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  • Crítica | Snowden: Herói ou Traidor

    Crítica | Snowden: Herói ou Traidor

    snowden2016 foi um ano particularmente trágico no mundo e uma das surpresas mais negativas surgiu com a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Por tudo que defende, o futuro comandante da nação mais poderosa do planeta representa não só a possibilidade de uma escalada ainda maior do processo de desequilíbrio econômico-social no mundo, mas sobretudo da expansão do cerceamento das liberdades individuais. E é justamente nesse contexto que Snowden: Herói ou Traidor, novo filme de Oliver Stone sobre o ex-funcionário da CIA e da NSA, se torna absolutamente relevante e terrivelmente assustador.

    Escrito pelo próprio Stone em parceira com Kieran Fitzgerald a partir dos livros Os Arquivos Snowden e Time of the Octopus (ainda sem tradução no Brasil), Snowden é um filme que resgata tudo aquilo que se espera de seu diretor. Com forte viés político, como não poderia deixar de ser, a produção constrói um thriller digno de John Le Carré para mostrar os eventos que culminaram na divulgação de documentos secretos da NSA em junho de 2013 ao mesmo tempo em que nos apresenta quem de fato é Edward Snowden, o homem responsável pelo vazamento de informações que mancharam irremediavelmente a administração de Barack Obama.

    Interpretado por um Joseph Gordon-Levitt num trabalho que impressiona pelas sutilezas com que emula o personagem título quase à perfeição (quem viu o documentário ganhador do Oscar 2015, Citizenfour, vai notar como o ator ficou realmente parecido com Snowden tanto na postura física quanto no tom de voz), o ex-CIA e NSA se revela uma figura fascinante à medida em que vemos a trajetória da transformação do homem que acreditava plenamente que a “América” é o melhor lugar do mundo e confiava em seus governantes – achando absurdo, por exemplo, quem criticava o presidente – àquele que resolveu expor o maior segredo destes para o mundo.

    O filme estrutura e divide sua narrativa basicamente entre duas coisas: os bastidores da longa entrevista que Snowden deu à documentarista Laura Poitras (Melissa Leo) e aos jornalistas Glenn Greenwald (Zachary Quinto) e Ewen MacAskill (Tom Wilkinson) em Hong Kong em junho de 2013 e os flashbacks que trazem recortes da carreira de Snowden evidenciando alguns de seus feitos em posições de destaque tanto na CIA quanto na NSA (que inclusive provam que ele não era um reles analista terceirizado como o governo americano tentou pintá-lo depois) além de sua própria vida pessoal quando mostra como seu relacionamento com a progressista Lindsay Mills (Shailene Woodley) influenciou a mudança de perspectiva que ele experimentou.

    A propósito, ainda que tenha o thriller político no seu DNA, Snowden, por vezes, ganha ares de filme de terror quando evidencia quão ameaçadoras são as ferramentas que a NSA dispunha (e provavelmente continua dispondo) para monitorar cidadãos mundo afora que sequer sabem que estão sendo vigiados das formas mais vis. É o choque de realidade que o filme provoca, aliás, que o transforma numa obra tão importante, já que expõe com todas as letras que o terrorismo foi a mera desculpa que o governo americano usou para obter vantagens em negociações econômicas com outros países através do monitoramento secreto de outros governos e empresas estrangeiras.

    Expositivo na medida certa, Snowden traz também o importante alerta sobre como é fundamental ter uma mídia imparcial genuinamente interessada em expor fatos de interesse público doa a quem doer em oposição àquela que defende interesses particulares omitindo ou manipulando informações. Nesse contexto, aliás,  há uma sequência já no terceiro ato do filme que deveria fazer muito paneleiro aqui no Brasil ficar envergonhado ou no mínimo pensando como sou trouxa por ter acreditado em tudo que os JNs da vida me disseram por meses a fio sobre o que estava acontecendo no país.

    E se isso, por si só, não te convencer da relevância que um filme como Snowden deveria ter, o momento político atual dos Estados Unidos, aliado a uma fala de seu personagem título já na parte final da produção sobre os riscos de estarmos nos aproximando do ponto em que poderemos perder totalmente nossa liberdade e direito à privacidade em nome da pretensa segurança devem fazer o serviço.

    Texto de autoria de David Garcia, do site Ligado em Série.

