Paul Kersey é um médico que somente tem olhos para duas coisas: família e trabalho. Como um exímio cirurgião, Kersey é bastante requisitado em seu trabalho, mesmo que seus plantões não sejam integrais. Enquanto está às vésperas de sair com sua esposa Lucy (Elisabeth Shue), sua filha Jordan (Camila Morrone) e seu irmão Frank (Vincent D’onofrio), ele é chamado no hospital, e um ataque acontece em sua casa durante sua ausência. Esse ataque marca mortalmente sua família e o deixa em uma situação desesperadora.
A versão que Eli Roth constrói para o romance de Brian Garfield, já adaptado em 1974 quando foi vivido por Charles Bronson – nesse e em outras quatro continuações – leva em conta a mentalidade violenta e reacionária que tomou o mundo nos últimos tempos. O Kersey que Bruce Willis vive é pouco diferente do de Bronson, ele é bastante arquetípico, tal qual praticamente todos os outros personagens do roteiro de Joe Carnahan, aliás, o forte da adaptação claramente é o cenário desolador em que a Chicago atual está, com uma violência típica do cinema exploitation dos anos setenta e oitenta.
Por mais que fãs mais ardorosos da cinessérie possam reclamar da mudança de profissão do anti-herói (o que é um esforço fútil, pois no livro Kersey era um contador), ela aqui faz muito sentido, uma vez que um médico especialista em cirurgias sabe como maximizar a dor daqueles que opera fora dos hospitais, ao contrário do arquiteto do primeiro filme.
A motivação e a sedução que ocorre para o personagem começar a usar as armas que usa também é bem pensada, mostrando os comerciais caricatos e engraçados que passam na televisão americana, voltadas para os rednecks. Apesar de engraçadas e de lembrarem as propagandas de Robocop, de Paul Verhoeven, a atmosfera se torna assustadora, pois esse tipo de reclame na TV dos EUA é bastante comum. O quadro caótico que Roth pinta tem bastante ironia barata, mas também serve como denúncia a barbárie, ainda que por vias tortas, e a demonstração do quão Kersey é despreparado e tropeça em si mesmo quando comete os primeiros atos de justiçamento, e isso é o resumo do quão estúpida é a atitude de quem pensa em fazer isso.
Para quem já assistiu Albergue, Albergue 2 ou Canibais e está acostumado a filmografia do diretor, a espera era que o gore em Desejo de Matar fosse extremamente explícito, o que poderia obviamente afastar um perfil de espectador mais sensível. Neste ponto, Roth parece ter aprendido bem com seu parceiro Quentin Tarantino, uma vez que consegue trazer esses elementos de cinema splatter de modo gradativo. As cenas onde aparecem vísceras, pescoços quebrando e afins vão subindo vagarosamente, em escalas que fazem o espectador gradativamente.
As piadas feitas pelo roteiro seguem uma linha tradicional, de explorar os estereótipos de seus personagens, visando atingir um espectador de pensamento mais simplório. Há quem reclame de que boa parte das vitimas que Kersey executa são negros e latinos, reforçando estereótipos negativos, mas os corruptores são brancos, o que faz contradizer essa máxima identitária. Além disso, fica claro que Roth tenta atingir o que ele chama de Social Justice Warriors, muito por causa da celeuma em volta do lançamento de Canibais, acusado por ativistas de ser um retrato xenófobo sobre aldeias indígenas, atrapalhando de certa forma a recepção que o filme teve. Entre o último longa e Desejo de Matar há uma não preocupação em ser politicamente correto, e aparentemente é ainda mais proposital neste segundo, meio que em tom de vingança pessoal, o que por si só é uma atitude infantil, mas até esperada visto qual é a personalidade do diretor.
Apesar de não ter qualquer crítica social aprofundada, a nova versão de Paul Kersey (e seus infortúnios) consegue brincar bem com a insegurança do americano médio com a morosidade do Estado em resolver o caos e a violência que tomam novamente os Estados Unidos. De certa forma, é um filme de época, como eram os longas de ação que Willis protagonizou no início de carreira, e seu papel canastrão cabe muito bem nesse conto de fadas bélico.
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