Ainda na esteira de seus últimos lançamentos, Jean-Luc Godard declara em texto o que já se notava óbvio, especialmente em sua filmografia recente: igualar os que buscam refúgio na realidade a medíocres sem imaginação. Como uma ode à discussão entre pensamento e não-pensamento, Adeus À Linguagem é um experimento narrativo do experiente realizador, que busca incessantemente respostas para suas próprias indagações, algumas vezes passando mensagens ao seu público, outras não.
A nova fica por conta do uso do 3D, recurso ainda não explorado na longa filmografia do francês. O que não é um fator novo é a discussão política, mais uma vez remando contra o lugar comum de arquétipos bilaterais, refutando o conceito muitas vezes atrelado à esquerda de que a solução é a intervenção irrestrita do Estado. Além disso, ataca a hipocrisia da direita, que gosta de recorrer a ações de socorro que visam interesses de empresas de grande porte, ao passo que encaram algumas vezes o assistencialismo como ajuda a desocupados. A miopia geral em relação a discussões sobre economia é o alvo do cineasta.
O nome do filme faz uma óbvia referência ao casal de “protagonistas”, Josette (Héloise Godet) e Gédéon (Kamel Abdeli), já que um tampouco é fluente no idioma do outro, o que praticamente inviabiliza o diálogo verbal, obrigando-os a encontrar diferentes alternativas para se comunicarem. O abstrato ganha contornos reais quando o animal de estimação dos dois passa a falar, o que explica ao espectador menos acostumado com a estética recente de Godard o motivo pelo qual nem sempre a sequência de cenas faz sentido, ao menos sob uma ótica normativa.
É preciso que um animal irracional tome a narração dos fatos e discussões propostos na trama para que haja um laço de lucidez. A tela de Godard se bifurca, com exibições reverenciais em telas de televisão de filmes de monstros clássicos, onde prevalecem estudos dos arquétipos junguianos, enquanto as pessoas retratadas dizem detestar o resumo do homem em personagens, o que vai de encontro à visão particular que Sigmund Freud tinha em relação à análise pessoal e intransferível da psique humana, um dos principais fatores de brigas entre os dois pensadores. A conclusão do cineasta, apesar de recair em maior parte na teoria freudiana, deixa margem para qual seja das duas visões de mundo.
A pulsão para o novo cinema do realizador é provocar mais perguntas que respostas, invocando imagens belas, escolhidas a dedo, e que provocam reações adversas na mente e nos sentimentos de seu público, não restringindo o conjunto de sensações ao simples resumo de um diálogo bobo, fugindo de limitações de repertório e impressão.
O convite de Godard é feito para que seu público viaje junto a ele, pelos mesmo cenários aos quais estão habituados, as mesmas visões e rotinas que se tornam enfadonhas com o tempo, mas que possuem uma gama de interpretações poucas vezes alcançada. Especialmente se analisarmos tendências como o tédio e o consumo desenfreado de lixo glamourizado, valorizando modos de comunicação como urros e gemidos, que em suma louvam o modo primitivo de enxergar e viver o mundo real.