  • Review | Heroes

    Review | Heroes

    Heroes 1

    De começo bastante  atabalhoado, com cenas em que os efeitos especiais surpreendiam pelo caráter paupérrimo, Heroes, de Tim Kring, emulava a tentativa de retratar a realidade comum do homem caso homens super-poderosos pisassem na Terra e convivessem com os meros mortais, ainda que a tal “realidade” tivesse um nível de suspensão de descrença condizente com aquela era de popularização das séries na TV americana.

    O baixo índice de audiência pode ser atribuído à falta de qualidade do roteiro, com uma quantidade exorbitante de tramas paralelas e personagens genéricos. O último aspecto citado é normalmente encarados pelo corpo de fãs como algo positivo, já que serve de analogia para o mesmo problema visto nos quadrinhos de super-heróis mainstream.

    A premissa envolve um misto de ciência e profecia, através da visão do “voador” Peter Petrelli (Milo Ventimiglia) e do cientista indiano Mohinder Suresh (Sendhil Ramamurthy). O cotidiano do primeiro é ligado à área da saúde, o que ajuda a estabelecer uma conexão instantânea do texto com a mortandade e impotência do homem diante da existência, aspecto semelhante ao do segundo protagonista, que tem em suas pesquisas e discursos um ideal desbravador, que se agrava com a morte de seu pai, fazendo-o rumar a Nova York para finalizar os estudos. O encontro dos dois é dado por um evento contraditório, com o doutor trabalhando na América como taxista, atendendo a Petrelli com uma conversa desencontrada e conveniente.

    As motivações e atitudes dos outros personagens são bastante infantis, como as de Hiro Nakamura (Masi Oka), um nerd asiático, aficionado por Jornada nas Estrelas, histriônico e de desejos simples, cuja compleição lembra bastante a de tantos outros fãs do seriado. Sua busca é por dar vazão à sua suposta habilidade especial, tencionada por motivos ingênuos, como fugir da rotina de trabalho corriqueiro. Uma pretensão interessante, mas que se prova bastante fútil, fazendo-o adentrar o território dos Estados Unidos sem necessitar de visto.

    Outra demonstração narrativa bastante torpe é a mostra de poderes de Claire Bennet (Hayden Panettiere), uma moça praticamente indestrutível, que esconde junto à identidade de seu pai adotivo Noah (Jack Coleman) um temível segredo, primeiramente sob uma ótica um pouco vilanística, mas que se inverteria depois. O drama escolar de Claire tenta adultizar um pouco o tema da série, ainda que somente arranhe a superfície da maturidade, já que o ideal é escapista, massavéio e nerd.

    A apresentação dos personagens é diversificada, tendo do policial Matt Pakerman ( Greg Gunberg) como uma tentativa de alívio cômico, ao mesmo tempo em que toca em assuntos tabu graças às suas habilidades e poderes. A tentativa de mostrar algo maduro segue ao mostrar o super-humano como uma figura repleta de defeitos, re-discutindo questões éticas, como invasão de privacidade e “justiça com as próprias mãos”.

    Outro poder ligado a clarividência é o do pintor Isaac Mendez  (Santiago Cabrera), que, através do uso de entorpecentes, consegue prever o futuro com seus desenhos, antevendo questões primordiais como o eclipse que teria causado e evocado os poderes em todos os ditos humanos. Aos poucos, os mistérios a respeito de Gabriel Gray vão se revelando, mostrando o que talvez seja o mais denso dos personagens, com Zachary Quinto exibindo grande parte do talento que o faria famoso pouco depois do seriado. Sylar passa a ser um contraponto para a completa falta de qualidade do argumento do seriado.

    A trama passa a fazer mais sentido e despertar mais interesse a partir da ida de Hiro ao futuro, onde os “especiais” estão em lados opostos, com Nathan Petrelli (Adrian Pasdarocupando o mais alto cargo na Casa Branca, apoiado pelo renomado cientista Morrinder, que organiza uma força-tarefa que caça os terroristas, entre eles o Nakamura futurista e os escondidos Jessica (Nicki, vividas ambas por Ali Larter) e Peter. O mundo, devastado pela autodestruição de Sylar, é um lugar sem esperança e desprovido de futuro.

    Heroes 2

    O fim da temporada é anti-climático ao extremo, além de apelativo. A péssima relação de Sylar com sua mãe ajuda a explicar alguns de problemas, entre eles o começo de seus pecados terríveis, a começar pelo matricídio. Os últimos episódios conseguem enfraquecer até os momentos interessantes do ano, em especial a personagem de Beneth, cada vez mais enfraquecido por motivos banais, fator que chega a ser ignorado diante da decepcionante luta entre Hiro e Peter contra Sylar.

