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  • Crítica | Star Trek: Sem Fronteiras

    Crítica | Star Trek: Sem Fronteiras

    cartaz

    É curioso como, hoje em dia, a tela de cinema precisa se desdobrar, entortar, capturar mais que 180º para conseguir dar conta de nos mostrar um universo, mais que plausível, que a tecnologia já consegue moldar, e uma câmera quase não consegue emoldurar mais. Nunca me esqueço de uma sessão em IMAX 3D de Gravidade, o clássico de Cuarón em 2013, quando, enquanto espectadores passivos que somos, nos deixávamos engolir pela tela e quase não conseguíamos tornar mensuráveis as dimensões à frente dos olhos, tamanha a escala obtida. Tudo muito grandioso, e assim, aos poucos, hipnotizados, de espetáculo em espetáculo, com exceção do já citado épico com Sandra Bullock e outros gatos pingados que sabem usar a tecnologia afim de algo maior que explosões e acrobacias, fomos nos esquecendo de que cinema não é apenas diversão, mas pode ser representação e conscientização social, especulação da nossa realidade, filosofia, palco para futuros triunfos científicos, e tudo o mais que a série Star Trek nos anos 1960 foi. Claro que este Sem Fronteiras, de 2016, não resgata tudo isso ao belo e desmotivado cinema de ação dos anos 2000, mas chega às maiores telas do mundo como um lembrete dos bons ao público – além de ser nostálgico, sem ofender a memória dos mais velhos.

    Tratada como uma caravela espacial forte, e quase indestrutível, comandada pela tropa de Kirk, Spock e cia., a espaçonave Enterprise é desmontada feito um castelo de lego, logo de cara, num impressionante uso de mise-en-scène interno e externo, muito bem orquestrado para sentirmos na pele a dor de um engenheiro ao ver as camadas e a estrutura interior de uma enorme construção ser implodida. É na subversão simbólica da principal personagem de Star Trek, ou seja, a nave que guia a todos, que percebemos a audácia e o desejo de voltar à essência e ao espírito de ficção-científica puro da era de ouro da TV. E o filme literalmente nos transporta àquela era, sendo mais um longo (porém rápido) episódio da série clássica, que uma continuação da ideia boba de prequel, dos dois outros regulares e moderninhos filmes da nova franquia. Não resta dúvida a relevância de Sem Fronteiras para a série ao compará-lo, mesmo que superficialmente, com os filmes de J.J. Abrams, pois este é, sem dúvida, o melhor exemplar da nova série dos exploradores cósmicos e seus buracos de minhoca, em plenos 50 anos terráqueos de suas viagens intergalácticas.

    Left to right: Simon Pegg plays Scotty, Sofia Boutella plays Jaylah and Chris Pine plays Kirk in Star Trek Beyond from Paramount Pictures, Skydance, Bad Robot, Sneaky Shark and Perfect Storm Entertainment

    Aqui, a história e a caravela de Cabral finalmente caem pelo abismo para, assim, elevar a qualidade do todo. Ao buscar criatividade e novos temas abordados nos rumos que o universo reciclado de Gene Roddenberry precisa tomar, ao invés de ficar jogando e tirando a Enterprise de buracos de minhocas e detritos espaciais como Abrams agora vai jogar Star Wars, aparentemente a série, com a ajuda do trekker e roteirista Simon Pegg, está disposta a encontrar seu lugar no atual cinema-pipoca, além de provar ser muito mais coerente e realista em seus princípios e, novamente, nos seus temas abordados, que o universo oriundo da mente infantil de George Lucas nunca foi capaz de alcançar. Star Trek parece ter achado seus nobres tom, bússola e paradeiro. Parece ter achado onde nasce suas alusões ao real e suas hipóteses futuras (Sulu, o comandante da nave, é assumidamente gay, uma representação sexual atingida antes pela quota racial em 1966 por Uhura, a primeira personagem feminina e negra a beijar um homem branco, na TV americana), afinal, antes de usarmos celulares, tablets, tradutores de idiomas e outras tecnologias, Star Trek apostava na futurologia e também nos preparou para o uso dos aparelhos – na época, parte de uma ficção hipotética, distante e científica.

    É o ímpeto por esta trilha perspicaz, indo à frente do seu tempo “aonde ninguém jamais foi”, que por fim acaba sendo refletido no uso inteligente, divertido e sábio da modernidade técnica que hoje tanto se explora (efeitos visuais e sonoros impressionantes), e isso não poderia ser de forma alguma melhor – e mais surpreendente, pois quem comanda o show é o até então inexpressivo Justin Lin, de Velozes e Furiosos. Um show despretensioso e equilibrado em suas motivações primordiais, mesmo tocando em vários assuntos, apostando no êxtase da nostalgia, da boa e velha ação, d’um bom e novo vilão (no ano que tivemos o desprezível Apocalipse de X-Men, um antagonista como Krall faz bem até aos olhos, por mais assustador que seja, e pelo fato de ser Idris Elba na pele do destruidor da Enterprise), mas tudo sem ignorar a especulação quanto ao rico universo em mãos, deixando jamais quaisquer personagens ou sub-tramas do filme de lado, sequer sub-aproveitadas, numa verdadeira ópera nas estrelas – e sempre apontando suas resoluções para frente.

