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  • Crítica | Poderia Me Perdoar?

    Crítica | Poderia Me Perdoar?

    Filme que entrou no circuito de premiações recentes, Poderia Me Perdoar? é uma cine biografia que mostra a vida e rotina triste de Lee Israel, uma escritora com claros problemas de relacionamento, que se vê em uma situação limite, sem dinheiro para sustentar a si e a sua gatinha já idosa, com a situação agravada quando logo no início ela perde seu emprego, sua atual e única fonte de renda.

    O longa dirigido por Marielle Heller – a mesma que fez o divertido Diário de Uma Adolescente – tem Melissa McCarthy no papel principal, fazendo uma pessoa de gênio forte, deprimida, com praticamente nenhum amigo e que sofre de uma sensação agorafóbica enorme, com uma clara dificuldade da mesma de ter convívio social.  Lee aparentemente escreve bem, mas sua inabilidade em lidar com qualquer pessoa a faz soar desinteressante não só para o convívio social, mas também para oportunidades profissionais, uma vez que sequer sua agente costuma recebe-la.

    Essa rotina é quebrada quando o personagem de Jack Hock (Richard E. Grant), um homem que durante sua juventude frequentou as altas rodas e que na atualidade da historia vive de pequenos delitos. O roteiro baseado no livro auto biográfico de Israel não é muito sutil, mas essa introdução dos personagens podem ludibriar o espectador, fazendo ele acreditar que o texto trata mal essa relação de Jack e Lee, fato é que essa é uma das poucas coisas no filme que funciona quase a perfeição.

    O inicio do drama de Israel é extremamente melodramático, para mostrar o quanto a personagem é mal compreendida McCarthy é obrigada a passar por muitos momentos constrangedores, onde uma porção de clichês aparecem para explicar o motivo dela ser mal vista por terceiros, construção essa típica de literatura em folhetins.

    A música de Nate Heller ajuda a maximizar o incomodo, ainda mais no início. A trama começa a se tornar mais suportável quando Lee cede a tentação de cometer pequenos  delitos para conseguir algum dinheiro para se sustentar. O começo dessa nova tentativa de lucrar é bem tímido, e ao menos nisso Heller acerta bastante, ao desenvolver de maneira gradual a escalada de coragem pela qual passa Israel, que vai ousando de acordo com o feedback que recebe. A questão é mesmo nos bons e emocionantes momentos se vê um moralismo exacerbado, com uma lição quase bíblica a ser entendida pela protagonista, de que um abismo chama outro abismo, e nada poderia ser mais avesso a vida e estilo de Lee Israel do que ensinamentos cristãos.

    Ao menos em um quesito o filme acerta demais, na construção do suspense e da tensão. Mesmo com um script repleto de problemas e buracos, o desempenho de McCarthy e Grant faz o espectador se pegar torcendo pelo sucesso dos personagens, mesmo sabendo que o que fazem é moralmente errado. É a performance dos dois atores que faz com que Poderiam Me Perdoar? seja um pouco mais tolerável, visto que o drama apresentado é apelativo e medíocre em sua exploração emocional.

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  • Crítica | A Dama de Ferro

    Crítica | A Dama de Ferro

    A Dama de Ferro - poster

    A figura da política britânica e primeira-ministra Margareth Thatcher sempre foi polêmica e divida entre apoiadores e detratores. Por 11 anos foi chefe de governo do Reino Unido, realizando severas modificações na estrutura econômica do país. Popularmente, ficou conhecida como Dama de Ferro, alcunha que demonstrava sua imposição diante de questões difíceis e dotada de certa teimosia, com a qual gerenciava a nação.

    Lançado em 2012, A Dama de Ferro é a biografia cinematográfica desta figura controversa. O grande triunfo da produção é escolher Meryl Streep para interpretar a personagem principal, uma atuação que lhe valeu, com razão, o Oscar, Globo de Ouro e o Bafta de Melhor atriz em 2012.

    É perceptível uma tendência de extremo realismo na composição biográfica no cinema. Tais histórias não só são mais acessíveis ao público em geral do que biografias literárias como parte da história de um povo. Mesmo que certas tramas possam ser tendenciosas, cabe ao público observar este aspecto e compreender a interpretação dos realizadores.

    No roteiro de Abi Morgan, a trama segue a estrutura tradicional de transitar entre o presente e o passado da vida da Baronesa Thatcher. Neste caso, há um interessante dado biográfico que justifica algumas transições de cena e tempo: Lady Thatcher estava senil, apresentando sinais de demência nos últimos anos. A primeira cena do longa-metragem apresenta um idosa de lenço na cabeça comprando uma garrafa de leite, caminhando por uma Inglaterra que ela desconhece, em um misto de confusão mental e de um país que não mais lhe pertence. A imagem pontua bem o distanciamento da primeira-ministra nos últimos anos de vida.