    A segunda temporada começa bem diferente, com cada personagem em um ponto do globo ou do tempo. Diante do péssimo roteiro anterior, até as bizarrices deste ano se tornam parcialmente justificáveis. O programa ocorreu em meio a muitos problemas. A criatividade zerada é atribuída à greve dos roteiristas, ainda que a falta de substância já tenha ocorrido desde a estreia, o que não faz estranhar tanto o péssimo texto, ao menos para o espectador que ignorou o hype.

    Os erros começam com o isolamento do trio de personagens mais poderosos, dando foco às  histórias periféricas o que piora a situação, já que os motes levantados com Hiro, Sylar e Peter em separado são chatos enquanto a saga dos outros é somente boba. O desenrolar de fatos explora uma teoria da conspiração absurda envolvendo os seniors, reunindo pais de personagens e outras pessoas de mais idade. A tentativa de retconar o desfecho do ano anterior serve de paralelo com o erro crasso que isso significa nos quadrinhos. Heroes segue usando as HQs como inspiração, emulando principalmente os defeitos irremediáveis da nona arte.

    Os roteiristas estavam perdidos de fato, e os poucos episódios são descompromissados e não levam a qualquer lugar. É como se os onze episódios fossem o season finale da primeira, mas sem os poderosos, deturpando tudo o que era interessante e defenestrando o conteúdo construído a duras penas.

    O terceiro arco, Vilões, deveria ser uma inversão de valores, mas virou uma simples deturpação de ethos em nada justificada. A temporada três aconteceria sob os pedidos de desculpas de seu criador, junto à promessa de que os problemas poderiam ser sanados, o que evidentemente não ocorreu.

    Sem dúvida o terceiro período anual é um dos piores momentos do seriado, ainda que a tônica seja realmente de um caráter podre de qualidade, e um dos fatores que fortifica tal aspecto é a bifurcação do folhetim, mudando até o nome do arco, para Livro 4: Substitutos, provando em si a péssima ideia que foi a de modificar o ethos de todos os personagens.

    A tentativa de reverter os conceitos do sub arco Vilões faz tudo parecer ainda mais esdrúxulo, desde o eclipse mundial até a quantidade enorme de referências a cultura pop negadas veementemente por Tim Kring, seja a visita ao passado, que emulava de modo tosco os Minutemen  de Watchmen – além de contradizer completamente os quadrinhos de prequel – seja o presente, com uma quantidade absurda de tramas desinteressante e irritantes.  A Redenção, dita no nome do quinto volume, jamais se cumpre, ao contrário, se adicionam tons novelescos entre o terceiro e quarto ano, inclusive ressuscitando a figura de Ali Larter com uma nova personagem, Tracy Strauss, uma mulher que converte quase tudo em gelo, e que se envolve com os mesmos pares românticos de sua contraparte, e a qual tem algum parentesco misterioso com ela.

    Nos momentos finais há o acréscimo de um confuso plot envolvendo o circo de Samuel Sullivan (Robert Knepper), que faz ocupar a atenção de todo o núcleo de personagens principais, fazendo alianças improváveis surgirem, como as de Peter Petrelli e Sylar. Brave New World, o capítulo derradeiro é bastante confuso, contando com ressurreições inesperadas que servem somente para aumentar o terrível circo de horrores.

    Sullivan resume bem a essência de Heroes ao mostrar um vilão caricato que aparece, faz mil promessas de terror jamais cumpridas, assassina alguns e sai de cena sem alterar quase nada no status do programa, como nas piores revistas em quadrinhos antigas, o que demonstra a dificuldade de Tim Kring em copiar a parte interessante das histórias de heróis clássicos. Mesmo a atitude final de Claire, em tentar revelar suas habilidades, soa vazia, mesmo que a cena final combine com as primeiras, em um momento que deveria ser significativo e só soa desimportante e melancólico, dada toda a falta de qualidade do programa.

