velha, há vários easter eggs sobre games clássicos que já valem o filme. Além disso, vimos personagens muito carismáticos e uma trama divertida, emocionante, e com boas mensagens para a garotada, no melhor estilo Disney. Detona Ralph não deve absolutamente nada aos tão celebrados filmes da Pixar.

    4. A Morte do Demônio
    Se apresentou como remake, assumiu uma postura de reboot e acabou sendo uma continuação (olha o spoiler). Independente de como seja classificado, A Morte do Demônio revelou-se como uma das mais gratificantes experiências cinematográficas de 2013. Dirigido pelo novato uruguaio Fede Alvarez (com o produtor/mestre Sam Raimi fungando em seu cangote, com certeza), o filme atingiu um equilíbrio que poucas produções nessa situação conseguem. Absoluto respeito e reverência pelo original, mas com uma sólida identidade própria. O humor galhofa que marcou a franquia foi deixado de lado, com a abordagem da história em si ficando mais séria. Mas o terror gore, trash, de filme B permaneceu, com litros e litros de sangue, mutilações, MOTOSSERRA. Em tempos de politicamente correto, PG-13, militância de todos os tipos imagináveis, ver um filmes desse no cinema não tem preço.

    3. Além da Escuridão – Star Trek
    Seu nome já está desgastado quando o assunto é televisão, mas no cinema J. J. Abrams tem toda a moral possível. Depois de ter transformado Jornada nas Estrelas em um blockbuster, ele volta para fazer a sua versão do filme mais querido da franquia. Talvez alguns fãs mais xiitas tenham se decepcionado, mas é inegável que mais uma vez tivemos um grande filme. A história é tão bem amarrada que o ritmo não cai nem nos momentos mais calmos, em que a tensão permanece. Visual fantástico, cenas de ação de tirar o fôlego, alívios cômicos bem colocados e um elenco muito inspirado. Destaque, claro, para o vilão vivido por Benedict Cumberbatch. Um universo tão bem estabelecido (herança do filme anterior) que os personagens acabam sendo familiares, velhos amigos. Diante do foco em Kirk e no vilão, o resto do elenco, e até mesmo Spock, teve participação reduzida.

    2. O Homem de Aço
    Você percebe que 2013 foi um ano muito errado quando se dá conta de que nenhum dos quatro filmes baseados em personagens da Marvel aparece nesta lista. E que a DC levou a medalha de prata. Expectativas e controvérsia marcaram o novo filme do Superman, que se preocupou em reformular consideravelmente o herói, encaixando-o nos novos tempos cínicos e sombrios. Saiu o modelo de perfeição, o Jesus Cristo que desce dos céus para nos salvar sem cometer nenhum erro, e entrou um cara com poderes quase divinos, mas com mentalidade humana. Inexperiente, falho e hesitante, tentando ser o melhor possível e descobrindo a dificuldade disso. Mais um caso em que alguns fãs se espernearam (sem razão), pagando de desinformados ou esperando outro Superman Returns. Ainda bem que a ideia era o oposto: cenas de luta e destruição lindamente executadas, mostrando as reais consequências de superseres daquele nível se esmurrando num ambiente urbano. Alguns deslizes de roteiro, mas de maneira geral é um filme excelente dentro do que ele propôs.

    1. Círculo de Fogo
    Oh, que surpresa #soquenao. Mais um exemplo em que a palavrinha mágica “proposta” é a chave. Um drama não pode ser avaliado pelos mesmos critérios que uma comédia. Trocam-se os gêneros por quaisquer outros e essa afirmação continua válida. “Cinema” é algo muito amplo e diversificado, não pode ser enquadrado em normas rígidas e absolutas. Nesse sentido, Pacific Rim se assemelha a Os Mercenários. Analisados sob perspectivas comuns de atuações, profundidade, originalidade, lógica, ambos seriam filmes muito falhos. Mas é aqui que se separam aqueles que têm alma daqueles que apenas caminham sobre a Terra. Guillermo Del Toro entregou uma maravilhosa homenagem, uma declaração de amor a um gênero muito específico, com raízes japonesas, da cultura pop. Robôs gigantes descendo a porrada em monstros gigantes, tudo com um visual fantástico e uma trilha sonora fora de série. E um roteiro não ruim ou inexistente, mas muito preciso e competente. Clichês e previsibilidade são parte da brincadeira. Me repetindo mais que episódio do Chaves (homenagem mexicana, sacaram?), pois empolgação é sempre o fator supremo desta lista: em 2013 os jaegers e kaijus esmagaram fácil qualquer concorrência.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Gordo, Feio e Sujo: Um Retrato de Philip Seymour Hoffman