    É esse sentido utópico, é tal reconhecimento idealista que se configura Star Trek, e por mais que Sem Fronteiras não carregue todos os motivos que fazem da série um triunfo da, e para, a cultura pop, já indica que os próximos filmes e a série recém-anunciada pela CBS e Netflix (Eba!) podem chegar a um novo futuro e conquistas, sem esquecer os louros de um passado eternamente presente, contudo não plagiado. Por isso, ao tecer tais expectativas e constatar os fatos, torna-se indiscutivelmente prazeroso, afinal, assistir a novos arranjos aos sonhos de antigos mestres do Cinema, como Meliès e Cecil B. De Mille, bem conceituados e aproveitados nas dimensões cada vez maiores da experiência extraída de uma tela, em prol de uma das matinês mais divertidas (e interessantes) de 2016. Nice job.

     

  • Review | Falling Skies – 1ª Temporada

    Review | Falling Skies – 1ª Temporada

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    Os últimos anos não foram fáceis para seriados de (ou com elementos de) sci-fi. Em maior ou menor escala, quase todas fracassaram: FlashForward, V, Alcatraz, Terra Nova, entre outras. O fantasma de ser “o novo Lost”, muitas vezes imposto pela mídia ou público, certamente prejudicou, mas no fim das contas elas não se firmaram por suas próprias deficiências. Sem muito alarde, mas mostrando consistência, Falling Skies parece ter escapado dessa maldição. A série do canal TNT está atualmente em sua segunda temporada, e conta com Steven Spielberg como produtor executivo e nomes como Noah Wyle e Will Patton encabeçando o elenco.

    A trama mostra um cenário pós-apocalíptico, a Terra sofreu uma invasão alienígena que dizimou 90% da população humana em poucos dias. A guerra, se é que chegou a existir, já acabou e fomos derrotados. Os sobreviventes se organizam em milícias que se dedicam a uma guerrilha sem muitas esperanças. Nesse contexto, acompanhamos principalmente Tom Mason, um ex-professor universitário de História forçado a se tornar um soldado pra proteger seus três filhos. Um deles, porém, foi capturado pelos invasores, que controlam mentalmente crianças e adolescentes através de um aparelho implantado na coluna de cada um. O motivo disso, inicialmente, é um mistério.

    Mistérios, aliás, existem na história, mas não são o foco principal. Talvez esse seja o mérito de Falling Skies ao se diferenciar das demais produções recentes do gênero. A série não se baseia em prometer revelações absurdas que vão mudar a vida do telespectador. Fica claro desde o início que a proposta é acompanhar os dramas daqueles personagens, seu constante dilema entre fugir e se esconder ou partir pro ataque contra os aliens (motivados mais por um desejo de vingança meio vazio, do que por qualquer outra coisa), além dos inevitáveis conflitos internos do grupo. Virou piada o termo “história sobre pessoas”, mas o caso é esse mesmo. O que não quer dizer, porém, que não existam revelações sobre os invasores. Elas são apresentadas de forma gradativa e nós as descobrimos ao mesmo tempo que os sobreviventes, uma fórmula acertada.

    Outro aspecto interessante da série, uma dose de ação maior do que o esperado em produções televisivas. Todo episódio tem seus momentos de combate, mesmo que muitas vezes as lutas não sejam mostradas explicitamente. O roteiro competente ao construir a tensão das cenas é o que compensa, afinal limitações de orçamento sempre vão existir. Ainda mais dentro da proposta de mostrar DOIS tipos de aliens: os nojentões “saltadores”, que parecem um misto de inseto/aranha/crustáceo do tamanho de um ser humano; e os “mechas”, robozões com alto poder de fogo. Esses últimos são onde os efeitos especiais naturalmente ficam devendo um pouco. Mas criar implicância excessiva e condenar o seriado por isso, é sem dúvida burrice.

    Ainda sobre a ação da série, há um teor altamente no militar no grupo, chamado de Second Massachussets ou simplesmente 2nd Mass (referência a uma milícia de Boston na Guerra Revolucionária Americana). O líder é o inicialmente irascível Capitão Weaver, que volta e meia quer ir pra porrada sem ligar muito para os “civis” da comitiva, cabendo a Mason, seu segundo em comando, ser a voz da razão. Em resumo, todos os movimentos que o grupo faz, seja enviar batedores em exploração, buscar suprimentos, procurar vias de fuga pra novos abrigos ou planejar ações ofensivas, são sempre tratados como algo que um verdadeiro exército faria numa zona de guerra. Pra quem gosta de histórias desse estilo, um prato cheio.

    Falling Skies é uma boa opção pra fugir da eterna mesmice das produções televisivas, onde quase tudo gira em torno de séries policiais, médicas ou sitcoms. Com apenas 10 episódios por temporada, dá tempo de se atualizar e ficar na torcida por uma renovação, o que segundo os últimos boatos, é bem possível.

    Texto de autoria de Jackson Good.