  • Crítica | Star Trek: Sem Fronteiras

    Crítica | Star Trek: Sem Fronteiras

    cartaz

    É curioso como, hoje em dia, a tela de cinema precisa se desdobrar, entortar, capturar mais que 180º para conseguir dar conta de nos mostrar um universo, mais que plausível, que a tecnologia já consegue moldar, e uma câmera quase não consegue emoldurar mais. Nunca me esqueço de uma sessão em IMAX 3D de Gravidade, o clássico de Cuarón em 2013, quando, enquanto espectadores passivos que somos, nos deixávamos engolir pela tela e quase não conseguíamos tornar mensuráveis as dimensões à frente dos olhos, tamanha a escala obtida. Tudo muito grandioso, e assim, aos poucos, hipnotizados, de espetáculo em espetáculo, com exceção do já citado épico com Sandra Bullock e outros gatos pingados que sabem usar a tecnologia afim de algo maior que explosões e acrobacias, fomos nos esquecendo de que cinema não é apenas diversão, mas pode ser representação e conscientização social, especulação da nossa realidade, filosofia, palco para futuros triunfos científicos, e tudo o mais que a série Star Trek nos anos 1960 foi. Claro que este Sem Fronteiras, de 2016, não resgata tudo isso ao belo e desmotivado cinema de ação dos anos 2000, mas chega às maiores telas do mundo como um lembrete dos bons ao público – além de ser nostálgico, sem ofender a memória dos mais velhos.

    Tratada como uma caravela espacial forte, e quase indestrutível, comandada pela tropa de Kirk, Spock e cia., a espaçonave Enterprise é desmontada feito um castelo de lego, logo de cara, num impressionante uso de mise-en-scène interno e externo, muito bem orquestrado para sentirmos na pele a dor de um engenheiro ao ver as camadas e a estrutura interior de uma enorme construção ser implodida. É na subversão simbólica da principal personagem de Star Trek, ou seja, a nave que guia a todos, que percebemos a audácia e o desejo de voltar à essência e ao espírito de ficção-científica puro da era de ouro da TV. E o filme literalmente nos transporta àquela era, sendo mais um longo (porém rápido) episódio da série clássica, que uma continuação da ideia boba de prequel, dos dois outros regulares e moderninhos filmes da nova franquia. Não resta dúvida a relevância de Sem Fronteiras para a série ao compará-lo, mesmo que superficialmente, com os filmes de J.J. Abrams, pois este é, sem dúvida, o melhor exemplar da nova série dos exploradores cósmicos e seus buracos de minhoca, em plenos 50 anos terráqueos de suas viagens intergalácticas.

    Left to right: Simon Pegg plays Scotty, Sofia Boutella plays Jaylah and Chris Pine plays Kirk in Star Trek Beyond from Paramount Pictures, Skydance, Bad Robot, Sneaky Shark and Perfect Storm Entertainment

    Aqui, a história e a caravela de Cabral finalmente caem pelo abismo para, assim, elevar a qualidade do todo. Ao buscar criatividade e novos temas abordados nos rumos que o universo reciclado de Gene Roddenberry precisa tomar, ao invés de ficar jogando e tirando a Enterprise de buracos de minhocas e detritos espaciais como Abrams agora vai jogar Star Wars, aparentemente a série, com a ajuda do trekker e roteirista Simon Pegg, está disposta a encontrar seu lugar no atual cinema-pipoca, além de provar ser muito mais coerente e realista em seus princípios e, novamente, nos seus temas abordados, que o universo oriundo da mente infantil de George Lucas nunca foi capaz de alcançar. Star Trek parece ter achado seus nobres tom, bússola e paradeiro. Parece ter achado onde nasce suas alusões ao real e suas hipóteses futuras (Sulu, o comandante da nave, é assumidamente gay, uma representação sexual atingida antes pela quota racial em 1966 por Uhura, a primeira personagem feminina e negra a beijar um homem branco, na TV americana), afinal, antes de usarmos celulares, tablets, tradutores de idiomas e outras tecnologias, Star Trek apostava na futurologia e também nos preparou para o uso dos aparelhos – na época, parte de uma ficção hipotética, distante e científica.

    É o ímpeto por esta trilha perspicaz, indo à frente do seu tempo “aonde ninguém jamais foi”, que por fim acaba sendo refletido no uso inteligente, divertido e sábio da modernidade técnica que hoje tanto se explora (efeitos visuais e sonoros impressionantes), e isso não poderia ser de forma alguma melhor – e mais surpreendente, pois quem comanda o show é o até então inexpressivo Justin Lin, de Velozes e Furiosos. Um show despretensioso e equilibrado em suas motivações primordiais, mesmo tocando em vários assuntos, apostando no êxtase da nostalgia, da boa e velha ação, d’um bom e novo vilão (no ano que tivemos o desprezível Apocalipse de X-Men, um antagonista como Krall faz bem até aos olhos, por mais assustador que seja, e pelo fato de ser Idris Elba na pele do destruidor da Enterprise), mas tudo sem ignorar a especulação quanto ao rico universo em mãos, deixando jamais quaisquer personagens ou sub-tramas do filme de lado, sequer sub-aproveitadas, numa verdadeira ópera nas estrelas – e sempre apontando suas resoluções para frente.