    Gordo, Feio e Sujo: Um Retrato de Philip Seymour Hoffman

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    Aos 46 anos de idade, com mais de 30 filmes no currículo, além de peças teatrais, a notícia devastadora da morte de Philip Seymour Hoffman deixa a sensação de que o prolífico ator poderia muito mais. Nas telas desde a década de 90, Hoffman estrelou inúmeros papéis, a maioria coadjuvantes. Foi um dos alunos que prejudicou a carreira acadêmica de Charlie Simms, em Perfume de Mulher; caçou tornados em Twister; contemplou o talento imenso de Dick Diggler em Boogie Nights; foi um inusitado fonoaudiólogo para Robert De Niro em Ninguém é Perfeito; e, magistralmente, em um de seus pontos altos, interpretou o também magistral Truman Capote, papel que lhe valeu a estatueta dourada.

    Personagens tão diversas que tinham em comum o talento do ator. Mesmo em papéis com pouco espaço em cena, Hoffman foi capaz de se destacar. Não há dúvida de que era escalado, mesmo para interpretações secundárias, por conta de sua solidez cênica.

    Com sua morte, rondam as notícias sobre o vício do homem. Em demasia, repetem o legado brilhante. E, à procura de vender notícias, repetem mais uma vez a reportagem sobre vícios e drogas. Não importa. Philip Seymour Hoffman começou e terminou sua carreira da mesma maneira: um azarão sortudo em Hollywood.

    Gordo, feio, de rosto macilento, Hoffman construiu sua imagem a tapas, longe do rostinho bonito e do corpo bem definido de muitos novos atores que perecem anos depois, mastigados pela falta de talento. Produção após produção, realizou uma linha constante de interpretações incríveis que, mesmo de personagens menores, impressionavam. Poucas vezes o astro teve a chance de vir a público como estrela central de seus longas, embora, em cena, parecesse sempre preparado para qualquer tipo de papel.

    Há poucos atores contemporâneos que conseguiriam dividir uma produção com Meryl Streep sem sentir-se intimado. E Hoffman embate, de igual para igual, com a irmã Aloysius Beauvier em Dúvida. Em uma interpretação carregada de dualidade, abrilhanta a história centrada na fé e na credulidade.

    Três anos antes, Hoffman alcançaria um novo patamar em sua carreira ao ser o alicerce de Capote. Interpretação que ultrapassa a construção de um personagem. Hoffman foi Truman Capote. Cedeu a voz de barítono para a prosódia preguiçosa e aguda do escritor. Penteou os cabelos para o lado e, a cada movimento do cabelo, expandia o ego do baixinho que, antes de escrever o livro que definiria novos estilos literários, afirmava para amigos sua potência como grande escritor.

    O ator desaparecia em suas personagens. Como um azarão, que passa despercebido do público que assiste eventualmente a um filme, utilizava seu anonimato a seu favor. Afundando-se em interpretações que destacavam seu talento.

    A marginalidade de Hoffman era tamanha que, ao buscar suas imagens pela internet, o que aparecem são fotos de premiações, tapetes vermelhos, além de imagens tiradas durante as produções em que interpretou. Poucas produções artísticas de revistas especializadas. Poucas fotografias encenadas mostrando o loiro barbudo e os óculos que o faziam observar o mundo. Philip Seymour Hoffman não era um ator com apelo para vender revistas. 

    A solidez de Hoffman se fazia nas telas. A cada papel, a cada investida cênica tão poderosa quanto bons golpes de direta de algum boxeador famoso. Foi em cada filme que o artista construiu sua imagem e ergueu a trajetória de talento que, aos quarenta e seis anos, desaparece graças à desistência do corpo em luta com as drogas. Fechando as cortinas da vida de um ator que sempre correu pelas beiradas e ainda tinha fôlego para alcançar distâncias maiores. Sempre pelo lado marginal.

    Hoffman representou a antítese da indústria cinematográfica americana. O homem capaz de vencer pelo talento, não pelo rostinho bonito. Ao sair de cena, a despedida antecipada gera resistência. Como um vagabundo iluminado, Philip Seymour Hoffman viveu sua vida e, se na morte não encontrou a paz, cravou na história do cinema uma carreira sólida de personagens díspares, às vezes breves, vividos com a intensidade de um homem indomável.