Panfletário, e baseado em fatos ocorridos na biografia de seu personagem-título, Eu Sou Michael explora algumas linhas temporais ao exibir a trajetória confusa e polêmica de Michael Glatze. O filme de Justin Kelly se inicia em uma sessão religiosa informal, com James Franco, intérprete do protagonista, recebendo um confuso menino homossexual, acalentado pelo homem mais experiente que tenta mostrar, através da fé, que é possível “curá-lo” daquele comportamento.
A câmera retorna ao passado, em uma colorida São Francisco, onde o personagem principal é editor de uma revista para nicho, de temática gay. O grave problema já no início é a dificuldade que o filme tem em retratar assuntos polêmicos, cujo conteúdo de contestação é alto. Glatze tem uma teoria plausível para a época, sobre a construção social da sexualidade, mas que é maltratada pelo argumento, caindo em desimportância pelo enfoque raso dado a esses aspecto. As mudanças de território funcionam como limiares, pontuando a mudança de espírito, com saltos cronológicos complicados e mal pensados.
A impressão de que o texto gosta de generalizar é justificado pelo modo como os homossexuais são retratados, sempre como pessoas dispostas a relações abertas, com um descuidado ímpar em não mostrar que a “semi-poligamia” não é artigo obrigatório. O discurso religioso vai tomando a proximidade de Michael, tanto em sua psique quanto no roteiro de Kelly, Stacey Miller e Benoit Denizet-Lewis. Há a artificialidade desse alastrar, pecando em dois sentidos, através da condescendência junto ao preconceituoso, bem como a desistência do personagem principal, em doses homeopáticas e forçadas.
O flerte com o cristianismo conveniente ocorre através da sedução pela normalidade, aproximando o drama de uma Síndrome de Estocolmo que é sugerida e não desenvolvida. Aos poucos, Mike se “endireita”, tornando-se cada vez mais frágil, se igualando aos argumentos que agora abraça.
Zachary Quinto desenvolve um Bennet muito mais profundo que todos os outros personagens, o que ajuda a assinalar o quão raso é é Eu Sou Michael. O filme soa claramente ofensivo para a plateia específica – leia-se o espectador gay – por conter nas palavras uma forte alusão à falta de identidade de gênero, associando de modo escuso a prática sexual entre homens do mesmo sexo a algo pecaminoso, tão simplista que se iguala em preconceito a tudo que Michael antes refutava. O erro do filme é em não tomar partido.
O declínio intelectual do personagem tenta ser associado a um novo patamar de espiritualidade, o que piora ainda mais o caráter expositivo, que insiste em tratar o sofrimento do biografado como tentação de crença. Especialmente ao chegar no estado do Colorado, onde a transição já está “assumida”, pontuada por argumentos baratos e reacionários.
Eu Sou Michael retrata uma trajetória de um homem confuso, que acredita estar evoluindo ao negar seus desejos, associando-os a símbolos falaciosos, de fácil digestão para o binarismo conservador, mas intragável para um progressista. A ode ao discurso excludente só piora o grau ao explorar a nova faceta de sua sexualidade, sempre como um coito interrompido, justificado claro pela imbecil falta de conteúdo relevante em sua nova postura. Mesmo nas palestras em que ouve, Mike é deslocado, e ainda assim não consegue compreender que todo o esquematismo da história é mais um engodo, mais uma manifestação mentirosa do destino que o aguarda.
A união com Rebecca (Emma Roberts) é mais uma das evidências de que os dois mundos não se encaixam, especialmente pela ignorância gritante de quem deveria ser sábio por ser a “imagem e semelhança” de alguém perfeito. O escavar de sua própria dignidade piora, assumindo cada vez mais que o medo é o estopim da graça, criando seus próprios sofismas. Toda a real sabedoria é concentrada em Bennet, que segue sua jornada como o personagem que não se perverte, ou se permite mentir para si mesmo. Suas últimas palavras ao ex-amante são quase como um clamor, uma última súplica para a coerência, do personagem e do roteiro, não atendida até o final.
O resultado do filme de Kelly é nefasto. Se analisado sob o ponto de vista de igualdade sexual, é um espécime de cinema fraco, covarde e sem ousadia, desfenestrável por prestar um desserviço a discussões mais acaloradas, pela vertente da defesa dos direitos iguais, e gera ainda mais debate graças à vexatória abordagem utilizada, servindo como contra-exemplo de como gerar um filme de história polêmica.