    É esse sentido utópico, é tal reconhecimento idealista que se configura Star Trek, e por mais que Sem Fronteiras não carregue todos os motivos que fazem da série um triunfo da, e para, a cultura pop, já indica que os próximos filmes e a série recém-anunciada pela CBS e Netflix (Eba!) podem chegar a um novo futuro e conquistas, sem esquecer os louros de um passado eternamente presente, contudo não plagiado. Por isso, ao tecer tais expectativas e constatar os fatos, torna-se indiscutivelmente prazeroso, afinal, assistir a novos arranjos aos sonhos de antigos mestres do Cinema, como Meliès e Cecil B. De Mille, bem conceituados e aproveitados nas dimensões cada vez maiores da experiência extraída de uma tela, em prol de uma das matinês mais divertidas (e interessantes) de 2016. Nice job.

     

  • Crítica | Eu Sou Michael

    Crítica | Eu Sou Michael

    Eu sou Michael - poster

    Panfletário, e baseado em fatos ocorridos na biografia de seu personagem-título, Eu Sou Michael explora algumas linhas temporais ao exibir a trajetória confusa e polêmica de Michael Glatze. O filme de Justin Kelly se inicia em uma sessão religiosa informal, com James Franco, intérprete do protagonista, recebendo um confuso menino homossexual, acalentado pelo homem mais experiente que tenta mostrar, através da fé, que é possível “curá-lo” daquele comportamento.

    A câmera retorna ao passado, em uma colorida São Francisco, onde o personagem principal é editor de uma revista para nicho, de temática gay. O grave problema já no início é a dificuldade que o filme tem em retratar assuntos polêmicos, cujo conteúdo de contestação é alto. Glatze tem uma teoria plausível para a época, sobre a construção social da sexualidade, mas que é maltratada pelo argumento, caindo em desimportância pelo enfoque raso dado a esses aspecto. As mudanças de território funcionam como limiares, pontuando a mudança de espírito, com saltos cronológicos complicados e mal pensados.

    A impressão de que o texto gosta de generalizar é justificado pelo modo como os homossexuais são retratados, sempre como pessoas dispostas a relações abertas, com um descuidado ímpar em não mostrar que a “semi-poligamia” não é artigo obrigatório. O discurso religioso vai tomando a proximidade de Michael, tanto em sua psique quanto no roteiro de Kelly, Stacey Miller e Benoit Denizet-Lewis. Há a artificialidade desse alastrar, pecando em dois sentidos, através da condescendência junto ao preconceituoso, bem como a desistência do personagem principal, em doses homeopáticas e forçadas.

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    O flerte com o cristianismo conveniente ocorre através da sedução pela normalidade, aproximando o drama de uma Síndrome de Estocolmo que é sugerida e não desenvolvida. Aos poucos, Mike se “endireita”, tornando-se cada vez mais frágil, se igualando aos argumentos que agora abraça.

    Zachary Quinto desenvolve um Bennet muito mais profundo que todos os outros personagens, o que ajuda a assinalar o quão raso é é Eu Sou Michael. O filme soa claramente ofensivo para a plateia específica – leia-se o espectador gay – por conter nas palavras uma forte alusão à falta de identidade de gênero, associando de modo escuso a prática sexual entre homens do mesmo sexo a algo pecaminoso, tão simplista que se iguala em preconceito a tudo que Michael antes refutava. O erro do filme é em não tomar partido.

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    O declínio intelectual do personagem tenta ser associado a um novo patamar de espiritualidade, o que piora ainda mais o caráter expositivo, que insiste em tratar o sofrimento do biografado como tentação de crença. Especialmente ao chegar no estado do Colorado, onde a transição já está “assumida”, pontuada por argumentos baratos e reacionários.

    Eu Sou Michael retrata uma trajetória de um homem confuso, que acredita estar evoluindo ao negar seus desejos, associando-os a símbolos falaciosos, de fácil digestão para o binarismo conservador, mas intragável para um progressista. A ode ao discurso excludente só piora o grau ao explorar a nova faceta de sua sexualidade, sempre como um coito interrompido, justificado claro pela imbecil falta de conteúdo relevante em sua nova postura. Mesmo nas palestras em que ouve, Mike é deslocado, e ainda assim não consegue compreender que todo o esquematismo da história é mais um engodo, mais uma manifestação mentirosa do destino que o aguarda.

