O nome remete à Aristóteles e seu ensaio onde diz, com razão, que o ser humano é um animal essencialmente político. Inclusive nossas angústias são políticas, envolvendo as diretrizes com que precisamos trabalhar para nos enquadrarmos na sociedade. O que nos fere é a dissonância. Uma vaca nasce sabendo ser vaca, já nós, precisamos aprender a ser gente. Depois aprender a ser o tipo de gente que queremos ser, mas não sem antes descobrir o que será que é isso. O ser político é então chamado cidadão, sendo aquele que se ocupa e se preocupa com as questões da polis. O ser não político será o idiota, do grego ID-OTA: aquele que olha para baixo. Aquele que olha para o próprio umbigo.
Então ser político é ocupar-se da vida da comunidade, e não cair na tentadora tendência de ser um idiota, olhar para si e orbitar sua vida.
Neste ponto, nem cultura, nem religião e nem conhecimento ajudam. Parece que quanto mais se cava, mais próximo do fundo do abismo existencial. A solução então parece ser a busca por um livro de normas. Tal qual normas técnicas. Tal qual manual para a vida. E na ânsia da busca a pessoa é facilmente iludida com falsos ídolos e falsos gurus, sendo o coach o ápice desse transtorno pós moderno. A pessoa já não precisa mais acumular habilidades técnicas para seu emprego, e agora precisa também acumular um punhadinho de habilidades pessoais, interpessoais, inter-relacionais e uma vasta gama de jargões, que esvaziam-se tão logo são apropriadas pela visão pragmática e consequencialista da nossa civilização que invisibiliza as pessoas impedindo qualquer tipo de estranheza profunda. Estranha-se, olha para as pessoas em volta, e dá-se de ombros. Dar de ombros é a nova alopatia para enfrentar as vastidão dos vazios que se tem, como pessoas sem cabeça vagando deserto afora, mas sem procurar suas cabeças. Não. Elas procuram apenas outras pessoas também sem cabeça, em uma busca por identificação que não se fecha em sentir-se pertencente, mas em sentir-se adequadamente normal. A auto ajuda demonstra isso muito bem ao mostrar as pessoas como sendo mais egoístas e autocentradas pode lhe a ajudar a ser uma pessoa mais desligada do mundo e, assim, obviamente mais feliz.
A normalização, que até então era de uso exclusivo da geometria, sugeria um ângulo de 90º entre dois seguimentos de reta; chegando à estatística foi apropriada para identificar aquela amostra de dados que se encontra concentrada ao centro da curva para representar uma população. A partir do advento da psicanálise, o normal passou a ser a representação do indivíduo padrão, que sofreu menos com os desvios e consequências da vida. Daí em diante, a normalização do indivíduo trouxe como consequência direta a ideia de que tem quem não seja normal ou padrão, e estar fora do padrão envolve a ideia de que aqueles fora da curva normal precisam ser tratados e medicalizados. O que está fora da normal fere a simplicidade da vida cotidiana onde tudo é esperado e percebível.
É nesta reflexão que surge Animal Político, filme do Cineasta Tião que mostra uma vaca refletindo sobre a vida, sobre sua existência e a necessidade de ser um pouco mais, sem sentir-se culpada por suas crises mesmo que diante de um aparente estado de normalidade da vida. De tão normal, lhe surge a epifania de que não é possível ser tão normal assim. Ora, com certeza existe algo de estranho em estar assim tão enquadrado, quase que só faltando a moldura para fazer de si uma peça de decoração impressa em larga escala. Normal demais pra ser real ou relevante. E assim surge esta personagem e seu caminho de reflexão sobre tudo que gira ao seu redor, ruminando hipóteses e regurgitando soluções, até identificar-se com algo que é apenas uma outra norma. Uma norma tão padrão quanto todas as outras, mas outra norma. Algo que novamente lhe enquadre, mas agora com 3 cm de margem superior e esquerda, e 2 cm de margem inferior e direita, em Arial tamanho 12. Algo entendível, fácil de digerir com página numerada e bibliografia. Algo assim parece conter em si todas as respostas. A grande dificuldade, percebe-se rapidamente, é que não se faz ideia de quais são as perguntas. Não dá para ser vaca (n)dessa forma.
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Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.
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