    A trama retrocede para a juventude e segue a biografia desde o início de sua carreira enquanto apresenta breves momentos de sua vida contemporânea como uma senhora aposentada que precisa de cuidados constantes. As pontes entre passado e presente são feitas pelos objetos em sua casa. Histórias que voltam sobre uma trajetória iluminada.  Devido a sua doença, há um bonito recurso teatral que traz à tona seu falecido marido, Denis, em diálogos fictícios que retomam acontecimentos e se mantêm no limite entre um estilo narrativo e a saudade daquele que a acompanhou em boa parte da vida.

    Neste cenário, a velha Thatcher revê partes de sua vida em cenas que trazem o passado pelos pensamentos presentes. A vida política é apresentada desde o início quando entrou no Partido Conservador até o ápice como primeira-ministra, vista por uns como grande salvadora e outras como um demônio local.

    É nas idas e vindas entre passado e presente que Meryl Streep e Jim Broadbent brilham. Mesmo em poucas cenas, o velhinho Denis conquista pelo carisma, demonstrando o companheirismo da relação com Thatcher e, em nenhum momento é eclipsado pelo talento de Steep, sem dúvida a grande estrela que brilha neste filme.

    Parte do sucesso desta interpretação se deve à maquiagem esmerada da também vencedora do Bafta e Oscar, Marese Langan, que não só transformou-a em uma Thatcher mais jovem como desenvolveu uma maquiagem realista para a velhice, dando total credibilidade física à personagem. Enquanto Streep compõe a personagem desde sua postura, na velhice curvada e com dificuldades de andar, para a forte senhora de passos firmes do parlamento.

    Além da composição corporal e da dentadura que a ajudavam a parecer Thatcher e que, com certeza, dificultavam sua interpretação, ainda havia a mudança do sotaque de seu inglês americano para a pronúncia britânica. Mesmo diante de todos esses desafios, a atriz faz uma grande interpretação que corrompe a barreira entre ator e personalidade real. As semelhanças entre ambas são incríveis e essa credibilidade faz o público perceber com melhor qualidade as nuances da personagem. Uma mulher de um partido conservador que não desejava ser uma mera dona de casa, focada em um plano maior, para a senhora que tudo conquistou e enfrenta uma velhice insegura e com medos internos.

    Parte da controvérsia de Thatcher é representada por sua própria trajetória pessoal, além dos erros e acertos na política. Margaret foi uma personalidade feminina em um meio altamente masculino e, mesmo que o filme exclua outras mulheres para dar destaque pleno a ela, a primeira-ministra foi um símbolo feminista, e talvez hoje não seja tratada como tal devido ao contraste contemporâneo de que o feminismo é sempre representado por um símbolo progressista, enquanto Thatcher era uma conversadora ferrenha. Mesmo que se apontem contradições a este respeito, a força de uma mulher de seguir em frente em meio a uma população extremamente machista, revelava a potência feminina de não se submeter ao sistema tradicional de sua sociedade. Talvez por tentar se impor dentro deste universo, sua alcunha de Dama de Ferro foi ainda melhor forjada.

    A produção gera simpatia e raiva desta personagem real e não tem medo de apresentar sua fragilidade no final da vida, explorando-a além da vida política, no interior de sua casa e nos conflitos naturais para outros, como aceitar perdas e memórias carregadas por quem já se foi. Como qualquer obra cinematográfica, a história parte de uma visão específica que seleciona acontecimentos e, eventualmente, oculta o que não é interessante. De qualquer maneira, o filme é um bonito drama que equilibra bem o passado e presente de uma grande figura política do século anterior e que se destaca pela verve poética e teatral que o atravessa, como a linda cena simbólica do desfecho de uma velha senhora lavando a própria louça e saindo de cena. Uma metáfora deixada ao público como se a própria Baronesa dialogasse conosco e, em uma ação silenciosa, confirmasse sua chama diminuta diante de um passado exuberante que, mesmo na velhice, não será apagado pela história.

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  • Crítica | A Recompensa

    Crítica | A Recompensa

    Dom-Hemingway-poster

    Não é preciso ser muito observador para notar que A Recompensa tratará de um personagem vaidoso, profano, egocêntrico e muitíssimo cômico, visto que seu protagonista é mostrado, no primeiro momento, enaltecendo seu dotes  em todos os sentidos possíveis desta palavra. O Dom Hemingway de Jude Law é mostrado primeiro como um presidiário com complexo de grandeza, que não se submete sequer às ordens dos carcereiros, e que logo conquista a liberdade, não sem antes ser ovacionado pelos seus semelhantes, num episódio que pode muito bem ser apenas fruto de sua megalomaníaca imaginação.