    A união com Rebecca (Emma Roberts) é mais uma das evidências de que os dois mundos não se encaixam, especialmente pela ignorância gritante de quem deveria ser sábio por ser a “imagem e semelhança” de alguém perfeito. O escavar de sua própria dignidade piora, assumindo cada vez mais que o medo é o estopim da graça, criando seus próprios sofismas. Toda a real sabedoria é concentrada em Bennet, que segue sua jornada como o personagem que não se perverte, ou se permite mentir para si mesmo. Suas últimas palavras ao ex-amante são quase como um clamor, uma última súplica para a coerência, do personagem e do roteiro, não atendida até o final.

    O resultado do filme de Kelly é nefasto. Se analisado sob o ponto de vista de igualdade sexual, é um espécime de cinema fraco, covarde e sem ousadia, desfenestrável por prestar um desserviço a discussões mais acaloradas, pela vertente da defesa dos direitos iguais, e gera ainda mais debate graças à vexatória abordagem utilizada, servindo como contra-exemplo de como gerar um filme de história polêmica.

  • Crítica | Hitman: Agente 47

    Crítica | Hitman: Agente 47

    Hitman- Agente 47

    Segunda versão cinematográfica baseada no jogo lançado pela IO Interactive em 2000, Hitman: Assassino 47 é uma nova tentativa da 20th Century Fox, mesma produtora do primeiro longa, de investir em uma franquia de sucesso nos consoles e PC. Uma fonte que sempre resultou em adaptações difíceis, sendo Resident Evil – Hóspede Maldito uma das versões mais conhecidas.

    O grande desafio de adaptar um jogo para os cinemas se deve à fidelidade necessária à história e à construção de uma narrativa que mantenha o mesmo conceito conhecido por seus jogadores e tenha um alcance universal para o público em geral. Muitos jogos se baseiam em um argumento base e se desenvolvem em missões, transitando por temas semelhantes, um estilo que pode abarcar o cinema mas nem sempre representá-lo com qualidade.

    Os preceitos fundamentais do game, sobre um assassino profissional clonado e modificado geneticamente, são estabelecidos nos minutos iniciais da produção, em uma narrativa em off. À semelhança da origem do herói Capitão América e o soro do Super Soldado (criado por uma equipe que morre logo após a experiência com Steve Rogers), o único homem capaz de reproduzir a experiência do Agente 47 está desaparecido e começa a ser caçado por uma agência para repetir a experiência e compor um exército.

    Com o diretor estreante Aleksander Bach e uma trama escrita pelo mesmo roteirista do primeiro longa-metragem, é evidente que a série não é tratada como um produto de primeira linha com possibilidade de alta rentabilidade. Mas sim uma narrativa voltada para um alcance médio de público, capaz de pagar seus gastos e obter algum lucro. Inicialmente, a personagem inicial  provavelmente seria de Paul Walker. Um provável desafio para o ator sorridente incorporar um papel fechado e normalmente inexpressivo, além de garantir um atrativo ao público. Infelizmente, Walker saiu de cena antes do início da produção e o britânico Rupert Friend assumiu o papel.

    Com uma figura naturalmente apática devido a sua programação para se tornar um assassino de aluguel, a identificação com a personagem é difícil. A trama é claramente voltada para a ação com uma miscelânea de estilos diversos vistos em outras produções na última década: lutas corporais com golpes brutais, cenas bem ensaiadas como balé, exageros que desafiam a lei da gravidade, câmeras que acompanham a movimentação das personagens e imagens cujo impacto visual, com uso de reflexos e cores quentes, em contraste com a fotografia azulada, se destacam.

    Objetivo ao extremo em sua narrativa, as cenas de ação ao menos se sustentam e seus personagens transitam de uma cena a outra sem muita evolução. Talvez se houvesse maior dedicação e elaboração no projeto, o produto seria melhor além de um filme de ação que peca pela falta de estilo próprio, mesmo que seu argumento base seja suficiente para ser bem trabalhado nas mãos de bons roteiristas. Como um encadeamento de cenas de ação, Hitman: Assassino 47 pode satisfazer e – de fato – sua bilheteria comprova que a produção foi capaz de pagar seu orçamento e ainda obter lucro. Porém, falta muito para que seja um filme minimamente considerável e, como a produção anterior, com Timothy Olyphant, será esquecido em breve, engolido por bons lançamentos do ano e, futuramente, adaptado por uma terceira vez ou sumariamente renegado aos bons jogos lançados até então.

