A figura da política britânica e primeira-ministra Margareth Thatcher sempre foi polêmica e divida entre apoiadores e detratores. Por 11 anos foi chefe de governo do Reino Unido, realizando severas modificações na estrutura econômica do país. Popularmente, ficou conhecida como Dama de Ferro, alcunha que demonstrava sua imposição diante de questões difíceis e dotada de certa teimosia, com a qual gerenciava a nação.
Lançado em 2012, A Dama de Ferro é a biografia cinematográfica desta figura controversa. O grande triunfo da produção é escolher Meryl Streep para interpretar a personagem principal, uma atuação que lhe valeu, com razão, o Oscar, Globo de Ouro e o Bafta de Melhor atriz em 2012.
É perceptível uma tendência de extremo realismo na composição biográfica no cinema. Tais histórias não só são mais acessíveis ao público em geral do que biografias literárias como parte da história de um povo. Mesmo que certas tramas possam ser tendenciosas, cabe ao público observar este aspecto e compreender a interpretação dos realizadores.
No roteiro de Abi Morgan, a trama segue a estrutura tradicional de transitar entre o presente e o passado da vida da Baronesa Thatcher. Neste caso, há um interessante dado biográfico que justifica algumas transições de cena e tempo: Lady Thatcher estava senil, apresentando sinais de demência nos últimos anos. A primeira cena do longa-metragem apresenta um idosa de lenço na cabeça comprando uma garrafa de leite, caminhando por uma Inglaterra que ela desconhece, em um misto de confusão mental e de um país que não mais lhe pertence. A imagem pontua bem o distanciamento da primeira-ministra nos últimos anos de vida.
A trama retrocede para a juventude e segue a biografia desde o início de sua carreira enquanto apresenta breves momentos de sua vida contemporânea como uma senhora aposentada que precisa de cuidados constantes. As pontes entre passado e presente são feitas pelos objetos em sua casa. Histórias que voltam sobre uma trajetória iluminada. Devido a sua doença, há um bonito recurso teatral que traz à tona seu falecido marido, Denis, em diálogos fictícios que retomam acontecimentos e se mantêm no limite entre um estilo narrativo e a saudade daquele que a acompanhou em boa parte da vida.
Neste cenário, a velha Thatcher revê partes de sua vida em cenas que trazem o passado pelos pensamentos presentes. A vida política é apresentada desde o início quando entrou no Partido Conservador até o ápice como primeira-ministra, vista por uns como grande salvadora e outras como um demônio local.
É nas idas e vindas entre passado e presente que Meryl Streep e Jim Broadbent brilham. Mesmo em poucas cenas, o velhinho Denis conquista pelo carisma, demonstrando o companheirismo da relação com Thatcher e, em nenhum momento é eclipsado pelo talento de Steep, sem dúvida a grande estrela que brilha neste filme.
Parte do sucesso desta interpretação se deve à maquiagem esmerada da também vencedora do Bafta e Oscar, Marese Langan, que não só transformou-a em uma Thatcher mais jovem como desenvolveu uma maquiagem realista para a velhice, dando total credibilidade física à personagem. Enquanto Streep compõe a personagem desde sua postura, na velhice curvada e com dificuldades de andar, para a forte senhora de passos firmes do parlamento.
Além da composição corporal e da dentadura que a ajudavam a parecer Thatcher e que, com certeza, dificultavam sua interpretação, ainda havia a mudança do sotaque de seu inglês americano para a pronúncia britânica. Mesmo diante de todos esses desafios, a atriz faz uma grande interpretação que corrompe a barreira entre ator e personalidade real. As semelhanças entre ambas são incríveis e essa credibilidade faz o público perceber com melhor qualidade as nuances da personagem. Uma mulher de um partido conservador que não desejava ser uma mera dona de casa, focada em um plano maior, para a senhora que tudo conquistou e enfrenta uma velhice insegura e com medos internos.
Parte da controvérsia de Thatcher é representada por sua própria trajetória pessoal, além dos erros e acertos na política. Margaret foi uma personalidade feminina em um meio altamente masculino e, mesmo que o filme exclua outras mulheres para dar destaque pleno a ela, a primeira-ministra foi um símbolo feminista, e talvez hoje não seja tratada como tal devido ao contraste contemporâneo de que o feminismo é sempre representado por um símbolo progressista, enquanto Thatcher era uma conversadora ferrenha. Mesmo que se apontem contradições a este respeito, a força de uma mulher de seguir em frente em meio a uma população extremamente machista, revelava a potência feminina de não se submeter ao sistema tradicional de sua sociedade. Talvez por tentar se impor dentro deste universo, sua alcunha de Dama de Ferro foi ainda melhor forjada.
A produção gera simpatia e raiva desta personagem real e não tem medo de apresentar sua fragilidade no final da vida, explorando-a além da vida política, no interior de sua casa e nos conflitos naturais para outros, como aceitar perdas e memórias carregadas por quem já se foi. Como qualquer obra cinematográfica, a história parte de uma visão específica que seleciona acontecimentos e, eventualmente, oculta o que não é interessante. De qualquer maneira, o filme é um bonito drama que equilibra bem o passado e presente de uma grande figura política do século anterior e que se destaca pela verve poética e teatral que o atravessa, como a linda cena simbólica do desfecho de uma velha senhora lavando a própria louça e saindo de cena. Uma metáfora deixada ao público como se a própria Baronesa dialogasse conosco e, em uma ação silenciosa, confirmasse sua chama diminuta diante de um passado exuberante que, mesmo na velhice, não será apagado pela história.