    A paleta de cores, num primeiro momento, é composta por tons muito vivos, como o vermelho, verde fluorescente e amarelo. As matizes remetem à euforia do ânimo do personagem-título e contrastam com a violência de suas atitudes. A rotina pós-prisão do anti-herói é marcada também por outros contrastes, visto que uma de suas primeiras ações ao sair do cárcere é procurar sua antiga vida, clamando por sua perdida família. Outra demonstração de destempero e descontrole é o porre que ele impõe a si, mostrando que seu corpo ainda é refém de substâncias viciantes e que sua alma necessita de desventuras etílicas e entorpecentes para se sentir plena. As cores predominantes dos cenários mudam de tom de acordo com o estado de espírito do personagem. Assim como as curvas femininas exibidas, os corpos mudam de estilo à medida que o personagem atravessa as suas “bad trips”, cuja abordagem da beleza das musas que o inspiram variam, exibindo as “chubbys” quando o protagonista está em momentos de dúvida existencial, e “modelos magérrimas” quando se encontra no auge da euforia.

    O estilo de vida ostentativo típico dos bandidos americanos é muitíssimo parodiado pela trupe britânica. O visual faz referência a uma clara brincadeira com tal estilo. Essas alusões pioram com os diálogos, incrivelmente hilários, destacando os estereótipos presentes em filmes de assalto. Certamente a melhor construção da película é a persona de Dom, pois ele é um sujeito tão distraído que em determinados momentos sequer nota o que está bem à sua frente. Entretanto, este mesmo sujeito seria um especialista em um tipo de crime que requer muitíssima perícia e astúcia: arrombamento de cofres de alta segurança. Tudo o que envolve Hemingway, externa e internamente, é tão incrivelmente dissonante que se torna difícil acreditar em qualquer uma de suas ditas qualidades  excetuando o enorme carisma  até vê-las sendo cumpridas. Seu gênio é algo tão volátil e volúvel que ele é capaz de cometer as maiores ofensas e pachorras e ainda assim permanecer vivo e pronto para o trabalho. O embate “ideológico” que tem com seu possível empregador, Mister Fontaine (Demian Bichir), é de um tom nonsense ímpar, de cunho de baixo calão absoluto, mas surpreendentemente inofensivo. A resposta do contratante é igualmente jocosa, deixando claro ao personagem quem dá as cartas naquela situação.

    A receita que Richard Shepard usa para entreter o espectador tem em sua essência seus trabalhos antigos como realizador de seriados. As gags de comédia são muito semelhantes às de sitcom, mas ainda assim são incrivelmente condizentes com a sétima arte, compondo uma ótima surpresa quanto à qualidade dos temas propostos. Sua direção de atores e escolhas de edição e fotografia são muito competentes. O roteiro é dividido em pequenas partes, como em esquetes, ainda que isto não seja tão facilmente percebido.

    É curiosa também a desconstrução da frequente figura de galanteador exercida por Jude Law, que se entrega totalmente ao papel, sem receio de se expor fisicamente de maneira vergonhosa ou de finalmente assumir sua incômoda calvície. Sua carreira é pontuada por bons momentos, mas passa por um período de transição na qual não há mais tanto apelo de papéis que exigem a função de galã.

    Irônico o fato do ladino personagem, ao tentar adentrar um local lacrado, lançar mão das formas mais rústicas de arrombamento. Seu modo de encarar a vida é tão errático que nem mesmo o seu trabalho ele consegue exercer, e nem a recompensa, por ter se calado durante todo o tempo na prisão  doze anos —, ele consegue obter. Mesmo quando se espera uma postura de redenção da parte dele, Dom consegue ser ainda mais louco, ofensivo e politicamente incorreto na forma de abordar seus antagonistas.

    As coisas só passam a fazer sentido e voltam a dar certo na vida de Hemingway após ele ter uma epifania e perceber a mensagem moral que sempre ignorou ao longo da vida. Tal artifício poderia ter diminuído a potência do conteúdo da fita, mas não o fez, porque até a saída fácil de remição e salvação da alma é feita de modo estilizado. O roteiro do filme, que é o mais peculiar dos dirigidos por Richard Shepard, reverencia as produções de Guy Ritchie e Martin Scorsese, mas voltando as suas forças para a comicidade e nonsense.