  • Crítica | Star Trek (2009)

    Crítica | Star Trek (2009)

    61 - Star Trek (Jornada nas Estrelas)

    Quando foi anunciado que J.J. Abrams seria o novo responsável por trazer de voltas às telonas a franquia Star Trek, confesso que não me importei, porque nunca liguei muito para essa franquia (e também porque naquela época ele não era tão conhecido quanto hoje). Não sei bem as razões, mas nunca tive vontade de ver a série em qualquer das gerações ou nenhum dos filmes. Talvez pela quantidade e pela eternidade que iria levar ver tudo, mas, mesmo assim, algumas características dos personagens e bordões criados pela série eram familiares, tamanha é a influência de Star Trek na cultura pop. Portanto, eu era o público-alvo do filme tanto quanto qualquer pessoa que não tivesse o mínimo de conhecimento da saga.

    Nesse aspecto, posso dizer que o filme agradou. Ao dar uma nova roupagem e modernizar os personagens, J.J. Abrams consegue criar um universo verossímil, mesmo fazendo algumas alterações que poderiam causar estranheza aos fãs da série clássica.

    O filme se inicia contando a história do pai do capitão James T. Kirk (Chris Pine) e como ele é morto por um ataque de romulanos e consegue salvar a vida de milhares de pessoas. Logo depois, vemos Kirk crescendo como um jovem impulsivo e que sempre testa seu limite, e o dos outros, na busca por emoções e desafios. Também nos é apresentada a origem de Spock (Zachary Quinto) em seu planeta natal, Vulcano, contrastando sua metade humana com sua metade vulcana, e como isso afeta e afetará sua vida. O que faltou foi um maior desenvolvimento aos outros personagens, como Dr. Leonard McCoy (Karl Urban), tornando a trama excessivamente centralizada em Kirk e Spock.

    A trama é relativamente simples, porém se utiliza de subterfúgios muito comuns em filmes do gênero quando os roteiristas estão encurralados sem saber para onde ir: a viagem no tempo. Porém, a forma como ela é usada serve de propósito ao desenvolvimento da história, então neste aspecto soa natural, apesar de essa mesma história ser contada no ritmo frenético que a ação moderna exige, fazendo com que o espectador possa se perder às vezes.

    O assassino do pai de Kirk, o romulano Nero (Eric Bana), volta no tempo para destruir os planetas de todos aqueles que não fizeram nada para evitar a destruição de seu planeta no futuro, e consegue efetivamente destruir o planeta Vulcano, para o desespero de Spock. No entanto, seu próximo alvo é a Terra, e algo precisa ser feito para impedi-lo.

    Enquanto Kirk e Spock ainda não são amigos e lutam para conseguir se manter no mesmo ambiente, Kirk é colocado para interagir com Leonard Nimoy, o eterno Spock da série clássica, tanto para explicar a questão da viagem no tempo, como para agradar os velhos fãs, pois só mesmo uma pessoa totalmente alienada da cultura pop não reconhecerá o rosto do velho ator, que dá uma boa contribuição, juntamente ao personagem Scotty (Simon Pegg), que garante boas risadas como o alívio cômico. Porém, o vício de Abrams em explicar demais a história para não correr risco de nenhum espectador perder o fio da meada também torna a sequência desnecessariamente longa e arrastada em seu final. No final, Kirk e Spock percebem que se completam, assim como todo o restante da equipe que encaixa muito bem nos novos atores, e conseguem enfrentar o vilão Nero em boas sequências de batalhas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

    Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

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    O novo Além da Escuridão – Star Trek comprova que J.J. Abrams conseguiu o que parecia impossível: unir todo o universo da franquia sem atrair a ira dos fãs – que levam muito a sério o assunto e costumam não ser tolerantes com o que consideram infidelidade. J.J. fez uma reciclagem de temas, conflitos e personagens. E obteve o que muitos filmes recentes não alcançaram: pegar um universo incrustado na cultura pop, fortemente associado a atores diferentes dos que dispõe e, de alguma forma, fazer com que todos se importem como antes, colocando o entretenimento de qualidade para caminhar lado a lado com a inteligência.

    Se, no primeiro filme que assinou, o diretor introduziu personagens famosos da série, optando por contar de onde eles vieram e como se tornaram cadetes, até virarem heróis, neste, J.J. esmiúça como as relações de respeito, amizade e carinho entre eles foram pavimentadas. O diretor usa o passado para criar algo novo. Presta uma grande homenagem à série, aos filmes e aos personagens. Se já tinha adiantado isso em relação a Kirk e companhia, ele agora causa impressão com outro ícone da franquia, o vilão Khan, o mais famoso de Jornada nas Estrelas, que ganhou uma roupagem completamente diferente na ótima interpretação de Benedict Cumberbatch (o Sherlock Holmes do seriado homônimo atualmente no ar na TV). O caso é o mesmo do Coringa de Batman, que, quando feito por Jack Nicholson no filme de Tim Burton, em 1989, parecia imbatível, até que Heather Ledger se apossasse do personagem na trilogia criada por Christopher Nolan. Este, por sinal, também foi uma influencia para J.J., não só nos temas, mas também nas belas imagens capturadas em IMAX, depois que o diretor de Star Trek assistiu, a convite do próprio Nolan, a O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

    Apesar das várias referências que vão emocionar os fãs de primeira hora, Into Darkness também foi concebido para entreter o público que nunca foi ligado a esse universo. É um filme de ação feito com habilidade – um filme em que a ação está sempre a serviço da trama. É interessante que J.J., junto com o diretor de fotografia Dan Mindel, use o mínimo possível de truques de CGI nas cenas que envolvem atores e movimento – e, com isso, obtenha uma boa dose de realismo, mesmo nas sequências mais fantasiosas. Percebe-se que há uma aura de tensão constante sem que ela seja gratuita ou interfira na trama.

    Um grande mérito é que o novo filme faz exatamente o que a série sempre fez: usar um cenário futurista para fazer um comentário contemporâneo sobre algum tema em voga na sociedade – no caso, o terrorismo; suas causas e consequências; a legitimidade, ou não, de se criar uma guerra com o objetivo de eliminar uma ameaça futura; a necessidade bélica do ser humano; os limites do militarismo; e os que servem à guerra ao terror. Into Darkness apresenta alguns conflitos morais complexos, como os bons roteiros de Star Trek sempre fizeram. Um dos questionamentos parte de uma intenção de se matar um homem sem um julgamento justo, sob a alegação de que ele é terrorista. O filme é, em última instância, uma alegoria transparente de uma reação desproporcional contra um ato de terror. Bem de acordo com as crenças de Gene Roddenberry, a narrativa se concentra nos valores humanos e no papel do indivíduo dentro da sociedade. E, mesmo com tudo de espinhoso que o filme retrata, a visão otimista de Roddenberry está presente. Em Star Trek, o futuro convive bem com o passado: naves sobrevoam a cidade de São Francisco, enquanto os nostálgicos bondinhos continuam lá servindo a população.

    J.J. demonstra que, até a chegada desse otimismo, não foi fácil e houve uma longa caminhada. O roteiro de Roberto Orci e Alex Kurtzman recebeu um tratamento de primeira de Damon Lindelof, parceiro de longa data do diretor e também um dos responsáveis pelo fenômeno Lost na TV. Outra característica desse estilo de roteiro, que também esteve presente em Os Vingadores, sucesso no ano passado, é o aprendizado de lições de vida por parte dos personagens icônicos, como a do papel de um líder, para Kirk, e a da complexa fronteira entre a lógica e a sensibilidade, para Spock, isso tudo entre outros temas que se prestam ao escrutínio, como a amizade, a lealdade, a ética e as regras. Por trás da mensagem de “explorar novos mundos”, existe o descobrir a si mesmo.

    A descoberta de Spock é um tema à parte. O ator e diretor Leonard Nimoy, apesar de muito grato à sua vida profissional e de ser um entusiasta de Jornada nas Estrelas, logo quando a série clássica foi cancelada, foi o que mais renegou seu passado a serviço de seu personagem (inclusive, com o livro Eu Não Sou Spock). Mas é ele a ponte para a chegada do novo elenco. Esta é sua oitava participação em um filme da franquia feito para o cinema. São as ironias do destino – que é altamente ilógico.

    O mestre de J.J., o cineasta Steven Spielberg, também recebe seu tributo, engendrado na cena inicial – uma clara homenagem ao começo de Caçadores da Arca Perdida. Não é à toa que a célebre revista Cahiers Du Cinéma aponta J.J. Abrams como legítimo sucessor de Spielberg. E J.J. Já deu mostras de pode ir além: onde nenhum diretor jamais esteve.

    Texto de autoria de Mario Abbade.